Migalhas Quentes

Tratado da mentira - As verdades sobre a mentira

Especialistas explicam os motivos que levam as partes de um processo a mentir.

27/9/2005

Patranha, peta, lampana, lenda, loas, maranhão, cascata, conto, conto da carochinha etc. Seja qual for o sinônimo, mentira é mentira.

Nos últimos tempos, tem-se visto a facilidade com que elas brotam na criatividade dos brasileiros. A começar pelo tio alfaiate do juiz Nicolau, que teria lhe deixado polpuda herança capaz de prover as gostosuras de Miami, passando pelo terreno da família Maluf que seria a fonte para o dinheiro da conta da mulher do ex-prefeito de SP na Europa (pois ele mesmo não tem conta no exterior, isso os brasileiros já estão carecas de saber), até chegar no também calvo Marcos Valério, cujo mensalesco movimento financeiro era para a compra de gado, aparentemente ninguém mente.

Aliás, é o que já esclareceu o migalheiro Abílio Neto (Migalhas 1.236)

"Verdades da crise - Ninguém mente, todo mundo fala a verdade aberta-mente: Palocci, veemente-mente; Buratti, isolada-mente; Jeany Mary, sexual-mente; Bob Jeff, artística-mente; Valério, descarada-mente; Delúbio, leviana-mente; Silvinho, compulsiva-mente; Duda Mendonça, criativa-mente; Genuíno, descuecada-mente; Simone Vasconcelos, simulada-mente; Zé Dirceu, mafiosa-mente; Fernanda Karina, cândida-mente; João Paulo Cunha, democrática-mente; José Mentor, impune-mente; Luizinho, professoral-mente; Sandro Mabel, abiscoitada-mente; Bispo Rodrigues, religiosa-mente; Jacinto Lamas, risonha-mente; Edson Palmieri, ameaçada-mente; José Janene, escandalosa-mente; Pedro Correia, obesa-mente; Severino Cavalcante,esperta-mente; Valdemar Costa, marital-mente; Sarney, intelectual-mente; Serra, oportuna-mente; Jorge Bornhausen, disfarçada-mente; ACM, malandra-mente; Gushiken, pensativa-mente; FHC, filosófica-mente; Tarso Genro, displicente-mente; Lula da Silva, completa-mente, inocente-mente e triste-mente. Migalhas também não mente. Esmigalhada-mente."

Diante do volume de inverdades, este poderoso rotativo foi tentar buscar alguma explicação verdadeira.

Tratando da mentira pueril, A. Almeida Jr. e J. B. de O e Costa Jr., no clássico “Lições de Medicina Legal”, explicam que - do ponto de vista forense - mais importante são as mentiras que, por suas conseqüências, podemos qualificar de antissociais. São elas : as mentiras espontâneas, as mentiras sugeridas e as mentiras ensinadas.

No caso de réus adultos, vê-se que na psicologia forense interessa, sobretudo, o estudo das mentiras espontâneas, e dentro delas as “defensivas”. Na peculiaridade de suas aulas nas Arcadas, Costinha contava o caso de um menor que, injustamente acusado do furto de um anel, declarou, quando apertado pela polícia, ter vendido a jóia a um russo da rua Santa Ifigênia.

“Saindo à rua com o agente, apontou o primeiro homem com cabelo vermelho que viu...”

De fato, a mentira não é simplesmente uma carta no jogo político usada ao sabor das conveniências. É também um agir doentio do psiquismo humano.

A mentira é um dos sintomas de um transtorno grave de personalidade, denominado Transtorno de Personalidade Anti-social”, afirma o psiquiatra Ibiracy de Barros Camargo. Para o especialista, “dificilmente esse indivíduo abandonará o comportamento de mentir: a punição não o afeta e a experiência pouco lhe ensina”.

Nesse contexto, os operadores do Direito, principalmente os causídicos, vêem-se numa penosa situação quando são procurados por clientes que já inventaram uma rocambolesca farsa.

Quando houve o impeachment de Collor as histórias vinham a mancheias. O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira defendia na época um dos acusados de participar do esquema de corrupção, o tesoureiro da campanha de Collor, PC Farias (cuja morte até hoje ninguém acredita na versão oficial). Para o ilustre criminalista, a mentira atrapalha.

Embora possa parecer o contrário, a verdade facilita sobremodo a defesa de um acusado. Deverá (o advogado) adotar, se for possível, tese que isente o cliente de responsabilidade, ou postular a solução que mais se coadune com a realidade dos fatos e com as características pessoais do cliente e rigorosamente com o grau de sua culpabilidade, para evitar que os excessos acusatórios sejam absorvidos pela sentença” diz Mariz de Oliveira.

 

Para o elegante advogado e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, Paulo José da Costa Júnior, a orientação a ser dada a pessoa que cometeu um crime e já se defendeu com fatos mentirosos, é de revelar aos poucos a verdade, desde que possível. “É sempre preferível apresentar os fatos verdadeiros, daí partindo para a defesa”, afirma o ilustre criminalista. Entretanto, dando uma aula de vida, Costa Jr. explica que o advogado “deve acreditar no cliente, tomando como verdadeiras suas palavras, mesmo após a negação da realidade dos fatos”.

O cliente, naturalmente, após a exposição das conseqüências, é o senhor da versão a ser dada. Caso conte a verdade ao advogado e, no entanto, manifeste o seu desejo de negá-la no processo, ao advogado cumpre decidir se mesmo nestas condições sente-se à vontade para defendê-lo” assevera dr. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.

Extrai-se, dessa forma, que cumpre ao advogado analisar no caso concreto qual a melhor saída ao cliente.

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Enfim, verdade seja dita: o que seria da verdade se não houvesse a mentira ?

Ps. Esta curta matéria é dedicada à memória da saudosa Velhinha de Taubaté.

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