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Superlotação ou precariedade não justificam concessão de prisão domiciliar

Na falta de vagas em estabelecimento compatível ao regime fixado na condenação, o réu não pode ser submetido a regime mais gravoso.

27/2/2012

Prisão

Superlotação ou precariedade de albergue não justificam concessão de prisão domiciliar

Superlotação e más condições de casa de albergue não justificam a concessão de prisão domiciliar a réu condenado que esteja cumprindo pena em regime aberto. O entendimento, que confirmou a decisão de segundo grau, é da 5ª turma do STJ.

Um detento impetrou HC contra a decisão do TJ/RS que cassou a determinação do juízo de execução para que o condenado cumprisse em prisão domiciliar o restante da pena – até então descontada em regime aberto.

O juízo de primeiro grau baseou a concessão da prisão domiciliar na situação ruim das casas de albergado em Porto Alegre. Segundo a decisão, as casas apresentam falta de estrutura e superlotação. Em revistas, foram encontrados diversos objetos ilícitos, como armas e drogas, o que evidenciaria o "total descontrole do estado".

Por isso, presos que cumpriam pena no regime aberto em tais estabelecimentos foram postos em prisão domiciliar, já que o encaminhamento dos detentos para casas nessas condições configuraria excesso de execução individual, "afrontando os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa, da humanidade e da vedação ao cumprimento de penas cruéis".

O MP gaúcho recorreu. O TJ/RS reformou a decisão, entendendo que "a inexistência de condições estruturais na casa do albergado ou sua ausência, por si só, não autoriza a concessão da prisão domiciliar", e esse benefício equivale a uma "injusta impunidade", o que configura desvio na execução.

No STJ, ao julgar o HC, o ministro relator, Gilson Dipp, explicou que a jurisprudência reconhece o constrangimento ilegal na submissão do apenado ao cumprimento de pena em regime mais gravoso, quando não há vagas em estabelecimento compatível. No entanto, o caso em questão não se encaixa nessa hipótese. As más condições e a superlotação das casas, de acordo com Dipp, não justificam a concessão da prisão domiciliar ao réu, que também não se encaixa nos requisitos que a lei de execução penal (7.210/84) estabelece para esse tipo de benefício.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

__________

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 225.917 - RS (2011/0280271-5)
RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP
IMPETRANTE : LUIZ ALFREDO SCHÜTZ - DEFENSOR PÚBLICO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PACIENTE : J. M. S.

EMENTA

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO TENTADO. PROGRESSÃO AO REGIME ABERTO. CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR. REQUISITOS DO ART. 117 DA LEP NÃO PREENCHIDOS. CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME MAIS GRAVOSO NÃO EVIDENCIADO. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA E CONDIÇÕES PRECÁRIAS. ARGUMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM DENEGADA.

I. Esta Corte firmou jurisprudência no sentido de que, na falta de vagas em estabelecimento compatível ao regime fixado na condenação, configura constrangimento ilegal a submissão do réu ao cumprimento de pena em regime mais gravoso.

II. Hipótese na qual a concessão da prisão domiciliar restou fundamentada na superlotação carcerária e nas condições precárias dos estabelecimentos prisionais, denotando situação diversa da exceção firmada por este Superior Tribunal de Justiça.

III. Evidenciado que o paciente não preenche os requisitos contidos no art. 117 da Lei de Execução Penal e não restando configurada a situação excepcionada por esta Corte, de submissão do réu a regime mais gravoso que o disposto na sentença condenatória, não se mostra adequada a concessão da prisão domiciliar, sob o argumento de superlotação carcerária e de condições precárias dos estabelecimentos prisionais. Precedentes deste STJ.

IV. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. "A Turma, por unanimidade, denegou a ordem." Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de fevereiro de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRO GILSON DIPP

Relator

RELATÓRIO

MINISTRO GILSON DIPP (Relator):

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, em favor de J. M. D. S., contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Agravo em Execução n.º 70044633006).

Enquanto descontava pena em regime aberto, o paciente teve deferido, pelo Juízo da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre/RS, o benefício de cumprir o restante da pena em prisão domiciliar.

Irresignado, o Parquet interpôs agravo em execução, ao qual a Corte de origem deu provimento para cassar ao decisum de 1º grau.

Eis a ementa do referido julgado:

“AGRAVO. PRISÃO DOMICILIAR. A inexistência de condições na casa do albergado ou sua ausência, por si só, não autoriza, ao condenado em regime aberto, o cumprimento da pena em prisão domiciliar. Agravo ministerial provido.” (fl. 33)

Na presente impetração, a defesa sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal, caracterizado pela manutenção do paciente em regime mais gravoso, tendo em vista a ausência de causa de albergado para o desconto do restante da pena a ele imposta em regime aberto.

Pugna-se pela restauração do decisum de primeiro grau, a fim de que o paciente possa descontar a pena remanescente em prisão domiciliar.

A liminar foi indeferida à fl. 49.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 57/58).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, em favor de J. M. S., contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Agravo em Execução n.º 70044633006). Enquanto descontava pena em regime aberto, o paciente teve deferido, pelo Juízo da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre/RS, o benefício de cumprir o restante da pena em prisão domiciliar.

Irresignado, o Parquet interpôs agravo em execução, ao qual a Corte de origem deu provimento para cassar ao decisum de 1º grau, conforme acórdão de fls. 32/40. Na presente impetração, a defesa sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal, caracterizado pela manutenção do paciente em regime mais gravoso, tendo em vista a ausência de causa de albergado para o desconto do restante da pena a ele imposta em regime aberto.

Pugna-se pela restauração do decisum de primeiro grau, a fim de que o paciente possa descontar a pena remanescente em prisão domiciliar.

Passo à análise da irresignação.

O Juízo da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre/RS concedeu a prisão domiciliar com esteio nos seguintes fundamentos:

"A situação dos albergues da região metropolitana de Proto Alegre, nos últimos 12 meses, só piorou. A Casa do Albergado Padre Pio Buck, a pedido do Ministério Público, está totalmente interditado desde 25/10/2010. O Instituto Penal Irmão Miguel Dario foi incendiado em 02/08/2010, ainda sem qualquer reforma, com o que há menos vagas. Ademais, todas superlotadas, não possuem nem agentes penitenciários suficientes.

Não por acaso, os presos que cumprem pena no regime aberto, nesses dois estabelecimentos, ressalvados condenados por crimes graves, foram postos em prisão domiciliar.

Atualmente, mais de 400 presos do regime fechado, já com progressão de regime deferido, aguardam remoção ao regime semiaberto. Isso porque inexistem vagas para o cumprimento de pena no regime semiaberto, muito menos para o aberto.

Por total incompetência do Poder Executivo, as remoções para os regime mais brandos somente são possíveis graças às fugas, ou seja, o próprio sistema alimenta o descumprimento das penas e contribui para a não-socialização dos presos.

Vale destacar que, recentemente, houve revistas em casas prisionais sob jurisdição da VEC/POA, inclusive nas de regime semiaberto e aberto, onde foram encontrados armas, drogas, aparelhos de celular e outros objetos ilícitos, evidenciando o total descontrole do Estado.

Nesse cenário prisional em que as Casas de Albergado longe estão de cumprir a LEP e ainda apresentam condições propícias para o fomento da criminalidade em detrimento da sociedade, é preciso reavaliar o custo-benefício da manutenção de presos em regime aberto encarcerados.

Diante de tal contexto, o mero encaminhamento do apenado, cujo direito à progressão de regime ao aberto foi reconhecido, para casa prisional nas condições relatadas, configuraria verdadeiro excesso de execução individual, conforme art. 185 da LEP, afrontando os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa, da humanidade e da vedação ao cumprimento de penas cruéis.

(...)

Assim, feitas tais considerações, entendo que a solução emergencial que mais se ajusta ao caso concreto e à realidade do precário sistema prisional do Estado, de modo a respeitar o direito do apenado e também o das demais pessoas, que pugnam por segurança, é o de permitir que os apenados em regime aberto venham a cumprir pena nas condições de prisão domiciliar.

(...)

Ante o exposto, defiro a J. M. dos S. o cumprimento da pena nas condições da prisão domiciliar, quais sejam: (...)." (fls. 17/24) A Corte Estadual, ao dar provimento ao agravo ministerial e cassar a decisão monocrática, asseverou:

"Efetivamente, a inexistência de condições estruturais na casa do albergado ou sua ausência, por si só, não autoriza, ao condenado em regime aberto, o cumprimento da pena em prisão domiciliar. Se assim fosse, seria mais vantajoso ser condenado a uma pena de quatro anos de reclusão, sem substituição, no regime aberto, em Comarca destituída de casa de albergado, do que a uma pena de dois meses de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade. Este, prestaria os serviços; aquele, ficaria em casa.

(...)

Como se pode ver, a concessão de prisão domiciliar ao apenado em regime aberto, a pretexto da ausência de condições estruturais na casa do albergado ou de sua inexistência, não é justificada, por absoluta falta de previsão legal, equivalendo a uma injusta impunidade, implicando em desvio de execução na forma preconizada no art. 185 da Lei de Execução Penal." (fls. 32/40)

Esta Corte firmou jurisprudência no sentido de que, na falta de vagas em estabelecimento compatível ao regime fixado na condenação, configura constrangimento

ilegal a submissão do réu ao cumprimento de pena em regime mais gravoso.

A hipótese dos autos, contudo, denota situação diversa, na qual a concessão da prisão domiciliar restou fundamentada na superlotação carcerária e nas condições precárias dos estabelecimentos prisionais.

Tais razões, contudo, não estão aptas a justificar a concessão da prisão domiciliar ao réu, pois, além de o paciente não preencher os requisitos contidos no art. 117 da Lei de Execução Penal, não resta configurada a situação excepcionada por esta Corte, de submissão do réu a regime mais gravoso que o disposto na sentença condenatória. A respeito do tema, colaciono os seguintes precedentes:

“CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PRISÃO DOMICILIAR. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 117 DA LEP. SUPERLOTAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO. ARGUMENTAÇÃO INSUFICIENTE. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM DENEGADA.
I. Salvo raras exceções, o benefício da prisão domiciliar só deve ser concedido aos apenados que preencherem os requisitos contidos no art. 117 da Lei de Execução Penal.
II. O problema da superlotação carcerária, enfrentado pelo Estado, não se mostra apto a justificar a concessão da benesse em comento.
III. Precedentes do STJ.
IV. Ordem denegada.” (HC 168.637/RS, de minha Relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 06/12/2010
).

“HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REGIME SEMIABERTO. PLEITO DE PRISÃO DOMICILIAR. DESCABIMENTO NA HIPÓTESE. ART. 117 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS. PRECEDENTES.
1. A teor do entendimento desta Corte, admite-se a concessão da prisão domiciliar ao apenado submetido ao regime aberto que se enquadre nas situações do art. 117 da Lei de Execução Penal ou, excepcionalmente, quando o sentenciado se encontrar cumprindo pena em estabelecimento destinado ao regime mais gravoso, por inexistência de vaga, situações essas não verificadas no caso dos autos.
2. Os argumentos aduzidos na impetração, de superlotação e de precárias condições da casa de albergado, não permitem, por si sós, a concessão do benefício pleiteado.
3. Ordem denegada.” (HC 153.498/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ,
QUINTA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 26/04/2010).

 “HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. PACIENTE QUE ATUALMENTE CUMPRE PENA EM REGIME PRISIONAL ABERTO. ALEGAÇÃO DE SUPERLOTAÇÃO DA CASA DE ALBERGADO. PEDIDO DE CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. O cumprimento da pena em regime domiciliar, de acordo com o art. 117 da LEP, somente será concedido aos réus que foram beneficiados com o regime prisional aberto e, desde que sejam maiores de 70 anos ou estejam, comprovadamente, acometidos de doença grave; outrossim, este Superior Tribunal tem entendido que também é cabível que o apenado aguarde em prisão domiciliar, nos casos de ausência de vaga em estabelecimento compatível com o regime aberto.
2. O caso vertente não se subsume a nenhuma das hipóteses excepcionais que a legislação, complementada pela jurisprudência, permitem que seja deferida a prisão domiciliar para condenado ao regime aberto.
3. Diante da existência de vaga em estabelecimento compatível com o regime de cumprimento de pena aplicado, não se mostra suficiente a alegação de que a Casa de Albergado apresenta situação inapropriada, com o número de albergados um pouco superior ao da lotação inicialmente prevista, para a concessão do benefício da prisão domiciliar.
4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial.” (HC 90.289/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 09/02/2009).

Destarte, evidenciado que a motivação apresentada pelo magistrado singular não se mostra apta a justificar a concessão da prisão domiciliar ao paciente, afasta-se a alegação de ocorrência de constrangimento ilegal.

Ante o exposto, denego a ordem.

É como voto.

MINISTRO GILSON DIPP
Relator

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