Na semana passada aconteceu na Universidade Nove de Julho – UNINOVE o seminário "Gestão Pública dos Entes Federativos: desafios jurídicos de inovação e desenvolvimento", que reuniu os mais renomados profissionais da área jurídica e da gestão pública para discutirem os rumos da gestão pública em face dos desafios de inovação e desenvolvimento.
No último dia do seminário, 5/10, houve o Mini-Fórum das Escolas de Governo/Administração, com a presença de autoridades e expositores com experiência na capacitação de servidores, sendo discutidos os pontos consensuais dos rumos da gestão pública eficaz e do Direito Administrativo do futuro.
Como resultado, foram apresentados trinta e cinco pontos de reflexão para a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, que estão listados abaixo.
Os pontos de reflexão são apenas inspirados em algumas facetas dos assuntos que foram levantados pelos expositores ao longo do seminário, mas não expressam a opinião isolada de qualquer um de seus participantes, cuja exposição será publicada nos anais do evento. São alvo de submissão à opinião dialogada no mini-fórum de Escolas de Governo/Administração, realizado no dia 5/10, no auditório do Mestrado da Universidade Nove de Julho.
1. É questão pressuposta na modernização da estrutura da Administração Pública: a discussão do papel que legitimamente se espera na atualidade do Estado;
2. A Constituição de 1988 contempla diretrizes do papel do Estado;
3. A aplicação prática do Direito Administrativo, que depende de uma boa gestão pública, deve ser voltada à máxima eficácia dos direitos fundamentais constitucionais;
4. O Estado Democrático de Direito, enunciado e garantido na Constituição de 1988, ainda não foi despido de sua função jurídica de promotor dos direitos sociais, muito embora esta seja uma concepção dinâmica e que possui seus condicionamentos;
5. O Terceiro Setor tem inquestionável relevância, devendo ser fomentado pelo governo;
6. As atividades de caráter voluntário da sociedade civil organizada, que são importantes e úteis, não devem ser confundidas com o pleno exercício dos direitos sociais;
7. Os serviços públicos, que veiculam direitos subjetivos sociais, conferem aos beneficiários o status de cidadania, o que inclui o dever e a responsabilidade de exigência criteriosa aos prestadores, sejam eles a Administração Pública ou os seus delegatários;
8. Os prestadores de serviços públicos não o fazem em caráter voluntário, isto é, apesar de todos os condicionamentos orçamentários existentes, ainda assim existe um grau de exigibilidade, que não pode ser delimitado a priori, do cumprimento destas obrigações;
9. A eficiência da “força de trabalho” da Administração Pública é fator que não depende só de sua formação, mas também da ambiência na qual se desenvolvem as funções, pois um ambiente de trabalho estimulante é um dos pilares para que haja o maior comprometimento dos envolvidos;
10. Algumas estatais possuem práticas inovadoras, sendo “nichos de excelência” em gestão; tal fato é associado à adaptação de seus programas de capacitação nos últimos vinte anos ao desenvolvimento de competências e habilidades mais profissionais e especializadas;
11. Identifica-se também um processo de melhoria da prestação de serviços públicos por parte da Administração Direta, sendo este processo em parte inspirado em práticas de estatais que implantaram alguns programas de qualidade;
12. Não se confundem os valores burocráticos de especialidade e profissionalismo, que atribuem à Administração maior eficiência, com o sentido pejorativo que a palavra burocracia adquiriu, sendo este último significado associado ao distanciamento e à indiferença;
13. O Direito Administrativo, com suas notas características de formalismo e impessoalidade, corolários do princípio republicano e da consequente meritocracia, contribuirá melhor para o alcance da eficiência quando for também permeável à perspectiva comportamental da gestão pública: considerando, com ponderação em relação aos mencionados valores, o estímulo à liderança e ao comprometimento como meios adequados ao alcance da gestão pública eficaz;
14. A liderança e o comprometimento não podem ser impostos por treinamentos motivacionais violadores da dignidade humana e do discernimento crítico, pois as pessoas apenas se envolvem naquilo que espontaneamente elegem como prioritário em decisões pessoais, sendo esta uma questão de foro íntimo;
15. Há programas de capacitação que repetem conteúdos já exigidos no ingresso na Administração Pública, sem trabalhar de forma mais dinâmica as habilidades necessárias para o estímulo de um profissional comprometido e eficiente;
16. Rigor para discernir é fundamental à boa gestão, pois em determinados contextos, é indispensável ao respeito de princípios administrativos;
17. A boa gestão não se constitui só de precisão técnica, mas também é relevante o desenvolvimento da habilidade do discernimento, com uso do bom senso, para afastar formalismos inócuos que dão maior ênfase ao cumprimento por si só de regras do que ao alcance das finalidades de atendimento das necessidades públicas;
18. É preciso compatibilizar os sistemas informatizados com a necessidade de uma decisão ponderada, respeitando a exigência de motivação dos atos;
19. Do ponto de vista do alcance da eficácia, na discussão sobre eficiência: os fins não justificam os meios, pois apesar de os meios serem instrumentais, alguns fins só são garantidos e/ou assegurados com meios adequados;
20. Também a questão a "flexibilização dos controles" deve ser revista sob pressupostos mais complexos, pois um bom resultado é alcançável com o controle de um procedimento de qualidade, tanto no Poder Público como na iniciativa privada;
21. Não é possível a avaliação completa de um processo sem que se olhe para ele como algo dinâmico, pois a "ênfase nos resultados" pode esconder falhas procedimentais que podem ser aprimoradas, caso se controle todas as etapas do procedimento;
22. A visão do controle do procedimento com foco exclusivo na identificação de falhas para a punição atrapalha a possibilidade de aprimoramento das práticas administrativas;
23. É mais eficiente ao desenvolvimento das organizações, tanto públicas como privadas, que o controle assuma suas feições preventivas e orientadoras, afastando-se da burocracia parcela da culpa, do medo e, consequentemente, da ausência de transparência;
24. Os sistemas de avaliação de desempenho devem se voltar à melhoria das relações na organização: o enfoque jurídico deve se deslocar da exclusividade da avaliação como forma de controle e punição, para um instrumento de mapeamento e orientação dos "gargalos" de ineficiência;
25. A forma com que são criados muitos cargos, sem carreiras mais abertas, dificulta a adaptação às transformações sociais;
26. Na ascensão da carreira pública deve haver formas mais objetivas de premiação dos servidores engajados e comprometidos, dentro de critérios meritocráticos;
27. A plena eficácia dos princípios da prevenção e da precaução nas atividades do Estado depende também do refinamento do juízo do gestor para a fiscalização do momento anterior à ocorrência do dano, o que pressupõe controle preventivo e concomitante;
28. Há uma dinamicidade nas expectativas em relação à atuação do Estado, em função das rápidas transformações sociais e tecnológicas, que reforça a necessidade de uma gestão pública eficaz;
29. Um dos grandes desafios da atualidade é imprimir uma ação eficiente à máquina administrativa para evitar riscos, antes que os prejuízos aconteçam, sendo esta uma questão de abordagem multidisciplinar;
30. Também a discussão sobre a mudança na estruturação das carreiras públicas deve ser focada em função de sua complexidade, pois há inúmeros fatores envolvidos: econômicos, jurídicos, administrativos, psicológicos e políticos;
31. A complexidade deve ser discutida, mas ela não deve ser utilizada como argumento impeditivo do aprimoramento das práticas da gestão pública, que, para ser eficaz, deve pressupor além do planejamento criterioso, periodicamente revisto e ponderado, também uma execução criteriosa;
32. É preciso capacitar também os agentes que executam, que devem compreender a mentalidade do plano discutido, ideal que o treinamento envolva todos, tanto os que elaboram os planos, como os que executam as tarefas deles derivadas, pois de nada adianta o servidor público fazer a capacitação e sua chefia não estimular a aplicação prática dos novos conhecimentos adquiridos;
33. As mudanças não ocorrem só de cima para baixo, a partir de reformas legislativas, muito embora em diversos casos elas sejam indispensáveis, mas há práticas inovadoras que promovem eficiência de baixo para cima (bottom-up);
34. O Projeto Pensando o Direito é um exemplo de prática inovadora, de interlocução e democratização na feitura das leis, pois a abertura à comunidade científica e à sociedade civil permite o debate criterioso já no nascedouro dos projetos, promovendo substrato crítico também para as propostas em trâmite; e
35. O Direito Administrativo do futuro deve considerar as necessidades da gestão pública e a gestão pública não pode mais ser estabelecida à margem do Direito, para isto é indispensável que haja uma mudança de consciência de todos os envolvidos.
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