Migalhas Quentes

Barulho de estação de trem gera indenização para moradores vizinhos

A 9ª câmara Cível do TJ/RS aumentou o valor de indenização a ser paga pela Trensurb a casal que, além de sofrer com o barulho da Estação São Leopoldo, teve sua atividade comercial inviabilizada.

29/1/2012

Ruído

Barulho de estação de trem gera indenização para moradores vizinhos

A 9ª câmara Cível do TJ/RS aumentou o valor de indenização a ser paga pela Trensurb a casal que, além de sofrer com o barulho da Estação São Leopoldo, teve sua atividade comercial inviabilizada. A quantia foi elevada de R$ 10 mil para R$ 20 mil.

Caso

Os autores afirmam que após a construção da estação, o piso térreo do seu imóvel ficou emparedado a noroeste e o nível superior ficou praticamente em anexo ao empreendimento. Além disso, o estabelecimento comercial, localizado no térreo do local, possuía duas entradas sendo que uma localizada na Avenida Mauá foi totalmente obstruída, diminuindo, assim, o fluxo de clientes. Do mesmo modo, o casal sustentou que o valor do imóvel no mercado foi depreciado pela localização. O barulho da estação, descrito como infernal pelo casal, também foi enfatizado como um fator de dano moral.

Por outro lado, a Trensurb alegou os requerentes foram beneficiados com a inauguração da obra e o barulho decorrente do deslocamento dos trens é pouco notado por quem estiver fora das estações, por haver tecnologia de redução de ruído.

Em 1ª instância, a juíza Daniela Azevedo Hampe julgou como parcialmente procedente a ação afirmando que o dano material neste caso não foi configurado. O valor da indenização foi fixado em R$ 10 mil.

Apelação

Insatisfeitos com a decisão, o casal e a Trensurb interpuseram apelação no TJ.

A desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, relatora, considerou o dano moral pelo excesso de ruídos produzido pela estação entre o período das 5h30 até 0h30min, causando para o casal estresse físico e mental. "Assim, tenho que a indenização arbitrada na origem em R$ 10 mil deve ser majorada para R$ 20 mil, ou seja, para R$ 10 mil em favor de cada um dos autores", finalizou a relatora.

___________

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTALAÇÃO DE ESTAÇÃO DE METRÔ AO LADO DE RESIDÊNCIA. TRENSURB. ESTAÇÃO SÃO LEOPOLDO. DANOS MATERIAIS. DEPRECIAÇÃO DO IMÓVEL. LUCROS CESSANTES. DANOS MORAIS. BARULHO.

1. Danos materiais. Por mais provável que se demonstre a tese, o dano material deve ser efetivamente comprovado, não incidindo a presunção própria do dano moral, de caráter in re ipsa. Inexistência de prova dos alegados danos materiais, consistentes em suposta depreciação do imóvel; e em supostos lucros cessantes na atividade empresarial ali instalada.

2. Danos morais. A emissão de ruídos sonoros excessivos, capazes de perturbar o sossego e o descanso, enseja indenização por dano moral. As regras ordinárias de experiência informam o processo contínuo de cansaço e estresse físico e mental a que os autores foram submetidos em virtude dos ruídos excessivos originários da estação de metrô.

3. Quantum indenizatório majorado, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

APELO PROVIDO PARCIALMENTE. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. UNÂNIME.

APELAÇÃO CÍVEL

NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70045302601

COMARCA DE SÃO LEOPOLDO

N.S.M.

APELANTE/RECORRIDO ADESIVO

C.M.

APELANTE/RECORRIDO ADESIVO

TRENSURB - EMPRESA DE TRENS URBANOS DE PORTO ALEGRE S.A.

RECORRENTE ADESIVO/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover parcialmente ao apelo; e em desprover ao recurso adesivo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores DESA. MARILENE BONZANINI E DES. LEONEL PIRES OHLWEILER.

Porto Alegre, 07 de dezembro de 2011.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA,

Presidente e Relatora.

RELATÓRIO

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE E RELATORA)

Cuida-se de recursos interpostos por N.S.M. e C.M., na condição de autores, e por TRENSURB – EMPRESA DE TRENS URBANOS DE PORTO ALEGRE S/A, ré, contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, para efeito de: condenar a demandada ao pagamento de R$ 10.000,00 (Dez Mil Reais) em favor dos requerentes, a título de compensação de danos morais, incidentes correção monetária pelo IGP-M e juros legais, ambos desde a data da citação; e distribuir os ônus de sucumbência, pro rata.

Os autores, em razões de apelo (fls. 133-139), pediram a reforma parcial da sentença.

Em relação aos vindicados danos patrimoniais, narraram que o imóvel de sua propriedade foi construído em data anterior à estação de metrô, que passou a operar ao lado. Destacaram que a prova técnica comprova os danos materiais sofrido. Lembraram que, em decorrência da construção da estação de metrô ao lado do imóvel de sua propriedade, padeceram de depreciação no valor do imóvel, seja para fins comerciais ou residenciais. Referiu que os danos materiais de que padeceram são evidentes; e que o respectivo valor deve ser aferido em liquidação, sendo desnecessária prova no âmbito do processo de conhecimento.

Ao final, pediram a majoração do quantum indenizatório arbitrado a título de compensação de danos morais, tendo em vista a quantia “indecorosa” arbitrada na origem, comumente fixada “para situações que por pouco superam o mero incômodo ou dissabor passageiro”.

Já a requerida, em razões de recurso adesivo (fls. 149-152), pediu a reforma do julgado no tocante à condenação à compensação de danos morais.

Afirmou que o funcionamento da estação de metrô, incluído o barulho decorrente do deslocamento dos trens, “é pouco notado por quem estiver fora das estações”. Salientou que houve emprego de tecnologia visando à redução do ruído, que é inferior ao de vias de trânsito normais. Subsidiariamente, pugnou pela redução do quantum indenizatório para valor “condizente com o grau de incômodo”, evitando, assim, enriquecimento ilícito em prol dos autores.

Houve contra-razões (fls. 145-147 e 155-156).

Após diligências (fls. 160-188), vieram-me conclusos em 24.10.2011 (fl. 189v).

É o relatório.

VOTOS

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE E RELATORA)

Eminentes Colegas Desembargadores.

Conheço dos recursos, pois satisfeitos os requisitos de admissibilidade recursal.

O CASO

Em síntese, cuida-se de pedido de indenização por danos materiais e morais ajuizados pelos proprietários de imóvel urbano localizado no município de São Leopoldo-RS, ao lado do qual foi construída, posteriormente, extensão da linha de metrô que liga parte da região metropolitana.

Segundo os autores, a construção da estação de metrô redundou em danos de natureza patrimonial (consistentes em depreciação do valor de mercado do bem imóvel; e lucros cessantes decorrentes da interrupção da atividade comercial até então desenvolvida no piso inferior do imóvel) e extrapatrimonial (dano moral decorrentes do ruído originário do funcionamento da estação de metrô, em prejuízo do sossego e descanso).

A sentença prolatada na origem julgou parcialmente procedente o pedido, unicamente para efeito de condenar a ré à indenização dos alegados danos morais.

Recorrem ambas as partes.

MÉRITO

Inteligência do art. 515, do Código de Processo Civil, a matéria devolvida limita-se aos pressupostos da responsabilidade civil, que analiso em tópicos.

I – Do regime jurídico de responsabilidade civil aplicável. Desnecessidade de ato ilícito como pressuposto para a responsabilidade civil.

Importa referir que a TRENSURB – EMPRESA DE TRENS URBANOS DE PORTO ALEGRE é sociedade de economia mista, componente da administração pública indireta responsável pelo serviço público de trens urbanos na região metropolitana de Porto Alegre (art. 4º do Estatuto Social – fl. 178). Assim, está sujeita ao regime de responsabilidade civil objetivo previsto no art. 37, parágrafo 6º da Constituição de 1988.

A propósito, como bem explicitou o douto jurista de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.”

Não obstante o fundamento constitucional, os serviços públicos também estão sujeitos à legislação consumerista por conta de disposição expressa do art. 22 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total, ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

A rigor, inexiste conduta essencialmente ilícita por parte da ré, na medida em que a construção da questionada estação de metrô certamente obedeceu aos rigores técnicos e certamente contou com autorização por parte dos órgãos competentes. Nem por isso devem ficar indenes eventuais vítimas do desenvolvimento de atividades que, embora visem ao bem da comunidade em geral, lesionem determinados particulares.

Assim, seja pela regra constitucional, seja pela regra do Código do Consumidor (art. 14 ), a aferição da responsabilidade da TRENSURB é objetiva, tornando, pois, despicienda a discussão sobre o elemento subjetivo, assim como sobre a (i)licitude da conduta.

Por isso, torna-se particularmente pertinente a discussão acerca dos alegados danos materiais e morais.

II – Danos materiais.

Incontroverso nos autos que os autores habitam o imóvel ao menos desde 1995; igualmente incontroverso que o imóvel está situado ao lado da estação de metrô, que passou a operar em dezembro de 2000 (laudo pericial, fls. 95-96).

Em síntese, alegam os autores danos patrimoniais da seguinte ordem: (a) depreciação do valor de mercado do bem imóvel; e (b) lucros cessantes decorrentes da interrupção da atividade comercial até então desenvolvida no piso inferior do imóvel.

Antes, lembro que a indenização dos danos materiais demanda prova contundente. Diversamente do que ocorre em relação aos danos morais, cujo caráter in re ipsa decorre muito mais da impossibilidade de produção de prova do dano do que de qualquer outra particularidade, os danos materiais, por serem factíveis, dependem de prova concreta.

No caso, a alegada depreciação do valor de mercado do imóvel dependeria, v.g., da comprovação do valor de mercado antes e após a construção da estação de metrô; bem como do nexo causal entre a construção da estação e eventual depreciação.

Por outro lado, a comprovação dos alegados lucros cessantes deveria ocorrer por meio do cotejo entre o lucro obtido por meio da exploração comercial anterior à construção da estação de metrô e o lucro obtido com o comércio atual; bem como do nexo causal entre a construção da estação e a alteração na destinação comercial do imóvel.

Apesar disso, nada veio aos autos.

Em relação ao primeiro ponto (depreciação do imóvel), observo que a inicial não contempla qualquer avaliação imobiliária; nem as respostas aos quesitos abrangem a questão (fls. 94-100).

Em relação ao segundo ponto (lucros cessantes), não houve produção de qualquer prova contábil acerca do giro financeiro das atividades empresariais instaladas anterior e posteriormente à estação de metrô, a exemplo de balanço contábil, declaração de imposto de renda etc. Além disso, o laudo apontou que o movimento atual na área é superior à época que precede a estação de metrô, circunstância que indica aumento nos lucros da atividade empresarial desenvolvida no local (quesito nº 7, fls. 96-97).

Ademais, não houve produção de prova testemunhal – que, por si só, se revelaria até mesmo impertinente, dada a necessidade de prova técnico ou documental, como apontado.

Por tudo isso, acompanho, na íntegra, a fundamentação expendida pela Magistrada sentenciante, in verbis (fls. 128v-129v):

“À fl. 93 do laudo pericial, consta que o requerente N.S.M.“inicialmente tinha um comércio de pedras, sendo que posteriormente modificou o tipo de comércio para padaria, sendo que teria 04 (quatro) caminhões que estacionavam na propriedade. Após a construção da estação do TRENSURB teria ficado um tempo sem comércio, e atualmente tem um estacionamento de veículo (...)”.

De fato, não há dúvidas de que as partes requerentes realmente trabalharam com comércio de pedras em seu estabelecimento, o que pode ser facilmente constatado através das fotografias trazidas aos autos. Com efeito, não houve demonstração de qualquer atividade vinculada ao ramo de padaria.

Seja como for, ainda que se considerasse o exercício de outras diversas formas comerciais no local, não restou corroborado que alguma delas tenha findado em virtude da edificação da “Estação São Leopoldo”. Inexistindo prova robusta nesse sentido, torna-se inviável atribuir à realização do empreendimento, eventuais insucessos ocorridos em seus negócios.

Neste ponto específico, trago à baila o teor da resposta exarada pelo expert, no que tange ao quesito de nº 7:

“Em relação ao prédio relativo a segurança/habitabilidade não houve modificação motivado pela construção da estação do TRENSURB, ou seja, essa não causou danos/problemas construtivos na edificação dos Autores.

Quanto à atividade comercial, há sim prejuízo, eis que o imóvel antes da construção da estação de trem da Requerida tinha 02 (duas) frentes/entradas, ou seja, uma para Rua Clemente José Barreiro, a qual permanece, e outra pela Avenida Mauá, sendo que essa foi fechada pela construção da estação citada.

Contudo, não há como negar que, o aumento de pessoas circulando na região do imóvel da parte Requerente aumentou após o início de operação da estação.”

(...)

Dentro desse contexto, mesmo que se levasse em consideração a obstrução do acesso que possuíam a Avenida Mauá, não vislumbro a mínima possibilidade de constatar os alegados prejuízos materiais sofridos pelas partes requerentes. Sequer notas fiscais, balanços ou adminículo probatório diverso, confirmando estas assertivas, foram anexados aos autos.

Outrossim, em relação a suposta “depreciação”, nem ao menos formularam quesitos pertinentes para demonstrá-los. Logo, desnecessário maiores digressões.

Por oportuno, convém registrar que instadas pelo Juízo à produção de outras provas, as partes requerentes vindicaram, apenas, a oitiva de uma testemunha, o que não se concretizou, pois ao não ser encontrada, houve manifestação pela desistência (fl. 126)”.

Por mais provável que se demonstre a tese esposada na inicial, o dano material deve ser efetivamente comprovado, sob pena de improcedência do pleito indenizatório. Mutatis mutandis, os seguintes precedentes desta Corte:

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TELEFONIA FIXA. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANO MORAL E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO, DECORRENTES DO INADIMPLEMENTO DE COBRANÇA INDEVIDA, POSTERIOR AO PEDIDO DE CANCELAMENTO DA LINHA. DANO MORAL PURO CARACTERIZADO. PATAMAR INDENIZATÓRIO MAJORADO. DANO MATERIAL INOCORRENTE. RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDA. (...) Não há falar em restituição dos valores quando não há prova do pagamento. Dano material inocorrente. Deram parcial provimento ao apelo”. (Apelação Cível Nº 70035318112, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 05/05/2010)

“COMPRA E VENDA. INADIMPLÊNCIA CONTRATUAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO INCORPORADOR E CONSTRUTOR. ILEGITMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO PROPRIETÁRIO DO TERRENO E PROMITENTE VENDEDOR. AFASTADA. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. AUSÊNCIA DE PROVA DO PAGAMENTO DE ALUGUERES. RESTITUIÇÃO DO MÚTUO EFETIVADO EM FAVOR DO CONDOMÍNIO CONSTRUTIVO. PRETENSÃO AFASTADA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REJEITADA. DO APELO DO DEMANDADO. (...) 4. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. Ausente prova do pagamento dos alugueres no valor e período declinado na inicial. Inexistência de prova do dano material. Mútuo. Valor que corresponde a aporte financeiro alcançado ao Condomínio Construtivo instituído pelos adquirentes, inclusive, com caixa próprio, conforme prova documental acostado ao feito. Pretensão rejeitada(...)”. (Apelação Cível Nº 70026532358, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 26/08/2009)

“APELAÇÃO CÍVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. AJG. DANOS MATERIAIS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. A recorrente formulou pedido de AJG nas razões recursais, sem demonstrar modificação na sua situação econômico-financeira ou a efetiva impossibilidade de arcar com as custas processuais. Pedido indeferido. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. O dano material depende da demonstração de efetivo prejuízo, consubstanciado em dano emergente ou lucro cessante. Não restou comprovado de maneira consistente o prejuízo econômico através da diminuição patrimonial. Assim, não ficou caracterizado o dever de indenizar. Ausência de prova do pagamento. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME”. (Apelação Cível Nº 70017320300, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 07/02/2007)

Assim, ausente prova dos alegados danos materiais, mantenho a improcedência, no ponto.

III – Danos morais.

Embora rasa – não houve, por exemplo, medição sonora -, a prova constantes dos autos é suficiente para demonstrar que, após a instalação da estação de metrô, os autores passaram a padecer com os ruídos ou barulhos provocados pelo seu funcionamento, notadamente em decorrência do deslocamento dos trens.

A respeito, veja-se o teor da prova técnica (fls. 90-91):

“Em relação ao “infernal barulho” dito na inicial, se constatou que quando do deslocamento de um trem pela estação, apesar da tecnologia utilizada pela TRENSURB na construção dos trilhos, o barulho é intenso, tanto é verdade que, quando esse (trem) transitava, os presentes tinham que elevar o tom da voz para dar continuidade à conversa.

Não há como negar o prejuízo dos Autores neste ponto, fato o qual pode ser constatado por qualquer pessoa que esteja no interior da construção, tanto no pavimento térreo, como no andar superior (residência).

Lembra-se que o funcionamento da TRENSURB é das 5:30hs até as 23:30hs, sendo o último trem que parte de Porto Alegre chega na estação de São Leopoldo próximo das 00:30hs.

Assim sendo, o período em que os trens não transitam é compreendido aproximadamente entre 00:30hs até 5:30hs, ou seja, por um período de 05 (cinco) horas...”. (grifei)

Com efeito, a emissão de ruídos sonoros excessivos, capazes de perturbar o sossego e o descanso, enseja indenização por dano moral.

Evidentemente, as regras ordinárias de experiência (art. 335, do Código de Processo Civil) informam o processo contínuo de cansaço e estresse físico e mental produzido pelos ruídos excessivos originários da estação de metrô.

O consagrado Paulo Affonso Leme Machado refere os efeitos danosos da poluição sonora sobre a saúde humana:

“Estudo publicado pela Organização de Saúde assinala como efeitos do ruído: perda da audição; interferência com a comunicação; for; interferência no sono; efeitos clínicos sobre a saúde; efeitos sobre a execução de tarefas; incômodo; efeitos não específicos.

Queremos dar ênfase sobre a interferência do ruído sobre o sono. Primeiramente, assinale-se que encontramos uma ilusão freqüentemente difundida – a adaptação ao ruído. Essa adaptação é só aparente, pois se deixa de analisar os incômodos sofridos durante a noite. Pessoas que foram submetidas a controle de eletroencefalogramas, eletrocardiogramas etc. mostraram efeitos nocivos do ruído durante o sono.

(...)

Como efeitos do ruído sobre a saúde em geral registram-se sintomas de grande fadiga, lassidão, fraqueza. O ritmo cardíaco acelera-se e a pressão arterial aumenta. Quanto ao sistema respiratório, pode-se registrar dispnéia e impressão de asfixia. No concernente ao aparelho digestivo, as glândulas encarregadas de fabricar ou de regular os elementos químicos fundamentais para o equilíbrio humano são atingidas (como supra-renais, hipófise etc.).

O incômodo ou perturbação é geralmente relacionado aos efeitos diretamente exercidos pelo ruído sobre certas atividades, por exemplo: perturbação da conversação, da concentração mental, do repouso e dos lazeres. A existência e a dimensão do incômodo são determinadas pelo grau de exposição física e por variáveis conexas de ordem psicossocial.” (grifei)

A respeito do tema, os seguintes precedentes desta Corte:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE VIZINHANÇA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ALEGAÇÃO DE PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO. EXCESSO DE BARULHO PROVENIENTE DE CASA NOTURNA. INFRINGÊNCIA Á LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. NÍVEL DE RUÍDO ACIMA DO PERMITIDO. PROVA PERICIAL REALIZADA. DANO MORAL CONFIGURADO. ATO ILÍCITO E NEXO DE CAUSALIDADE PRESENTES. VALOR DA INDENIZAÇÃO MANTIDO. AÇÃO REGRESSIVA. DENUNCIAÇÃO DE SEGURADORA À LIDE. OBSERVÂNCIA DA APÓLICE. CLÁUSULA GERAL DESVINCULADA DA APÓLICE NÃO TEM O CONDÃO DE AFASTAR A RESPONSABILIZAÇÃO DA SEGURADORA, AINDA MAIS INEXISTINDO ACEITAÇÃO EXPRESSA DO SEGURADO. APELOS DESPROVIDOS”. (Apelação Cível Nº 70023564560, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 05/06/2008)

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO. DEVER DE INDENIZAR. 1. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Comprovada nos autos a prática de ato ilícito por parte do posto de combustíveis demandado, que consentia com o consumo de bebidas alcoólicas em suas dependências, tornando o ambiente propício a brigas, gritarias e a emissão de sons e música em volume superior ao permitido, em nítida perturbação ao sossego público, especialmente, ao autor e demais pessoas que habitavam em seus arredores, resta evidente o dever de indenizar. Prova oral que corrobora a versão dos fatos exposta pelo autor, na inicial. Excesso de barulho que ultrapassa, e muito, a esfera do mero dissabor, causando angústia, desconforto e perturbação ao indivíduo que, diante de tal situação, tem violado o seu direito de repouso. Configurado o danum in re ipsa. Dever de indenizar reconhecido. Sentença de parcial procedência reformada, para conceder, também, a indenização por danos morais vindicada na inicial. 2. (...)”. (Apelação Cível Nº 70019482025, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 17/05/2007)

“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDENIZACAO DEVIDA EM RAZAO DE BARULHO NOTURNO. E RESPONSAVEL O MUNICIPIO PELA AUSENCIA DE PROVIDENCIAS RELATIVAMENTE A ESTABELECIMENTOS NOTURNOS NOS QUAIS SE REPRODUZIA SOM EM VOLUME ELEVADO. DEMONSTRADO O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO SUPORTADO PELA RECORRIDA E A OMISSAO DA ADMINISTRACAO PUBLICA, CONFIRMA-SE A SENTENCA. APELO IMPROVIDO. SENTENCA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSARIO”. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70003626447, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, Julgado em 28/08/2002)

Em relação à quantificação da indenização, é necessário analisar alguns aspectos para se chegar a um valor justo para o caso concreto, atentando-se à extensão do dano, ao comportamento dos envolvidos, às condições econômicas e sociais das partes e à repercussão do fato, além da proporcionalidade e da razoabilidade.

Acompanho a lição do Desembargador Sérgio Cavalieri Filho:

“Creio que na fixação do quantum da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.

Creio também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permita cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão.

(...)

A lição do mestre Caio Mario, extraída de sua obra Responsabilidade civil, pp. 315-316, pode nos servir de norte para esta penosa tarefa de arbitrar o dano moral. Diz o preclaro Mestre: “Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II, n. 176), na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I – punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança” (in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 115)

Deve ser relevado, na espécie, que o horário de deslocamento de trens na estação compreende o período entre as 5h30min e as 0h30min; logo, o período hábil para sossego e descanso plenos por parte dos autores está limitado a 5 (cinco) horas diárias.

Além disso, os autores têm residência no imóvel, não havendo notícia de que em algum momento tenham residido em outro local, tampouco que tenham condições financeiras para mudar de domicílio.

Outrossim, deve ser relevado que o convívio com o barulho é diuturno e perdura há tempo relevante, sem previsão de encerramento.

Demais disso, não há prova acerca das condições financeiras dos autores, presumidos pobres em decorrência da concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita (fl. 21); a ré, por seu turno, consiste em pessoa jurídica de relevante porte econômico.

Assim, tenho que a indenização, arbitrada na origem em R$ 10.000,00 (Dez Mil Reais) “em favor dos requerentes” (fl. 191), deve ser majorada para R$ 20.000,00 (Vinte Mil Reais), ou seja, para R$ 10.000,00 (Dez Mil Reais) em favor de cada um dos autores, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora conforme os “índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança”, nos termos do artigo 1°-F da Lei n° 9.494/97 , com a redação dada pela a Lei n° 11.960, de 29.06.2009. O valor encontra-se de acordo com as circunstâncias do caso e com o entendimento deste órgão fracionário, considerando ainda a função pedagógico-repressiva que a sanção deve encerrar. A quantia também se mostra razoável e adequada, não implicando ônus excessivo ao ofensor nem enriquecimento sem causa ao ofendido.

Os consectários (correção monetária e juros de mora) deverão incidir desta a deste acórdão, nos termos da Súmula 362, do Superior Tribunal de Justiça e do entendimento deste Colegiado.

Justifico a não aplicação dos enunciados 43 e 54 do Superior Tribunal de Justiça ao caso porque, muito embora se trate de responsabilidade civil decorrente de ato ilícito extracontratual, se está, aqui, delimitando valor de indenização por dano moral, cujo quantum é fixado pelo julgador no momento da prolação da decisão.

Não há, como ocorre com o dano material, um montante – valor do prejuízo – prévio, existente desde a data da prática do ilícito, razão pela qual não se justifica a incidência de juros e correção monetária desde momento anterior à própria determinação do valor da indenização.

O entendimento, há muito vigente nesta 9ª Câmara Cível, foi recentemente acolhido pela Ministra Maria Isabel Gallotti no julgamento do REsp 903.258-RS (vide Informativo de Jurisprudência do STJ, nº 478).

DISPOSITIVO:

Ante o exposto, PROVEJO PARCIALMENTE ao apelo, para efeito de majorar o quantum indenizatório para compensação de danos morais para R$ 10.000,00 (Dez Mil Reais) a cada um dos autores, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora conforme os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, desde a data deste Acórdão; e DESPROVEJO ao recurso adesivo.

É o voto.

DESA. MARILENE BONZANINI (REVISORA) - De acordo com a Relatora.

DES. LEONEL PIRES OHLWEILER - De acordo com a Relatora.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70045302601, Comarca de São Leopoldo: "PROVERAM PARCIALMENTE AO APELO. DESPROVERAM AO RECURSO ADESIVO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: DANIELA HAMPE

___________

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