Migalhas Quentes

Proibido livro que afirma que Lampião era homossexual e Maria Bonita infiel

A obra "Lampião Mata Sete" também diz que Maria Bonita era infiel.

13/4/2012

O juiz de Direito Aldo de Albuquerque Mello, da 7ª vara Cível de Aracaju/SE, manteve decisão de não permitir o lançamento do livro "Lampião Mata Sete", que defende a tese de que Virgulino Ferreira da Silva, o famoso cangaceiro, era homossexual, e que sua esposa Maria Bonita era infiel.

A ação foi ajuizada por Expedita Ferreira Nunes, filha do casal. Liminar de novembro do ano passado suspendeu o lançamento.

Ao justificar a publicação da obra, o autor Pedro de Moraes alega nos autos que "o objetivo é demonstrar que o cangaceiro Lampião não era justiceiro, não era general, não era estrategista, nem tático, e sim, que era um covarde, um homem mal (sic), violento, quase sempre a serviço dos poderosos e nunca um defensor dos fracos e oprimidos."

O magistrado considerou que "para provar a sua tese de que Lampião era um homem covarde e violento, não precisa o requerido imputar ao mesmo a conduta homossexual, uma suposta impotência sexual ou ainda as supostas traições de sua companheira Maria Bonita, bastava o requerido investigar e narrar os vários fatos públicos e notórios, que são imputados a Lampião e Maria Bonita, fatos estes que dizem respeito à prática de diversos crimes e a partir daí traçar um perfil de Lampião e de Maria Bonita".

___________

Vistos, etc.

EXPEDITA FERREIRA NUNES, qualificada à fl.02, devidamente habilitada através de seu advogado conforme instrumento de mandato de fls.13, ajuizou a presente AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, em face de PEDRO DE MORAES, também nos autos qualificado à fl.02, pelos seguintes motivos.

Alega que é filha única do casal Virgulino Ferreira, conhecido por “Lampião” e de Maria Bonita, e que ao ler a capa do caderno “Cultura” do Jornal Cinform, encontrou a manchete “LAMPIÃO ERA GAY E MARIA BONITA, ADÚLTERA”, referindo-se a um livro escrito pelo requerido intitulado “Lampião, o mata sete “, que, de forma grosseira, ataca a intimidade e a privacidade dos pais da requerente e também a sua própria intimidade, imputando ao pai da autora a prática de comportamento homossexual e a infidelidade de Maria Bonita.

Aduz que na entrevista do mencionado jornal, o requerido afirmou que o seu livro exporia a intimidade e a privacidade dos pais da requerente, além de fazer relatos sobre a sexualidade de Lampião, imputando ao mesmo a prática de comportamento homossexual, e a infidelidade de Maria Bonita.

Alega ainda que não concedeu qualquer tipo de autorização ao requerido para publicação, divulgação e veiculação dos nomes ou mesmo da intimidade dos seus pais.

Teceu comentários acerca das milhares de obras relativas ao casal Lampião e Maria Bonita, considerados ícones do Cangaço, que motivaram escritores, cantores, poetas e atores a narrar, cantar e encenar a vida do casal sem qualquer violação da privacidade e intimidade dos mesmos, ao contrário do que o requerido mostrou em sua obra, deixando transparecer indício de preconceito à orientação sexual e à intolerância religiosa.

Ao final, após colacionar algumas decisões garantindo a inviolabilidade da intimidade, pugnou pela concessão de tutela antecipada com a finalidade de proibir a publicação, veiculação, exposição pública, venda, doação onerosa ou gratuita do livro intitulado “Lampião, o mata sete”, além de outros pedidos. Juntou os documentos de fls.13/18.

Às fls.20 consta despacho do juiz plantonista remetendo o feito a este juízo.

Às fls. 22/25, consta a decisão que deferiu a tutela antecipada para proibir que o requerido publique, veicule, exponha, venda ou doe o livro intitulado “Lampião, o mata sete”, sob pena de multa diária.

Às fls. 38/51, o requerido apresenta contestação, alegando, preliminarmente, a ilegitimidade ativa, sob o fundamento de que a requerente, não provou sua condição de filha de Virgulino Ferreira da Silva (Lampião) e D. Maria Gomes de Oliveira (Maria Bonita).

No mérito, rechaçou os fatos alegados pela requerente, afirmando que nunca utilizou em seu livro as expressões “gay “ou” boiola”, referidas pela autora, e que o livro trata apenas da vida do bandoleiro, explorando aspectos até mesmo anteriores ao seu nascimento e posteriores à sua morte, relatando toda a vida do personagem.

Afirma ainda que o tema acerca da sexualidade do cangaceiro nunca foi criação sua, e que a incapacidade procriatória de Lampião sobreveio de um acidente que sofreu, segundo pesquisas e consultas a urologistas, além de afirmar que se serviu de escritos para tratar do adultério de Maria Bonita.

Ao final, tece comentários acerca da liberdade de expressão, na qual defende a tese de que não fez em seu livro referencia às pessoas privadas, mas, sim, a personagens cujas relações pertencem à História, não havendo, portanto, justificativas à censura da sua obra que apenas discute que o cangaceiro não era justiceiro e nem general e, sim, um covarde, um homem mau e violento sempre a serviço dos poderosos.

Juntou procuração e documento às fls. 52/53.

À fls. 54 consta errata do requerido retificando o nome do autor citado em sua contestação de Juarez Costa para Juarez Conrado.

Às fls. 55/59 – verso, o. Tribunal de Justiça deste Estado, em sede de Agravo de Instrumento n. 2011221327, indeferiu o efeito suspensivo almejado pelo requerido e manteve a decisão proferida por este Juízo, que concedeu a tutela antecipada.

Às fls. 63/81 consta réplica.

À fl. 82, consta despacho anunciando o julgamento antecipado da lide.

Vieram os autos conclusos.

Segue a

DECISÃO.

Passo desde já a analisar e rejeitar a preliminar de ilegitimidade ativa alegada pelo requerido às fls.38/39, em sua contestação, tendo em vista que é fato público e notório não só nesta capital como também no País e quiçá, além das fronteiras nacionais, a informação de que a requerente Expedita Ferreira Nunes, é legítima filha dos falecidos Virgulino Ferreira(Lampião) e Maria Bonita.

Ademais, os documentos de fls.16/17, comprovam de forma efetiva a filiação da requerente, onde temos cópia da carteira de identidade com a indicação do nome do pai e da mãe da requerente, como também certidão expedida pelo Juízo da Comarca de Propriá, dando conta que no processo n. 13/87, restou reconhecido por decisão judicial, o fato de que a requerente é filha de Virgulino Ferreira da Silva, vulgarmente conhecido por LAMPIÃO e Maria Dea dos Santos, vulgarmente conhecida por MARIA BONITA.

Ultrapassada a questão processual levantada pelo requerido, temos que o litígio posto e objeto desta demanda, diz respeito à possibilidade de a requerente proibir a veiculação, circulação e divulgação de uma obra, elaborada pelo requerido, tratando da vida e de fatos privados, inerentes à intimidade e à honra dos genitores da requerente.

Pois bem, o tema aqui discutido, conforme muito bem restou definido na decisão liminar proferida pelo eminente Desembargador Cezário Siqueira Neto, no agravo 2011221327, diz respeito a um efetivo conflito aparente entre dois direitos fundamentais consagrados na Constituição.

De um lado, o requerido fundamenta que a publicação de sua obra está amparada pelo art. 5º, IX da Constituição Federal, que garante o direito à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.

De outro lado, a requerente que busca amparo em sua pretensão com fundamento no art. 5º, X, da Constituição Federal, que garante o direito à personalidade, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem da pessoa.

Este, na verdade, é o ponto central da presente discussão, pois pretende a requerente, proibir a divulgação de um livro que tem o requerido como autor, alegando que a divulgação, circulação e publicação da referida obra ofende a sua honra e intimidade, como também a de seus genitores.

Antes de entrar na discussão do caso concreto, propriamente dito, devo analisar a questão de fundo, atinente à possibilidade ou não de ser possível a intervenção do Poder Judiciário, proibindo previamente a publicação de uma manifestação de pensamento, no caso, materializada na obra, denominada, “LAMPIÃO, O MATA SETE”.

Esta questão acerca da possibilidade da intervenção prévia do Poder Judiciário, não deve ser vista como uma espécie de censura prévia, dirigida a limitar a liberdade de expressão e de pensamento, pois a Constituição Federal em seu art. 5º, XXXV, traz como garantia e direito fundamental de todo cidadão a certeza de que nenhuma lesão ou ameaça a direito, poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.

Embora seja reconhecidamente garantido o direito à liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento, o exercício de tais garantias não é absoluto e ilimitado, devendo ser exercido com responsabilidade, seriedade, e acima de tudo, com respeito aos outros direitos, garantias e liberdades individuais e fundamentais, previstos na Constituição Federal.

O Judiciário diariamente atua de forma prévia, evitando a prática de atos ilícitos e que contrariem o nosso ordenamento jurídico, bastando ver a infinidade de medidas cautelares que são deferidas e executadas nos vários juízos deste País.

No caso da presente ação de obrigação de não fazer, a requerente deseja apenas mais um desses provimentos cautelares no sentido de garantir e preservar a sua honra e a de seus genitores, já falecidos, não se admitindo que o princípio inerente à liberdade de expressão e de pensamento, seja utilizado para agredir, ofender ou mesmo ameaçar os direitos e garantias inerentes à preservação da honra, da intimidade e mais ainda, da vida privada da requerente.

Não sou ingênuo de acreditar que o tema é pacífico e que não existem polêmicas sobre o mesmo, mas, da mesma forma, sou plenamente consciente de que o Poder Judiciário não pode se acovardar e se furtar de enfrentar matérias desta índole, devendo adotar postura que vise assegurar de forma efetiva e em toda a sua plenitude, a perfeita e harmoniosa aplicação de todos os princípios constitucionais, pois nem o direito à vida, que é o mais sagrado para todos os cidadãos, é ilimitado, podendo sofrer limitações no caso de guerra, estado de necessidade ou legítima defesa.

Por entender desta forma, é que não admito e refuto por completo, toda e qualquer tese que defenda uma liberdade de imprensa ou manifestação de pensamento, ilimitada ou absoluta.

Entendo que a liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento não deve sofrer restrições, quando esteja diretamente ligada à divulgação e publicação de fatos públicos, relativos às autoridades e pessoas públicas e que tenham efetivo interesse social e coletivo, pois o cidadão, nos termos de nossa Constituição Federal, deve ter livre e irrestrito acesso as informações e fatos públicos.

Entretanto, quando estivermos diante de situações inerentes à vida privada das pessoas, tratando de assuntos ligados a sua intimidade e honra, deve haver, por óbvio, e por determinação da própria Constituição Federal, conforme se vê do seu art.220, § 1º, a limitação de atuação do exercício da liberdade de imprensa e da manifestação de pensamento.

Tal restrição prevista na própria Constituição Federal, tem como fundamento a necessidade de garantir a todo e qualquer cidadão a certeza de que a sua vida privada e intimidade são invioláveis, pois dizem respeito apenas a sua própria pessoa e àqueles que gozam de seu convívio mais íntimo, evitando assim, a exposição gratuita, constrangedora, desnecessária, ilegal e inconstitucional da vida íntima do cidadão.

Como paradigma, acerca da necessidade de se garantir a inviolabilidade da intimidade das pessoas, trago como exemplo a questão atinente ao motivo de “foro íntimo” dos magistrados, onde se vê no art.135, § único do Código de Processo Civil, que poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem qualquer tipo de fundamentação.

Ora, a Constituição Federal em seu art. 93, IX, é clara ao afirmar que todos os julgamentos e decisões dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Percebe-se assim, que o dispositivo constitucional acima indicado permite a limitação da publicidade dos atos do Poder Judiciário, sem excepcionar, no entanto, a necessidade de fundamentação das decisões.

Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal, corretamente, no meu sentir, jamais permitiu ou autorizou a invasão, por quem quer que seja, do “foro íntimo” do magistrado, pois a garantia de imparcialidade do juiz, não reside apenas na sua participação de forma fundamentada, quando da prática de seus atos, mas também, na sua não participação, em processos, onde a sua atuação pode estar viciada, por motivos que a nenhum curioso, é dado o direito de saber.

Com base neste entendimento salutar à independência e imparcialidade dos magistrados, foi que o Eminente Ministro Carlos Ayres de Britto, deferiu liminar no mandado de segurança 28.215, ajuizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e pela Associação dos Juízes Federais, contra ato do Conselho Nacional de Justiça, suspendendo a aplicação da resolução n. 82, de 09/07/2009, garantindo a todos os magistrados brasileiros, o direito de não externar as razões de “foro íntimo”, nos termos do § único do art. 135, do CPC, quando se declararem suspeitos.

No mesmo sentido, temos a decisão monocrática proferida pelo Ministro Celso de Mello, no mandado de injunção 642/DF, publicada no dia 14/08/2001, além da decisão proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa no mandado de segurança n. 28089/DF, publicada no DOU do dia 17/08/2009.

Ou seja, ao garantir aos magistrados, o direito de preservar a sua intimidade e os fatos a ele inerentes, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, não permitiu que decisões judiciais fossem proferidas sem fundamentação, ao contrário, garantiu que decisões judiciais não seriam proferidas, sob o risco iminente de violação e ofensa aos princípios da imparcialidade e da isonomia, princípios estes inerentes à própria jurisdição.

Da mesma forma, ao garantir ao cidadão o direito de preservar a sua honra, intimidade e vida privada, através da proibição ou divulgação de livros e/ou obras que expressem determinada manifestação de pensamento, não está o Poder Judiciário criando uma censura prévia, ilegítima, ao contrário, está garantindo o livre e harmonioso convívio entre os diversos princípios, direitos e garantias constitucionais.

A restrição ao exercício da livre manifestação de pensamento, de que trata, o caso presente, tem como fundamento a necessidade de preservar a vida privada das pessoas, situação que seria diversa, acaso estivesse o requerido, com sua obra, divulgando fatos públicos e de interesse coletivo.

No próprio art. 93, IX, da Constituição Federal, alterado pela emenda constitucional n. 45, de 08/12/2004, consta a imposição de que a preservação do direito à intimidade, está vinculada ao fato, de que eventual sigilo, não prejudique o interesse público à informação.

Ou seja, a Constituição em todas as oportunidades em que fala acerca da publicidade dos atos e da liberdade de manifestação do pensamento, faz questão de vincular o exercício desses atos à necessidade imperiosa de haver um interesse público e/ou coletivo, na informação a ser divulgada.

Ainda na linha de raciocínio, no sentido de que as garantias inerentes à consolidação e preservação do Estado Democrático de Direito, devem sempre ser exercidas com o objetivo de alcançar o interesse público e/ou coletivo, temos a decisão proferida pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal no agravo regimental interposto no recurso extraordinário 299.109-RJ, publicado no Diário da Justiça do dia 01/06/2011, que teve como relator o Ministro Luiz Fux.

Nesta decisão, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal por unanimidade de votos negou provimento ao agravo sob o fundamento de que a imunidade parlamentar material deve ser exercida com observância ao nexo de causalidade entre a manifestação do parlamentar e o exercício do mandato, não se admitindo, sob o fundamento da excludente da imunidade parlamentar, “comentários acerca da vida privada do agravado em entrevista jornalistica, atribuindo-lhe a prática de agressões físicas contra a esposa e vinculando o irmão deste a condutas fraudulentas, pois em nada se relacionam com o exercício do mandato”.

Não há nada mais sagrado para a plenitude de um Estado Democrático de Direito do que a garantia dada aos representantes do povo, para que no parlamento, no exercício de suas funções públicas, tenham total liberdade e imunidade para defender suas ideias, sem que por isso venham a sofrer sanções de qualquer ordem, sejam elas cíveis ou criminais.

Pois bem, nem mesmo a garantia da imunidade material parlamentar, pode servir de base e fundamento para que aquele que esteja no exercício desta garantia fundamental, venha a atacar ou mesmo invadir a vida privada, a intimidade ou a honra de terceiros.

Veja que no caso da decisão do Supremo Tribunal Federal, o parlamentar imputou a terceiro, pessoa pública, a prática de crime contra a integridade física de sua esposa e mesmo assim o Supremo Tribunal Federal, com acerto, ao meu sentir, entendeu não ser aplicável a excludente da imunidade parlamentar, posto que o fato divulgado diz respeito apenas à vida privada de terceiros.

Nesta linha de raciocínio, fica fácil perceber que não existe qualquer interesse público na divulgação da opção sexual de Lampião, na potência sexual de Lampião ou ainda, nas aventuras sexuais de Maria Bonita, circunstâncias essas que serão mais adiante analisadas.

Voltando à questão atinente à legitimidade de proibição prévia, por parte do Poder Judiciário, quando esteja presente, dentre os interesses em conflito, a liberdade de expressão, de imprensa e de pensamento, verifica-se que tal questão foi exaustivamente debatida pelos eminentes Ministros do Egrégio Supremo Tribunal Federal na reclamação n. 9428/DF, onde o STF por maioria, não conheceu do pedido, extinguindo a reclamação sem julgamento do mérito.

O tema ali debatido, cai como uma luva ao presente feito, conforme se vê do inteiro teor da ementa, que passarei a transcrever:

EMENTA: LIBERDADE DE IMPRENSA. Decisão liminar. Proibição de reprodução de dados relativos ao autor de ação inibitória ajuizada contra empresa jornalística. Ato decisório fundado na expressa invocação da inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça. Contraste teórico entre liberdade de imprensa e os direitos previstos nos arts. 5º, incs. X e XII, e 220, caput, da CF. Ofensa à autoridade do acórdão proferido na ADPF nº 130, que deu por não recebida a Lei de Imprensa. Não ocorrência. Matéria não decidida na ADPF. Processo de reclamação extinto, sem julgamento de mérito. Votos vencidos. Não ofende a autoridade do acórdão proferido na ADPF nº 130, a decisão que, proibindo a jornal a publicação de fatos relativos ao autor de ação inibitória, se fundou, de maneira expressa, na inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça.

Além da contundência dos termos constantes da referida ementa, não posso deixar de transcrever alguns trechos dos votos dos ilustres Ministros, quando, alguns deles, fizeram referência expressa às manifestações e votos proferidos na ADPF n. 130, que teve como relator o eminente Ministro Carlos Britto, ocasião em que o STF entendeu por reconhecer que a lei de imprensa não foi recepcionada pela nova ordem constitucional vigente.

Aqui, cabe o registro de que na ADPF n. 130, o Supremo Tribunal Federal, ao entender pela não recepção da lei de imprensa, pela Constituição Federal de 1988, adotou dentre um dos seus fundamentos, por alguns dos Ministros, a tese de que não se admite qualquer espécie de censura prévia, instituto este, que tinha expressa previsão na lei de imprensa.

Em seu voto na referida reclamação, o eminente Ministro Relator Cezar Peluso, dentre outras ponderações, assim se manifestou:

“...

Ora, não se extraem do acórdão da ADPF n. 130 motivos determinantes, cuja unidade, harmonia e força sejam capazes de transcender as fronteiras de meras opiniões pessoais isoladas, para, convertendo-se em rationes decidendi determinantes atribuíveis ao pensamento da Corte, obrigar, desde logo, de maneira perene e peremptória, toda e qualquer decisão judicial acerca dos casos recorrentes de conflito entre direitos da personalidade e liberdade de expressão ou de informação. E, muito menos, nos exatos termos em que está posta, na decisão impugnada, a complexa questão de concordância prática, i. E, nos contornos do caso concreto, entre as garantias constitucionais de inviolabilidade dos direitos à intimidade e à honra(art. 5º, inc.X), o alcance da liberdade de imprensa(art.220, caput) e a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, imposto por decisão judicial(art.5º, inc.XII), sob cominação da prática de crimes(arts.8º e 10 da Lei 9.296, de 1996, e art.153, § 1º-A, do Código Penal)”.

Continuando em seu brilhante voto o eminente Ministro Cezar Peluso, disse ainda o seguinte:

“…

Salva as ementas, que ao propósito refletem apenas a posição pessoal do eminente Min. Relator, não a opinião majoritária da Corte, o conteúdo semântico geral do acórdão traduz, na inteligência sistemática dos votos, o mero juízo comum de ser a lei de imprensa incompatível com a nova ordem constitucional, não chegando sequer a propor uma interpretação uníssona da cláusula do art. 220, § 1º, da Constituição da República, quanto à extensão da literal ressalva a legislação restritiva, que alguns votos tomaram como reserva legal qualificada.

Basta recordar as decisivas manifestações que revelaram a necessidade de ponderação, tendentes a conduzi-los a uma concordância prática nas particularidades de cada caso onde se lhes revele contraste teórico, entre liberdade de imprensa e direitos da personalidade, como intimidade, honra e imagem, para logo por em evidência o desacordo externado sobre a tese da absoluta prevalência hierárquica da liberdade de expressão frente aos demais direitos fundamentais.”

Além destas manifestações, no sentido de que não se pode, em hipótese alguma, privilegiar, de forma abstrata e pretérita a liberdade de imprensa em detrimento da inviolabilidade dos direitos à intimidade e da honra, o eminente Ministro citou em seu voto o saudoso Ministro Menezes Direito, que no julgamento da ADPF n. 130, assim se manifestou:

“a sociedade democrática é valor insubstituível que exige, para sua sobrevivência institucional, proteção igual à liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana. Esse balanceamento é que se exige da Suprema Corte em cada momento de sua história.”

Na mesma toada, citou trechos do voto proferido pelo eminente Ministro Ricardo Lewandowski, na ADPF 130, nos seguintes termos:

“...

Ademais, o princípio da proporcionalidade, tal como explicitado no referido dispositivo constitucional, somente pode materializar-se em face de um caso concreto. Quer dizer, não enseja uma disciplina legal apriorística, que leve em conta modelos abstratos de conduta, visto que o universo da comunicação social constitui uma realidade dinâmica e multifacetada, em constante evolução.

Em outras palavras, penso que não se mostra possível ao legislador ordinário graduar antemão, de forma minudente, os limites materiais do direito de retorção, diante da miríade de expressões que podem apresentar, no dia a dia, os agravos veiculados pela mídia em seus vários aspectos”.

Ainda em seu voto, citou o Ministro Joaquim Barbosa, transcrevendo parte do voto deste Ministro na ADPF n. 130, nos seguintes termos:

“No seu voto, o eminente Relator optou por uma posição radical e preconizou para o nosso País uma Imprensa inteiramente livre de qualquer regulamentação ou de qualquer tipo de interferência por parte dos órgãos estatais. Aparentemente, se não fiz uma leitura errada do posicionamento de S. Exa, até mesmo a intervenção do Poder Judiciário seria vista como suspeita.

Eu, contudo, a exemplo do pensamento sobre a matéria do eminente professor Owen Fiss, da Universidade de Yale, em quem me inspiro, penso que nem sempre o Estado exerce uma influência negativa no campo das liberdades de expressão e de comunicação.

O Estado pode, sim, atuar em prol da liberdade de expressão, e não apenas como seu inimigo, como pode parecer a alguns”.

Tais manifestações, oriundas dos mais variados e cultos ministros do Supremo Tribunal Federal, deixa patente o sentimento daquela Corte Constitucional, no sentido de que eventual conflito entre os direitos de liberdade de expressão, pensamento e informação e a garantia de inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do cidadão, deve ser analisada no caso concreto pela aplicação do princípio da proporcionalidade, haja vista que o direito à liberdade de imprensa não é absoluto, irrestrito e ilimitado.

Visando dar mais fundamentação e força de convencimento ao seu voto, o ilustre Ministro Cezar Peluso, citou e transcreveu, tanto trecho do voto da ministra Ellen Gracie, quanto do Ministro Celso de Melo, na ADPF n. 130. A Ministra disse:

“(...) não enxergo, com a devida vênia, uma hierarquia entre os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal que pudesse permitir, em nome do resguardo de apenas um deles, a completa blindagem legislativa desse direito aos esforços de efetivação de todas as demais garantias individuais.

Entendo, com todo respeito e admiração à visão exposta pelo eminente relator, Ministro Carlos Britto, que a inviolabilidade dos direitos subjetivos fundamentais, sejam eles quais forem, não pode ser colocada na expressão adotada pelo eminente relator, num “estado de momentânea paralisia” para o pleno usufruto de apenas um deles individualmente considerado. A ideia de calibração temporal ou cronológica, proposta por Sua Exa., representaria, a meu sentir, a própria nulificação dos direitos fundamentais à intimidade, à vida privada, à imagem e à honra de terceiros. È de todos bastante conhecida a metáfora de que se faz a respeito da busca tardia pela reparação da honra injustamente ultrajada, esforço correspondente àquele de reunir as plumas de um travesseiro, lançadas do alto de um edifício.

Caberá sempre ao Poder Judiciário apreciar se determinada disposição legal representou verdadeiro embaraço ao livre exercício de manifestação, observadas as balizas constitucionais expressamente indicadas, conforme disposto no art. 220, § 1º, da Constituição, nos incisos IV, V, X, XIII, XIV do seu artigo 5º.

Em conclusão, Senhor Presidente, acredito que o artigo 220 da Constituição Federal, quando assevera que nenhum diploma legal conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade conferida aos veículos de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII, e XIV, quis claramente enunciar que a lei, ao tratar das garantias previstas nesses mesmos incisos, esmiuçando-as, não poderá nunca ser interpretada como empecilho, obstáculo ou dificuldade ao pleno exercício da liberdade de informação”.

Já o Ministro Celso de Melo, na ADPF n. 130, disse o seguinte:

“...

É por tal razão que esta Suprema Corte já acentuou que não há no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio da convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das liberdades públicas, bem por isso, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.

(...)

Torna-se importante salientar, neste ponto, presente o contexto em exame, que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais – como aqueles concernentes à liberdade de informação, de um lado, e à preservação da honra, de outro – há de resultar da utilização, pelo Poder Judiciário de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar em cada caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais”.

Ainda citando trechos dos votos proferidos na ADPF n. 130, o eminente Ministro Cezar Peluso, transcreveu passagem, de seu próprio voto, assim vazado:

“A mim me parece, e isso é coisa que a doutrinam tirando – ou tirante – algumas posturas radicais, sobretudo no direito norte-americano, é pensamento universal que, além de a Constituição não prever, sem sequer em relação à vida, caráter absoluto a direito algum, evidentemente não poderia conceber a liberdade de imprensa com essa largueza absoluta e essa invulnerabilidade unímoda.

Quando a Constituição Federal se refere à plenitude desse direito, ela, evidentemente, não apenas pressupõe as suas próprias restrições literais que constam do caput do art. 220, do § 1º e das outras normas a que se remete, como estabelece que se trata de uma plenitude atuante nos limites conceitual-constitucionais.

Noutras palavras, a liberdade de imprensa é plena nos limites conceitual-constitucionais, dentro do espaço que lhe reserva a Constituição. E é certo que a Constituição a encerra em limites predefinidos, que o são na previsão da tutela da dignidade da pessoa humana. Noutras palavras, a Constituição tem a preocupação de manter o equilíbrio entre os valores que adota, segundo as suas concepções ideológicas, entre os valores da liberdade de imprensa e da dignidade da pessoa humana”.

Diante de todas essas manifestações, irretocáveis, não há como deixar de reconhecer que o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário nacional e legítimo guardião da Carta Magna, repudia e afasta qualquer tentativa de criar de forma abstrata e prévia uma hierarquia entre os direitos e garantias fundamentais previstos em nossa Constituição, pois, do contrário, estaríamos indiretamente excluindo, de forma genérica e abstrata, a aplicação de qualquer um destes.

No conflito desses interesses, deve o Poder Judiciário sempre agir, analisando de forma minuciosa e específica, o caso concreto, valorando a cada momento, diante das circunstâncias postas, qual a liberdade e garantia constitucional deve prevalecer, pois conforme muito bem afirmou o Ministro Cezar Peluso, no julgamento da reclamação 9428/DF, o acórdão proferido na ADPF n. 130, não implica, “em algum sentido, juízo decisório de impossibilidade absoluta de proteção de direitos da personalidade – tais como intimidade, honra e imagem – por parte do Poder Judiciário, em caso de contraste teórico com a liberdade de imprensa”.

Além desses posicionamentos jurídicos, nas áreas Constitucional e Cível, o STF também entende que em matéria criminal, não há espaço para que se adote o entendimento de que existe uma liberdade absoluta e ilimitada, em relação à liberdade de manifestação e pensamento, conforme se pode verificar do acórdão proferido no Habeas Corpus n. 82.424/RS.

Nesta decisão, o Colendo STF, decidiu que a edição, divulgação e comercialização de livros contra a comunidade judaica, constitui crime de racismo e que, portanto, é imprescritível.

Na ocasião, o STF, entendeu de forma taxativa, a existência de limites na liberdade de expressão, adotando mais uma vez, decisão totalmente contrária à ideia de que a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento possui caráter absoluto e ilimitado, conforme pretende o requerido em sua contestação.

Em razão de todas estas considerações, percebe-se que o direito pátrio e ordenamento jurídico vigente, não só permite, como impõe ao Poder Judiciário, o dever e a obrigação de intervir, previamente ou não, no sentido de garantir de forma harmoniosa, coesa e racional a aplicação de todos os direitos, garantias e liberdades constitucionais concedidos ao cidadão, seja ele quem for, marginal ou não, pessoa pública ou pessoa privada, morto ou vivo.

Não poderia ser diferente, pois o Estado Democrático de Direito tem como um de seus objetivos básicos e fundamentais, a necessidade de se atingir o bem comum, a ausência de litígio e uma convivência pacífica na sociedade, motivo pelo qual, não se pode admitir o argumento de que mesmo diante da iminência de uma ilegalidade ou de um ato ilícito, não poderia o Poder Judiciário agir previamente, em relação a uma determinada manifestação de pensamento ou de expressão, em função do fato de que a vítima teria direito a uma indenização ou um eventual direito de resposta.

Ora, em se tratando de assuntos inerentes à vida privada da pessoa, como é o caso da intimidade e da honra, não há indenização ou dinheiro que repare ou indenize eventuais agressões e invasões à esfera privada da pessoa, pois os sofrimentos e constrangimentos causados, em casos desta natureza, são irreparáveis.

Ademais, em situações que dizem respeito a sua intimidade e honra, não se pode afirmar e garantir que o ofendido queira dinheiro ou indenizações, pois na verdade, o sentimento comum do homem médio, induz à ideia de que o que ele pretende é a preservação de sua honra e de sua intimidade e que os fatos inerentes a sua vida privada não sejam levados ao conhecimento do público.

Adotar entendimento contrário, significa ofender a Constituição Federal e criar uma situação absurda de perigo a qualquer cidadão, pois imaginemos que determinada pessoa sob o argumento de que está agindo acobertada pela liberdade de imprensa e de expressão, divulgasse notícia dizendo que determinada autoridade é portadora de uma doença venérea, ou ainda, que outra autoridade, do sexo feminino, seria uma pessoa ninfomaníaca, ou ainda, que a filha de uma determinada autoridade, durante a noite, coloca seu corpo à venda, na atividade da prostituição.

Tais divulgações além de abjetas não são de nenhum interesse público e/ou coletivo pois dizem respeito apenas e, exclusivamente, à própria pessoa e aqueles que gozam de sua intimidade na vida privada.

Independentemente da veracidade ou não de tais fatos, não pode o Poder Judiciário se omitir e se acovardar, quando provocado, previamente, por alguém que esteja na iminência de ser atingido em sua honra e sua intimidade.

Outro não é o caso dos autos, pois a requerente tomou conhecimento através da publicação do Caderno Cultura do Jornal Cinform, cujo original se encontra ás fls.18, que o requerido iria lançar no dia 24/11/2011, o livro denominado “Lampião – o mata sete”, com afirmações e comentários relativos à opção sexual e comportamento sexual de seu genitor, já falecido, como também em relação ao comportamento sexual e aventuras amorosas de sua genitora, também falecida.

O citado periódico é disponibilizado ao público toda segunda-feira e a referida edição passou a circular no dia 21/11/2011, sendo que no dia 23 do mesmo mês e ano a requerente procurou o Poder Judiciário e obteve êxito no sentido de ser deferido um provimento judicial, com a determinação de proibir a publicação do citado livro, com fundamento no fato de que as colocações feitas pelo requerido na entrevista concedida ao referido jornal caracterizavam-se em agressão injustificada e invasão desautorizada à honra e à intimidade, não só da requerente, mas também de seus genitores.

Analisando o original do periódico juntado às fls.18, verifica-se que a manchete da capa restou assim exposta: “LAMPIÃO ERA UM GAY E MARIA BONITA ADÚLTERA”.

Já na parte interna, quando da entrevista do requerido, a manchete está assim exposta: “LAMPIÃO ERA BOIOLA E NÃO TINHA CAPACIDADE DE EREÇÃO”.

Ainda em sua entrevista na parte interna, ás fls.05, do Caderno Cultura, o requerido afirma categoricamente que Maria Bonita, mãe da requerente, não desempenhou qualquer papel no cangaço e que a função dela era a de esconder a homossexualidade de Lampião.

Pois bem, embora a requerente não tenha juntado aos autos cópia do livro que seria lançado pelo requerido, ele próprio confirmou em sua contestação que a sua obra literária tratava sim da questão atinente à opção sexual e comportamento sexual de Lampião e de Maria Bonita, genitores da requerente, tentando no entanto, alegar que este viés não era o objetivo de seu livro e que na verdade, o que pretendia era um “relato da vida do famoso cangaceiro Lampião”, ocasião em que afirmou, ainda as fls.40, que o tema central do livro é a vida, toda ela, do referido personagem.

Por uma ou por outra intenção, estará o requerido impedido de divulgar e publicar a sua obra, pois para fazer uma biografia e tratar da vida, toda ela, de Lampião, deveria o requerido obter autorização da requerente, legítima herdeira e descendente do personagem, nos estreitos termos do § único do art. 20, do Código Civil.

Embora alguns não se conformem com a necessidade e exigência legal de autorização para a realização, divulgação e publicação de biografias de pessoas públicas, tal sentimento de inconformismo não exclui a observância dos preceitos Constitucionais e legais, que conferem a qualquer cidadão, seja ele pessoa pública ou não, o direito de proteger e proibir qualquer tipo ou espécie de invasão a sua vida privada.

É fato público e notório o intuito de alguns parlamentares infraconstitucionais, em alterar o art.20, do Código Civil, para excluir a exigência e necessidade de autorização nas hipóteses de biografias de pessoas e figuras públicas.

Mesmo não havendo tal alteração legislativa, fica fácil perceber que qualquer que seja o seu texto, será, de pronto, inconstitucional, por agredir frontalmente o inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal, que assegura de forma irrestrita, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

Assim, conjugando o art. 5º, X, da Constituição Federal com o art. 20, § único do Código Civil, verifica-se facilmente a ilicitude da conduta do requerido em pretender divulgar e publicar uma biografia de Lampião, sem autorização dos titulares do direito de imagem, no caso, a requerente.

No tocante ao fato alegado pelo requerido de que a requerente não se mostra indignada quando o seu pai é chamado de facínora, homicida, estuprador, ladrão, violento e fora da lei e que se mostra indignada quando o mesmo é chamado de homossexual, verifica-se mais uma vez a fragilidade dos argumentos do requerido.

Com que certeza o requerido afirma que a requerente não se sente indignada quando seu pai é tratado como um marginal ou bandido, em relação aos fatos criminosos, em tese, praticados pelo mesmo.

Acontece que os fatos criminosos imputados à Lampião, são fatos públicos, estes sim, de interesse público e coletivo, e justamente por isto, a requerente não pode e jamais poderá proibir a divulgação dos mesmos, pois na verdade, tais fatos não dizem respeito a vida privada de Lampião.

Ao contrário, tais fatos e circunstâncias são rotineiramente e cotidianamente tratados pelo público e por quem quer que seja, sem que a requerente possa adotar qualquer tipo de postura ou conduta no sentido de proibir a divulgação e/ou a investigação de tais atos.

Na verdade, não há qualquer informação de que a requerente tenha orgulho desses fatos imputados ao seu genitor e eventual ausência de provocação sua, na tentativa de proibir a divulgação de tais fatos, não significa, necessariamente, a existência de um sentimento positivo de alegria pelos mesmos, pois ainda que não se conformasse, nada poderia fazer, em função da natureza pública e interesse coletivo de tais fatos.

Ainda tentando justificar a publicação de seu livro, o requerido afirma as fls.50, que na verdade o objetivo de sua obra é demonstrar que o cangaceiro Lampião não era justiceiro, não era general, não era estrategista, nem tático, e sim, que era um covarde, um homem mal, violento, quase sempre a serviço dos poderosos e nunca um defensor dos fracos e oprimidos.

Percebe-se nesta expressa afirmação do requerido em sua contestação, que na verdade, o que se pretende é ridicularizar a figura de Lampião, ofendendo-lhe com vários adjetivos, de covarde a homossexual, de impotente a corno, de homem mal a homem a serviço dos poderosos.

Ora, para provar a sua tese de que Lampião era um homem covarde e violento, não precisa o requerido imputar ao mesmo a conduta homossexual, uma suposta impotência sexual ou ainda as supostas traições de sua companheira Maria Bonita, bastava o requerido investigar e narrar os vários fatos públicos e notórios, que são imputados a Lampião e Maria Bonita, fatos estes que dizem respeito à prática de diversos crimes e a partir daí traçar um perfil de Lampião e de Maria Bonita.

Tal conduta sim, seria legítima e permitida por nosso ordenamento jurídico, mas a partir do momento em que o requerido incursionou e enveredou pelo caminho da invasão da vida privada, da honra e da intimidade de Lampião e de Maria Bonita, contaminou, por ilícita, toda a sua obra.

Não cabe aqui, sequer, a alegação de que chamar alguém de homossexual não é ofensa, em virtude da licitude do comportamento homossexual, pois embora lícito, tal comportamento, por razões óbvias, já que ligados diretamente à intimidade e a vida privada das pessoas, constitui-se em uma das maiores ofensas que se pode dirigir àquele que não adota tal comportamento.

Como paradigma temos vários exemplos, pois para uma mulher de comportamento sexual regrado, constitui-se como uma das maiores ofensas ser chamada de prostituta, embora, todos saibamos, que a prostituição é um comportamento lícito.

Ou seja, embora haja um apelo e sensacionalismo da mídia no sentido de tentar passar a ideia de que o comportamento homossexual, por ser lícito, não ofende, verifica-se que tal sentimento não se compatibiliza com a realidade, pois da mesma forma que se deve respeitar os homossexuais em sua integridade física e moral, deve-se respeitar os heterossexuais.

Não se admite assim que o requerido tente passar a ideia, através de sua obra, de que Lampião era homossexual, pois tal comportamento, a toda evidência, não é compatível com a história de vida de Lampião e muito menos com a história do cangaço.

Todas as considerações acima, servem para demonstrar a ilicitude da conduta do requerido quando trata da suposta impotência sexual de Lampião, pois tal afirmação além de ofender qualquer homem é totalmente contraditória, quando se percebe que o requerido ás fls.47, reconhece que Lampião era chamado de estuprador.

Ora, vê-se assim, facilmente, que as alusões relativas à intimidade e a vida privada de Lampião, além de ilícitas, posto que não dizem respeito a ninguém, são infundadas.

No tocante a alegação dos supostos adultérios de Maria Bonita, deixo de tecer maiores considerações, em função do que já foi exposto.

Em relação ao fato de que a requerente não é filha de Lampião e de Maria Bonita, tal circunstância já foi analisada quando da manifestação deste Juízo, acerca da preliminar de ilegitimidade alegada pelo requerido no início de sua contestação, sendo que, além das razões ali expostas, qualquer ação judicial que vise investigar ou negar a filiação da requerente deveria correr sob segredo de justiça, em função da natureza da matéria discutida, circunstância esta, que aliada as demais, demonstram a toda evidência a total ilicitude dos comentários e informações constantes na obra do requerido e que dizem respeito, exclusivamente, à vida privada da requerente e de seus genitores.

Por estas razões, forte no entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal, no art. 5º, X, da Constituição Federal e no art. 20, § único, do Código Civil, ratifico a tutela antecipada de fls.22/25 e JULGO TOTALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, para proibir o requerido, de forma definitiva, de publicar, veicular, expor publicamente, vender, doar onerosa ou gratuitamente, o livro intitulado “LAMPIÃO – O MATA SETE”, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00(vinte mil reais).

Oficie-se ao Ilustre Desembargador Cezario Siqueira Neto, relator do agravo de instrumento de n. 2011221327, informando do julgamento do processo.

Condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 15%(quinze por cento) do valor da causa.

P. R. I.

Dê-se baixa. Após o trânsito em julgado, arquive-se.

Aracaju, 10 de abril de 2012

Aldo de Albuquerque Mello

Juiz de Direito

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