Migalhas Quentes

Ação contra IPI de veículos importados será apreciada de forma definitiva

Ação ajuizada pelo DEM questiona decreto que instituiu benefício do IPI para veículos fabricados no país.

5/6/2012

O ministro Marco Aurélio, do STF, determinou que o plenário da Corte julgue de forma definitiva a ADPF 245, ajuizada pelo DEM. A ação questiona o decreto 7.567/11, que instituiu benefício do IPI para veículos fabricados no país.

De acordo com o DEM, a norma questionada introduz um conceito de conteúdo regional de no mínimo 65% para o contribuinte fazer uso do benefício fiscal. O partido alega que o conceito de conteúdo regional médio inclui autopeças importadas do México e dos países do Mercosul, não atendendo, ao propósito de proteger a soberania econômica nacional ou promover o incremento da indústria instalada no país.

O Democratas afirma ainda que a fórmula de cálculo do benefício não inclui veículos importados por montadoras com fábricas instaladas no México ou Mercosul, que poderiam realizar as operações de importação sem alterar o seu coeficiente regional relativo a autopeças. Para o partido, o benefício institui tratamento discriminatório em relação a importações oriundas da Ásia, em favor do Mercosul e do México.

De acordo com o DEM, com relação a normas de direito internacional, os acordos assinados no âmbito da Organização Mundial do Comércio são tão vinculantes quanto os oriundos do Mercosul, daí a impossibilidade de recorrer-se a eles para justificar o tratamento mais favorecido.

Na decisão monocrática, Marco Aurélio pediu informações à Presidência da República e ao MPF e ressaltou a exceção prevista no artigo 153, parágrafo 1º, da CF/88, pelo qual é facultado ao poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas do IPI. O relator concluiu que o tema de fundo da ação reclama apreciação definitiva pelo colegiado do STF.

___________

DECISÃO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – IPI – ALÍQUOTAS – MEDIDA PROVISÓRIA Nº 540/11 E DECRETOS Nº 7.567/11 E 7.604/11 – JULGAMENTO DEFINITIVO – OBSERVÂNCIA ANALÓGICA DO DISPOSTO NO ARTIGO 12 DA LEI Nº 9.868/99.

1. O Gabinete prestou as seguintes informações:

O partido Democratas formalizou arguição de descumprimento de preceito fundamental contra os artigos 2°, § 1°, inciso III, alínea “a” (e Anexo II), e 3°, § 4°, do Decreto n° 7.567/11, com a redação que lhe foi atribuída pelo Decreto n° 7.604/11, editado pela Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União em 16 de novembro de 2011, com pedido de distribuição a Vossa Excelência, por prevenção, em virtude da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.661. Aponta como vulnerados os princípios constitucionais da livre concorrência, livre iniciativa, igualdade e defesa do consumidor brasileiro, consoante previsão dos artigos 1º, inciso IV, 5º, cabeça, 150, inciso II, e 170, cabeça, incisos IV e V, da Carta Federal.

Segundo narra, em 3 de agosto de 2011, foi editada a Medida Provisória n° 540/11, que instituiu benefício fiscal relativamente ao Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre veículos automotivos fabricados no Brasil. Os artigos 5°, § 1º, inciso I, e 6º do referido diploma disciplinaram a possibilidade de redução do tributo nos casos de inovação, investimento e agregação de conteúdo nacional, bem como nas importações efetuadas por empresas qualificadas por meio dos mencionados critérios, a serem especificados por ato regulamentar.

Diz da edição do Decreto nº 7.567, de 16 de novembro de 2011, precisamente com o propósito de definir o nível de “agregação de conteúdo nacional” para fins de incidência do favor fiscal, conforme disposto na medida provisória. Assevera que, ao fazê-lo, criou-se, no referido ato, o conceito de “conteúdo regional médio”, que deveria ser cumprido pelas empresas para contrabalançar a redução do imposto. Todavia, a forma do cálculo incidiria em inconstitucionalidade. Eis o conteúdo das normas impugnadas:

Art. 2º As empresas fabricantes, no País, de produtos relacionados no Anexo I, conforme a Tabela de Incidência do IPI - TIPI, aprovada pelo Decreto no 6.006, de 28 de dezembro de 2006, poderão usufruir, até 31 de dezembro de 2012, de redução de alíquotas do IPI, nos termos deste Decreto.

§ 1º A redução de que trata o caput:

(...)

III - estará condicionada ao atendimento dos seguintes requisitos:

a) fabricação de veículos referidos no Anexo I com, no mínimo, sessenta e cinco por cento de conteúdo regional médio para cada empresa, de acordo com definição apresentada no Anexo II;

ANEXO II

O percentual de conteúdo regional - CR será calculado mediante a seguinte fórmula:

Valor CIF de autopeças importadas pela empresa de extrazona para produção de veículos no país

C.R. = {1 - _____________________ } x 100

Receita bruta dos produtos beneficiados produzidos no país, excluídos os impostos e contribuições incidentes sobre a venda

Consideram-se extrazona os países não membros do MERCOSUL.

Aduz que o coeficiente regional médio, consoante as referidas normas, deve corresponder a, no mínimo, 65% para que a empresa seja habilitada à redução do imposto. Alega estarem excluídos do conceito de autopeças da extrazona aquelas importadas do México e dos países signatários do Mercosul, de acordo com o previsto no artigo 3º do aludido decreto. Segundo argumenta, os mencionados preceitos violam os princípios constitucionais.

Discorre sobre o cabimento da arguição. Afirma mostrar-se inviável o ajuizamento de ação direta porquanto o ato impugnado não possui suficiente abstração, não podendo ser classificado como autônomo.

Assinala que a utilização extrafiscal dos tributos deve observar os princípios estampados na Constituição, em especial os previstos no artigo 170. Ressalta que a forma de cálculo do coeficiente de conteúdo médio regional não atende ao propósito de proteger a soberania econômica nacional ou promover o incremento da indústria automobilística instalada no país, porque (i) não considera as peças provenientes do Mercosul como importadas e, (ii) quanto às montadoras habilitadas à redução, exclui completamente os veículos importados. No tocante a esse último ponto, assevera que as montadoras instaladas no Mercosul e no México poderão importar veículos e gozar do favor fiscal, sem que isso influencie no coeficiente mencionado. Assim, salienta, o grau de agregação de conteúdo nacional deveria ser calculado com base no total da venda de veículos da marca, jamais se podendo considerar como nacionais as peças produzidas fora do território brasileiro.

Diz que os investimentos realizados por montadoras asiáticas serão severamente afetados pelo benefício fiscal, que criará assimetrias competitivas. Refere-se à possibilidade de inviabilizar-se a continuidade dos negócios das referidas montadoras no Brasil, o que violaria o princípio da livre iniciativa. Alude à existência de apuração para verificar a prática de lucro abusivo pelas montadoras instaladas no país.

Articula com a inobservância do princípio da igualdade, por não haver liame lógico entre a medida adotada – redução do imposto – e o objetivo da política econômica – proteger a indústria nacional –, porquanto beneficiados produtos de países estrangeiros. Quanto à aplicação de normas de direito público internacional, anota que os acordos assinados no âmbito da Organização Mundial do Comércio são tão vinculantes quanto os oriundos do Mercosul, daí a impossibilidade de recorrer-se a eles para justificar o tratamento mais favorecido. Conforme assevera, o privilégio instituído em nada protege o parque fabril nacional, mas sim o grupo de empresas composto por General Motors, Volkswagen, Ford e Fiat, assim como as montadoras instaladas no México e na Argentina.

Argumenta que os princípios da liberdade concorrencial e da igualdade tributária, estampados nos artigos 170, inciso IV, e 150, inciso II, da Lei Maior, são fundamentos para a defesa do princípio da neutralidade fiscal, que interdita ao Estado a criação de situações anticoncorrenciais com os mecanismos tributários. Ressalta que o benefício teve por finalidade exclusiva instituir tratamento discriminatório em relação às importações oriundas da Ásia, em benefício do Mercosul e do México.

Alude ao prejuízo que será impingido ao consumidor brasileiro em razão do aumento de preços. Sustenta que as restrições à concorrência resultarão em produtos de menor qualidade. Diz da falta de concorrência no setor, somente aberto há duas décadas. Aponta, alfim, violação ao princípio da proporcionalidade, pois a medida não é adequada à finalidade que se destina, pode ser realizada com a concessão de tratamento fiscal privilegiado aos investimentos feitos por quaisquer empresas e, por fim, revela desequilíbrio entre os prejuízos e benefícios.

Sob o ângulo do risco, destaca que a nova alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados entrará em vigor em 16 de dezembro de 2011, consoante decisão do Supremo na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.661, da relatoria de Vossa Excelência, ocasião em que passará a afetar as revendedoras de automóveis importados, com potencial para levá-las à falência. Postula a suspensão cautelar da eficácia dos artigos 2º, § 1º, inciso III, alínea “a” (e Anexo II), § 4º, e 3º do Decreto nº 7.567/11 e, por arrastamento, de todo o Decreto nº 7.567/11. No mérito, requer sejam declarados inconstitucionais os referidos dispositivos.

Por eventualidade, pede o conhecimento da demanda como ação direta de inconstitucionalidade, caso o Supremo assente incabível a arguição de descumprimento de preceito fundamental.

O processo encontra-se concluso para apreciação da medida acauteladora.

2. De início, vale ressaltar a exceção prevista no artigo 153, § 1º, da Constituição Federal: é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados. O tema de fundo desta ação, tomada sob a nomenclatura quer de arguição de descumprimento de preceito fundamental, quer de direta de inconstitucionalidade, reclama apreciação definitiva do Colegiado. Incumbe ouvir a autora dos atos envolvidos na espécie – a Presidente da República – e o Ministério Público Federal.

3. Providenciem.

4. Publiquem.

Brasília – residência –, 20 de maio de 2012, às 20h.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

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