Migalhas Quentes

Utilizada em sentido descritivo, expressão popular registrada não viola direito de marca

Festa de encerramento de campanha publicitária da cerveja Sol recebeu o nome de "Passa Régua", marca já registrada junto ao INPI.

25/1/2013

A 1ª câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP entendeu que o uso da expressão "passa régua" na festa de encerramento da campanha publicitária "Boteco Universitário Sol", realizada pela agência Hans para divulgação da cerveja Sol, não violou o direito da marca "grupo passa a régua", registrada junto ao INPI - Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, porque foi utilizada em sentido descritivo.

O desembargador Francisco Loureiro, relator da apelação, considerou que se trata de uma expressão popular, usada coloquialmente para designar o fechamento de uma conta de bar. "Apenas se a expressão 'passa régua' tivesse sido utilizada pelas rés como marca é que seria possível cogitar violação ao direito do requerente", afirmou.

O magistrado ressaltou que a lei de propriedade industrial (9.279/96), ao tratar dos sinais não registráveis como marca, prevê em seu art. 124, VI, ser insuscetível de registro "sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva".

O julgamento teve a participação do desembargador Enio Zuliani.

Veja a íntegra da decisão.

____________

Apelação Cível nº 0167783-70.2007.8.26.0002

Comarca: SÃO PAULO

Juiz: CARLOS EDUARDO PRATAVIERA

Apelante: E.A.

Apelado: HANDS EVENTOS LTDA. E SPAL INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS S/A

VOTO Nº 17.093

PROPRIEDADE INDUSTRIAL – Alegado uso indevido da marca “passa régua” pelas rés – Autor que afirma ter pioneiramente requerido o registro de aludida marca no INPI, e pretende seu uso exclusivo – Locução “passa régua” que, na verdade, constitui expressão popular consagrada, descritiva de fechamento de conta de bar ou encerramento de algo, e por isso inapropriável como marca – Impossibilidade de vedar a terceiros o uso da locução em seu sentido descritivo – Prova dos autos a indicar que as requeridas utilizaram a expressão em comento não como marca, mas sim para designar a festa de encerramento de campanha publicitária de cerveja – Ação ajuizada pelo autor corretamente julgada improcedente – Recurso improvido.

Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 706/714, integrada pela decisão de fls. 723, que julgou improcedente a ação indenizatória ajuizada por E.A. em face de HANDS EVENTOS LTDA. e SPAL INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS S/A.

Fê-lo a sentença, basicamente sob o argumento de que o uso da expressão “passa régua” na campanha publicitária realizada pela ré Hands para divulgação da cerveja Sol, produzida pela requerida Spal, não violou direito de marca do autor. Entendeu o MM. Juiz de primeiro grau que a expressão foi usada em seu sentido vulgar ou coloquial de encerramento de uma conta no bar, e não em alusão à marca homônima da qual o demandante é detentor.

O recorrente alega, preliminarmente, nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em virtude da não realização da prova pericial pretendida.

No mérito, sustenta, em síntese, que obteve junto ao INPI o registro da marca mista “grupo passa a régua”, composta por uma caneca de cerveja, uma régua e as palavras mencionadas, sem exclusividade, porém, do vocábulo grupo, nas classes 41-20 (serviços de diversão, entretenimento e auxiliares) e 41-40 (serviços de organização de feira, exposição, congresso, espetáculo artístico, desportivo e cultural).

Afirma, no entanto, que em 18 de maio de 2007 tomou conhecimento de que sua referida marca mista estava sendo utilizada para promover um grande espetáculo artístico da campanha Boteco Universitário Sol, em prol do lançamento da respectiva cerveja. O show seria realizado em 02 de junho daquele ano, e teve ampla divulgação na Internet.

Relata o apelante ter então se reunido com representantes das rés em 28 de maio de 2007 para solução do impasse decorrente da utilização indevida de sua marca, afirmando que, na ocasião, restou convencionado entre os envolvidos que ele enviaria uma proposta de licenciamento de sua marca às rés.

Aduz, porém, o recorrente que o acordo almejado não só deixou de ser obtido como as rés ajuizaram contra ele ação declaratória, na qual teriam sido formuladas falsas acusações de chantagem, coação, má-fé, entre outros.

A propósito, o apelante alega que na outra demanda em que litigaram as partes, julgada pela mesma sentença ora recorrida, as apeladas teriam praticado fraude processual, pois retiraram de site na Internet o conteúdo capaz de demonstrar o uso indevido de sua marca.

Em razão do exposto e pelo que mais argumenta às fls. 758/766, pede o provimento de seu recurso.

O apelo foi contrariado (fls. 769/781).

É o relatório.

1. A preliminar arguida deve ser rejeitada.

Não há que se falar em nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em virtude da não realização da prova pericial postulada.

As provas documentais trazidas aos autos mostraram-se suficientes à análise da matéria controvertida, e por isso a produção de prova técnica revelou-se desnecessária.

Embora o recorrente afirme que tal prova lhe permitiria demonstrar a fraude processual perpetrada pelas rés com a retirada do conteúdo alusivo à sua marca de site na Internet, o fato é que há provas documentais o bastante nos autos a demonstrar a veiculação da expressão “passa régua” em endereços eletrônicos criados e mantidos pelas requeridas.

Dessa forma, ainda que tenha havido a alegada retirada de conteúdo dos sites com tal expressão, o uso desta pelas rés foi devidamente comprovado. Aliás, as requeridas nem negaram o uso da locução, limitando-se a alegar outros fatos impeditivos do direito do autor.

Em face da inexistência de prejuízo ao apelante decorrente da não produção de laudo pericial, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa suscitada.

2. No mérito, o recurso não comporta provimento.

De início, cumpre salientar que a matéria discutida neste recurso já foi analisada por este Tribunal quando do julgamento da Apelação Cível nº 0129081-55.2007.8.26.0002.

Aludido recurso, de relatoria do Des. Romeu Ricupero, foi julgado em 08 de novembro de 2011, e embora ainda não tenha transitado em julgado, serve como parâmetro para este julgamento, uma vez que as ações são conexas.

As demandas, na verdade, foram julgadas conjuntamente pela sentença ora recorrida. No entanto, a ação declaratória ajuizada pelas ora recorridas foi distribuída diretamente à Câmara Reservada de Direito Empresarial deste Tribunal, ao passo que a presente ação “indenizatória” foi inicialmente distribuída ao Des. Percival Nogueira, por prevenção decorrente do julgamento do Mandado de Segurança nº 0147773-69.2011.

O equívoco relativo a tal distribuição foi sanado, e os respectivos autos me foram remetidos em 06 de julho deste ano por força da aposentadoria do Des. Romeu Ricupero, a quem sucedi na cadeira da Câmara de Direito Empresarial.

Ocorre, porém, que a apelação da ação conexa foi julgada em 08 de novembro de 2011, o que impede a apreciação conjunta das demandas em grau recursal.

Seja como for, o fato é que a sentença ora recorrida, bem como o V. Acórdão que apreciou a ação conexa, deram correta solução à lide e não comportam reparo.

3. Impossível reconhecer o uso indevido da marca “passa régua”, alegado pelo autor.

Embora o recorrente tenha obtido o registro da marca “grupo passa régua” junto ao INPI nas classes 41-20 (serviços de diversão, entretenimento e auxiliares) e 41-40 (serviços de organização de feira, exposição, congresso, espetáculo artístico, desportivo e cultural), o fato é que se trata de uma expressão popular, usada rotineiramente para designar o encerramento de algo, geralmente uma conta num bar. Por isso mesmo, não pode o demandante querer impedir que quaisquer outras pessoas utilizem tal locução em seu sentido descritivo sem pagar pela respectiva licença da marca.

Apenas se a expressão “passa régua” tivesse sido utilizada pelas rés como marca é que seria possível cogitar de violação ao direito do requerente. No entanto, as provas documentais trazidas aos autos demonstram que a locução em questão foi usada pelas requeridas meramente para descrever a festa de encerramento de uma campanha publicitária para promoção da cerveja Sol.

Tanto isto é verdade que a festa inaugural desta mesma campanha foi chamada de “esquenta”, vocábulo comumente utilizado para designar o início de uma festa ou evento em que há consumo de bebida alcóolica.

Correta, assim, a observação formulada pelo Des. Romeu Ricupero ao apreciar a demanda a esta conexa, no sentido de que a expressão “passa régua” foi usada “como expressão coloquial e corriqueira na linguagem dos frequentadores de bar para o pedido da conta, e não como utilização indevida de marca, como referência a uma determinada marca ou serviço”.

4. A Lei de Propriedade Intelectual (Lei nº 9.279/96), ao tratar dos sinais não registráveis como marca, prevê expressamente em seu art. 124, VI, ser insuscetível de registro “sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva”.

Tal é justamente a hipótese verificada no caso em tela, uma vez que a locução “passa régua” não passa de expressão descritiva, vulgar, usada popularmente para designar o fechamento de uma conta de bar, ou mais amplamente, o encerramento de algo.

Como ensina Gama Cerqueira, deve-se impedir “a apropriação, a título exclusivo, de denominações pertencentes ao domínio comum e que se relacionam estritamente com o produto, já pela falta de outra expressão designativa, já por se tratar de nome usual, vulgarmente empregado” (Tratado da Proteção Industrial, 2ª. Edição RT, vol. 2, p. 815).

5. Nem se alegue que as apeladas utilizaram a expressão em comento para a prestação de serviço da mesma classe em que o autor obteve o registro da marca.

Ainda que a locução “passa régua” tenha sido usada pelas rés na prestação de serviço de entretenimento/diversão, não foi a mesma usada como marca, mas sim para aludir a um evento de encerramento da campanha publicitária “Boteco Universitário Sol”.

Como dito, afigura-se impossível o demandante apropriar-se exclusivamente de expressão popular consagrada, impedindo seu uso designativo amplamente conhecido.

Admitir, pois, a tese do recorrente implicaria conceder de modo transverso exclusividade no uso da locução “passa régua”, sendo que a mesma é largamente utilizada no dia-a-dia para descrever o encerramento de conta de bar, festa ou evento.

Em outras palavras, acolher o pedido do demandante seria o mesmo que conceder exclusividade ao que não é exclusivo, fazendo com que marca de fantasia abarque marca descritiva de uso comum.

Como alerta o clássico Carvalho de Mendonça “qualquer industrial tem o direito de servir-se dessas expressões para designar a qualidade do produto ou mercadoria ou o fato que julga conveniente tornar conhecido dos consumidores ou compradores” (Tratado de direito Comercial, vol. V, no. 254). Não lhe assiste, porém, o direito de usá-las como marcas exclusivas.

6. Em suma, não tem o apelante o direito de impedir que outrem utilize, ainda que para fim comercial, a expressão popular “passa régua”, quando meramente descritiva.

A ação proposta pelo autor foi corretamente julgada improcedente e não comporta alteração.

Finalmente, é bom destacar, mais uma vez, que ação conexa de inexistência de relação jurídica, com as partes invertidas, já foi julgada por esta Câmara Reservada. Naquela ação, se reconheceu inexigível qualquer crédito decorrente de suposta violação à marca “passa régua”, razão pela qual se mostra inviável acolher o pedido de cobrança decorrentes dos mesmos fatos.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

FRANCISCO LOUREIRO

Relator

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