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STF reescreve lei Maria da Penha

Corte declara constitucionais pontos da lei 11.340/06 e permite MP dar início à ação penal sem representação da vítima em todos os casos de violência

10/2/2012

Os ministros do Supremo debruçaram-se ontem sobre a lei Maria da Penha (11.340/06).

Duas ações foram julgadas:

ADC 19, ajuizada pela Presidência da República, pedia que fosse confirmada a legalidade de alguns dispositivos da lei 11.340/06;

ADIn 4.424, da Procuradoria Geral da República, que pedia que ações penais com base na norma fossem processadas mesmo sem representação da vítima.

Com maioria acompanhando o relator, ministro Marco Aurélio, ficou decidido que não se aplica a lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais, aos crimes abrangidos pela lei Maria da Penha, e que nos crimes de lesão corporal praticados contra a mulher no ambiente doméstico, mesmo de caráter leve, atua-se mediante ação penal pública incondicionada, independente da representação da vítima.

ADC 19

Por unanimidade, os ministros acompanharam o voto do relator da ADC 19, ministro Marco Aurélio, e concluíram pela procedência do pedido a fim de declarar constitucionais os artigos 1º, 33 e 41, da lei 11.340/06.

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

...

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

...

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

ADIn 4.424

Por maioria de votos, vencido o presidente, ministro Cezar Peluso, o plenário julgou procedente ADIn 4.424, que questionava os artigos:

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

...

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Para a maioria dos ministros do STF essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres.

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito referida lei.

Ministro Marco Aurélio

Ao defender a atuação do Ministério Público nos casos de crimes de lesão corporal contra as mulheres, independente da representação da vítima, o ministro disse entender que essa atuação do Estado visa à proteção da mulher, e não sua tutela.

Ministra Rosa Weber

"Tal condicionamento implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança".

Ministro Luiz Fux

"Sob o ângulo da tutela da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares da República Federativa do Brasil, exigir a necessidade da representação, no meu modo de ver, revela-se um obstáculo à efetivação desse direito fundamental porquanto a proteção resta incompleta e deficiente, mercê de revelar subjacentemente uma violência simbólica e uma afronta a essa cláusula pétrea."

Ministro Dias Toffoli

O ministro afirmou que o Estado é "partícipe" da promoção da dignidade da pessoa humana.

Ministra Cármen Lúcia

Citando ditados como "em briga de marido e mulher, não se mete a colher" e "o que se passa na cama é segredo de quem ama" - afirmou que é dever do Estado adentrar ao recinto das "quatro paredes" quando na relação conjugal que se desenrola ali houver violência.

Ministro Ricardo Lewandowski

"Penso que nós estamos diante de um fenômeno psicológico e jurídico, que os juristas denominam de vício da vontade, e que é conhecido e estudado desde os antigos romanos. As mulheres, como está demonstrado estatisticamente, não representam criminalmente contra o companheiro ou marido, em razão da permanente coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre manifestação da vontade".

Ministro Gilmar Mendes

Para ele, em muitos casos a ação penal incondicionada poderá ser um elemento de tensão e desagregação familiar. "Mas como estamos aqui fixando uma interpretação que, eventualmente, declarando (a norma) constitucional, poderemos rever, diante inclusive de fatos, vou acompanhar o relator".

Ministro Joaquim Barbosa

O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, afirmou que a Constituição Federal trata de certos grupos sociais ao reconhecer que eles estão em situação de vulnerabilidade. Para ele, quando o legislador, em benefício desses grupos, edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção. "É o que ocorre aqui".

Ministro Ayres Britto

"A proposta do relator no sentido de afastar a obrigatoriedade da representação da agredida como condição de propositura da ação penal pública me parece rimar com a Constituição".

Ministro Celso de Mello

"Estamos interpretando a lei segundo a Constituição e, sob esse aspecto, o ministro-relator deixou claramente estabelecido o significado da exclusão dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher do âmbito normativo da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), com todas as consequências, não apenas no plano processual, mas também no plano material".

Ministro Cezar Peluso

"Não posso supor que o legislador tenha sido leviano ao estabelecer o caráter condicionado da ação penal. Ele deve ter levado em consideração, com certeza, elementos trazidos por pessoas da área da sociologia e das relações humanos, inclusive por meio de audiências públicas, que apresentaram dados capazes de justificar essa concepção da ação penal".

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