Migalhas Quentes

Justiça garante a órgão de imprensa direito de narrar e contextualizar fato

Sem dano, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. Decisão é do TJ/SC.

22/4/2012

A 3ª Câmara de Direito Civil do TJ/SC negou provimento ao recurso interposto por João Alfredo Herbst, então prefeito de Mafra, contra o periódico "Diário de Riomafra".

João Alfredo acusava o jornal de ter abalado sua moral numa passagem em que determinado colunista, na percepção do autor, o comparava ao governador do Distrito Federal – na época, afastado do cargo e sob investigação por corrupção.

Tal comparação teria ocorrido nos seguintes termos: "[...] movido por sentimento de limpeza na política (caso Arruda no Distrito Federal), dizem alguns políticos [...] que a Ordem dos Advogados do Brasil, seção de Mafra, vai arregaçar as mangas e pedir ao TJ o julgamento de Jango já em março, próximo mês. Dependendo do resultado da sentença, Jango poderá ser afastado do cargo por tempo indeterminado".

Para o desembargador relator Marcus Tulio Sartorato, não se vê direta comparação entre o governador do Distrito Federal e João Alfredo, mas sim uma simples narrativa dos fatos.

A decisão foi unânime.

______

Apelação Cível n. 2012.015217-9, de Mafra

Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COLUNA VEICULADA EM JORNAL, NA QUAL O AUTOR TERIA SIDO COMPARADO AO ENTÃO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, AFASTADO POR SUSPEITA DE CORRUPÇÃO. INOCORRÊNCIA. SIMPLES MENÇÃO ÀQUELE CASO SEM COMPARAÇÕES DE ATITUDES POR PARTE DO COLUNISTA. NOTÍCIA QUE APENAS RELATOU FATOS (ANIMUS NARRANDI). DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO APELANTE NÃO CONFIGURADA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Eventual ofensa à honra de qualquer pessoa há de ter embasamento numa afirmação (acusação) injusta, com o propósito deliberado de comprometer o conceito pessoal de outrem.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.015217-9, da comarca de Mafra (2ª Vara Cível), em que é apelante João Alfredo Herbst, e apelado Diário de Riomafra Ltda.: A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Saul Steil.

Florianópolis, 17 de abril de 2012.

Marcus Tulio Sartorato

RELATOR

RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado à fl. 167, por revelar com transparência o que existe nestes autos, e a ele acrescenta-se que o MM. Juiz de Direito, Doutor André Luiz Lopes de Souza, julgou improcedentes os pedidos iniciais.

Contra esta decisão, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 176/185), no qual reedita os argumentos expendidos em sua peça inicial quanto à responsabilidade da ré pelo abalo moral que alega ter sofrido, reafirmando que na publicação foi comparado ao então governador do Distrito Federal, o qual havia sido afastado do cargo por suspeita de corrupção. Por fim, postula a condenação da ré a publicar a íntegra da sentença de procedência do pedido no Jornal Riomafra, de modo a amenizar e restaurar a reputação do autor.

Em contrarrazões, a ré pugna pelo desprovimento do recurso, bem como pela condenação do autor ao pagamento de multa por litigância de má-fé

VOTO

1. A Carta Magna em seu art. 5º, X, estabelece que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

De igual sorte, está previsto no art. 186 do Código Civil que "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Na mesma esteira e no que tange à obrigação de reparar o dano, não se deve perder de vista o que restou disposto no art. 927 do mesmo diploma legal: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."

Sobre a violação da honra, colhe-se da obra de Rui Stoco:

O direito à honra, como sabem, se traduz juridicamente em larga série de expressões compreendidas como princípio da dignidade humana: o bom nome, a fama, o prestígio, a reputação, a estima, o decoro, a consideração, o respeito. [...] a honra da pessoa é um bem resguardado pela Lei Maior e pela legislação infraconstitucional. Se ofendido, o gravame haverá de ser reparado, segundo os reflexos nocivos ocorridos no mundo fático.

Deste modo, se atingido o patrimônio, a indenização terá caráter patrimonial. Se, contudo, o prejuízo for apenas moral, mas efetivo, esse será a natureza da indenização devida (Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 2ª ed. São Paulo: RT. 1995, pp. 471-472).

Acerca do mesmo tema, prelecionam, ainda, Yussef Said Cahali e Silvio Gabinete Des. Marcus Tulio Sartoratode Salvo Venosa, respectivamente:

[...] tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral (Dano Moral, Revista dos Tribunais, 2000, pp. 20-21).

Somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar dano. O dano deve ser atual e certo; não são indenizáveis danos hipotéticos. Sem dano, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima (Contratos em Espécie e Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2001, v. 3, p. 510).

No caso dos autos, afirma o autor ter sofrido danos morais decorrentes de notícia estampada no periódico "Diário de Riomafra", que circulou em Fevereiro de 2010, mais precisamente por ter sido supostamente comparado ao então governador do Distrito Federal, afastado por suspeita de corrupção. Tal comparação teria ocorrido nos seguintes termos:

"...movido por sentimento de limpeza na política (caso Arruda no Distrito Federal), dizem alguns políticos advogados que a Ordem dos Advogados do Brasil, seção de Mafra, vai arregaçar as mangas e pedir ao TJ o julgamento de Jango já em março, próximo mês. Dependendo do resultado da sentença, Jango poderá ser afastado do cargo por tempo indeterminado..." (fl. 5 do "volume de documentos"). Ora, da leitura do excerto, verifica-se claramente que não houve comparação direta entre o autor e o ex-governador do Distrito Federal, não sendo suficiente, para tanto, a simples menção ao "caso Arruda no Distrito Federal" no bojo do comentário, mesmo porque o colunista apenas atrelou aquele caso ao que chamou de "sentimento de limpeza na política", sem comparar fatos e atitudes.

No mais, muito embora tenha o autor concentrado sua fundamentação na comparação com o ex-governador distrital, importa consignar que da análise da coluna em questão, constata-se que se trata de simples narrativa dos fatos efetivamente ocorridos, conforme se demonstrará adiante. Inicialmente, vislumbra-se que o título da notícia ("Instituições podem estar acelerando julgamento de Jango no TJ") é simples, direto e objetivo, sequer faz uso de adjetivos e não exprime qualquer opinião.

Nos três primeiros parágrafos, apenas narra a existência de rivalidades políticas entre o autor e Wellington Bielecki, advogado e presidente do DEM. Em seguida, afirma que "se depender de Wellington, o Tribunal de Justiça, em Florianópolis, libera Jango para ser julgado pela Câmara de Vereadores, de imediato. Lembrando que o prefeito de Mafra é acusado de ter metido a mão em dinheiro público, diz o Ministério Público, que em torno de 1 milhão de reais, referente Gabinete Des. Marcus Tulio Sartoratoao caso do Britador, em 2005... " Observa-se que, muito embora o colunista tenha utilizado a linguagem popular, se reporta às conclusões do Ministério Público quando se refere à acusação de desvio de verbas públicas.

E conforme é cediço, eventual ofensa à honra de qualquer pessoa há de ter embasamento numa afirmação (acusação) injusta, com o propósito deliberado de comprometer o conceito pessoal de outrem, o que certamente não se verifica na hipótese em exame. Desta forma, não se evidencia na hipótese a responsabilidade da ré pelo abalo moral alegado.

Em situações assemelhadas à presente, assim já decidiu esta Corte:

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADA FALSA IMPUTAÇÃO DE CRIME VIA PUBLICAÇÃO EM PERIÓDICO DE CIRCULAÇÃO LOCAL. INOCORRÊNCIA. ANIMUS CALUNIANDI NÃO VERIFICADO. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. MERO ANIMUS NARRANDI DE OCORRÊNCIA POLICIAL ENVOLVENDO O AUTOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO

A ocorrência policial publicada em periódico local sem o ânimo nem o efeito de atingir a honra de outrem não configura dano moral passível de indenização, mormente quando a pessoa que alega ter sofrido o abalo moral era, realmente, acusado judicialmente pelo crime de lesões corporais (AC n.º 2007.052540-0, deste relator, com votos vencedores dos Desembargadores Fernando Carioni e Maria do Rocio Luz Santa Ritta – sem grifo no original).

APELAÇÃO CÍVEL – DANOS MORAIS – LEI DE IMPRENSA – TRANSMISSÃO DE NOTÍCIA – EXCLUSIVO ANIMUS NARRANDI – AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ – INOCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS. Em notícia transmitida pela imprensa, sem manifestação de opinião, com mera narração dos acontecimentos, não gera obrigação de indenizar por danos morais (AC n.º 99.017238-4, Des. Wilson Augusto do Nascimento – sem grifo no original).

Para que surja o dever de indenizar em casos como o ora analisado, é mister que o caluniante tenha agido com dolo de dano, culpa grave ou leviandade inescusável, ou seja, que tenha obrado com intuito de prejudicar o caluniado, com má-fé. Não se verificando esses requisitos subjetivos, não há se falar em obrigação de compor perdas e danos (AC n.º 98.018065-1, Des. Mazoni Ferreira).

Para a responsabilidade civil não basta o dano, impõe-se a existência de culpa, competindo a quem queira ser indenizado a prova da configuração desse pressuposto, bem como do nexo de causa e efeito entre o fato, e a lesão. É indispensável para a caracterização do delito de calúnia, a existência do dolo, ou seja, a vontade de imputar a outrem, falsamente, a prática do crime; entretanto, não havendo, nos autos, prova capaz de estabelecer a intenção da parte em prejudicar a adversa, mister se faz a improcedência do pedido (AC n.º 2004.002116-0, Des. Dionízio Jenczak).

Para que haja obrigação de indenizar civilmente é necessário que a calúnia proferida tenha a intenção de imputar a outrem, falsamente, a prática de crime (AC n.º 2000.017744-0, Des. Orli Rodrigues)

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Gabinete Des. Marcus Tulio SartoratoAGRAVO RETIDO – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – BOATO DE ATO DELITUOSO PRATICADO PELO APELANTE – CALÚNIA – INEXISTÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DOLOSA DE CRIME – ANIMUS NARRANDI CARACTERIZADO – OFENSA À HONRA E À MORAL INDEMONSTRADA – INEXISTÊNCIA DE ANIMUS CALUNIANDI – DEVER DE INDENIZAR AFASTADO – RECURSO DESPROVIDO – ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – QUANTUM FIXADO EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CAUSA – IMPOSSIBILIDADE – ERRO MATERIAL MANIFESTO– FIXAÇÃO DA VERBA NOS TERMOS DO ART. 20, § 4º, DO CPC – CORREÇÃO DE OFÍCIO.

"Para a procedência da ação de indenização fundada em denunciação caluniosa é imprescindível que o acusador tenha ciência da falsidade da acusação. A inexistência de dolo ou má-fé excluem a culpabilidade e, por conseqüência, a obrigação de indenizar" (Des. Mazoni Ferreira)" (AC n.º 2004.024715-0, Juiz Sérgio Izidoro Heil).

Desta feita, por não se identificar, na hipótese, a alegada conduta antijurídica, bem como o dano moral, não há que se falar em responsabilidade civil da ré, prejudicado o pedido de publicação da sentença de procedência no jornal Riomafra.

2. Para configuração da litigância de má-fé devem estar presentes fortes indícios de atuação dolosa ou culposa da parte e prejuízo processual para a parte contrária. Conforme lição de Pontes de Miranda, a rigor presume-se todo litigante de boa-fé, devendo ser provado o inverso:

Presume-se de boa-fé quem vai litigar, ou está litigando, ou litigou. Tal presunção somente pode ser elidida in casu e quando haja má-fé, propriamente dita; a apreciação do exercício abusivo do direito tem que partir daí (Comentários ao código de processo civil, Forense, 1973, tomo I, p. 385).

Sobre o tema, da jurisprudência desta Corte colaciona-se os julgados que seguem:

Só há litigância de má-fé quando evidenciado o propósito de prejudicar. Presume-se que os litigantes estejam sempre de boa fé. (AC n.º 37.876, Des. Amaral e Silva).

Só há litigância de má-fé quando comprovado dolo processual, resistência completamente injustificada, intenção malévola. Alegações e resistência, mesmo desarrazoadas, mas dentro do princípio do contraditório, não constituem litigância de má-fé. (AC n.º 1996.004985-1, Des. Amaral e Silva).

A litigância de má-fé exige, para a sua configuração a comprovação de dolo processual, resistência injustificada ao desenvolvimento processual, a intenção de prejudicar. Resistência recursal, ainda que desarrazoada, mas que se atém aos limites do princípio do contraditório, não constitui litigância de má-fé (AC n.º 1997.010801-0, Des. Trindade dos Santos).

É litigante de má-fé, consoante a conceituação defluida de nosso sistema processual, 'a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária' (Cf. Nelson Nery Jr. et al, CPC Comentado, 2ª Ed. RT, 1.996, pág. 367) (AC n.º 1996.010526-3, Des. PedroManoel Abreu).

No caso em exame, não restaram plenamente evidenciados os requisitos autorizadores para a condenação do apelante ao pagamento de multa por litigância de má-fé, uma vez que, sua atuação não passou do simples exercício do direito de recorrer.

3. Ante o exposto, vota-se no sentido de negar provimento ao recurso.

Gabinete Des. Marcus Tulio Sartorato

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