Danos materiais
Dono de BMW será indenizado por bolha em pneu do carro
Os apelados alegaram que a bolha no pneu foi decorrente de uma blindagem realizada no carro por empresa não aprovada pela BMW e não se dispuseram a reparar o defeito. As requeridas também sustentaram ausência de garantia para o problema apresentado, visto que os pneus eram afiançados pelo fabricante.
Segundo a empresa, a prova técnica juntada aos autos demonstra que a blindagem não poderia ter sido a causa do defeito e que não consta expressamente do termo de garantia que a realização de blindagem por empresas não reconhecidas e aprovadas pelas recorridas conduziria à perda da garantia do pneu.
Para o desembargador Orlando Pistoresi, relator do processo, o artigo 18 do CDC é expresso ao determinar a responsabilidade solidária entre todos os responsáveis pela disponibilização do bem no mercado, estabelecendo que "os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor (...)".
Os apelantes haviam solicitado indenização por danos morais e materiais, mas o desembargador Pistoresi entendeu que o alegado dissabor experimentado pelos autores não merecia proteção jurídica a justificar a pretendida indenização por dano moral, desse modo, a ação foi julgada parcialmente procedente.
A empresa foi representada no caso pelo escritório Cury & Moure Simão Advogados.
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Processo: 0032890-14.2007.8.26.0562
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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Apelação nº 0032890-14.2007.8.26.0562 - Santos - Fórum de Santos
Registro: 2012.0000006963
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0032890-14.2007.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que são apelantes LOCSITE LOCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE SITES S/C LTDA e MARCO AURELIO VIEIRA sendo apelados AGULHAS NEGRAS DISTRIBUIDORA DE AUTOMOVEIS LTDA e BMW DO BRASIL LTDA.
ACORDAM, em 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANDRADE NETO (Presidente sem voto), LINO MACHADO E CARLOS RUSSO.
São Paulo, 18 de janeiro de 2012.
Orlando Pistoresi
RELATOR
Voto nº 20.833
Apelantes: Locsite Locação e Desenvolvimento de Sites S/C Ltda.; Marco Aurélio Vieira Apeladas: Agulhas Negras Distribuidora de Automóveis Ltda.; BMW do Brasil Ltda.
Juíza de Direito: Selma Baldança Marques Guimarães
Bem móvel - Aquisição de veículo - Defeito de qualidade Fabricante e revendedora - Responsabilidade solidária - Artigo 18 do CDC - Reconhecimento.
Cuidando-se de fornecedoras de produto de consumo, a fabricante e a revendedora do veículo são solidariamente responsáveis em face do adquirente nos termos legais (Lei n°8.078, de 11.09.90, art. 18).
Dano moral Inocorrência.
Levando-se em consideração o critério objetivo da razoabilidade e a concepção ético-jurídica dominante em nossa sociedade, simples aborrecimentos, ínsitos à vida moderna, que não extrapolam os padrões médios de aceitabilidade, não se erigem à categoria de dano moral.
Recurso provido em parte.
Trata-se de "ação de indenização por danos materiais e morais" ajuizada por Locsite Locação e Desenvolvimento de Sites S/C Ltda. e Marco Aurélio Vieira em face de Agulhas Negras Distribuidora de Automóveis Ltda. e BMW do Brasil Ltda., decorrente de negócio de compra e venda de veículo, objetivando a condenação das requeridas ao pagamento de quantia mínima equivalente a cinquenta salários mínimos para cada um dos autores a título de indenização por danos morais, bem como do valor de R$ 2.599,00 em favor da primeira autora, a título de indenização por danos materiais.
Pela respeitável sentença de fls. 289/295, com embargos de declaração (fls. 302/307) não conhecidos às fls. 309, o pedido foi julgado improcedente, condenados os autores ao pagamento das custas processuais, corrigidas desde o desembolso, e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor dado à causa.
Apelaram os vencidos, aduzindo que os apelados deveriam ter feito prova de que a blindagem foi causadora do dano no pneu; a blindagem realizada no automóvel em questão é das mais modernas, pesando apenas 140 quilos; a prova técnica juntada aos autos demonstra que a blindagem não poderia ter sido a causa do defeito apresentado no veículo em questão; ficou reconhecido por uma das apeladas, no documento juntado às fls. 32, que a formação da bolha no pneu não guarda relação com a blindagem perpetrada pelos apelantes; não consta expressamente do termo de garantia que a realização de blindagem por empresas não reconhecidas e aprovadas pelas recorridas conduziria à perda da garantia do pneu; o defeito narrado na inicial não foi no automóvel, mas sim no respectivo pneu; não há prova nos autos de que a blindagem tenha sido feita por empresas não reconhecidas e aprovadas pela BMW do Brasil, tudo a justificar o provimento do recurso, julgando-se procedente a demanda (fls. 302/320).
Recurso tempestivo, preparado e respondido (fls.325/334 e 340/351).
É o relatório.
O recurso comporta provimento em parte.
Restou positivado nos autos que a empresa Locsite Locação e Desenvolvimento de Sites S/C Ltda. adquiriu o veículo BMW S5 530 I descrito na inicial em 11.08.2006, para uso de seu sócio e diretor Marco Aurélio Vieira. Em março de 2007 o automóvel apresentou uma bolha em um dos seus pneus, o qual foi substituído por conta da adquirente, que despendeu para tanto a quantia de R$ 2.599,00.
Em razão da recusa das requeridas em reparar o defeito apresentado pelo automóvel em questão, os requerentes ajuizaram a presente ação, tendo por objeto o ressarcimento pelo gasto efetivado com a troca do pneu, bem como o pagamento de indenização por danos morais por ter sido o segundo requerente privado da utilização do bem por aproximadamente vinte dias.
As requeridas, por seu turno, sustentam, em síntese, ausência de garantia para o problema apresentado, visto que os pneus são garantidos pelo fabricante (Goodyear). Ademais, o procedimento de blindagem do veículo, realizado por empresa não aprovada pela BMW, fez com que o bem perdesse a garantia de fábrica, consoante disposto pelo Termo de Garantia acostado às fls. 229/237. Ademais, a fabricante do pneu emitiu laudo técnico dando conta de que o problema apresentado pelo produto não teve como origem o processo de fabricação ou a matéria prima utilizada.
Não se pode olvidar que o feito rege-se pelo Código de Defesa do Consumidor, tratando-se de relação de consumo, na qual a adquirente do automóvel figura como consumidora final, nos termos do artigo 2º do Diploma em referência.
E, nesse contexto, é vedado ao fornecedor de produto qualquer disposição que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar em razão do vício ou do fato do produto, nos termos dos artigos 25 e 51, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor e cujas normas de ordem pública são inafastáveis pela vontade das partes (art. 1º do mencionado diploma legal).
Ao comentar o artigo 25 do referido diploma legal, escreve Zelmo Denari que "Todas essas cláusulas exonerativas consideram-se não escritas e devem ser desconsideradas pelos respectivos usuários da prestação de serviços" (in "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor", comentado pelos autores do anteprojeto Ada Pellegrini Grinover e outros, 6ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 195).
E ao analisar o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, leciona Nelson Nery Júnior que "no regime do CDC, toda e qualquer cláusula que contenha óbice ao dever legal de o fornecedor indenizar é considerada abusiva e, portanto, nula de pleno direito, sendo ilegítima sua inclusão no contrato de consumo. A proibição atinge a cláusula que tenha por objetivo exonerar, impossibilitar ou atenuar a responsabilidade do fornecedor pela reparação dos danos por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços (arts. 18 e segs., CDC).
"Quanto às demais obrigações de indenizar derivadas do contrato, também são alcançadas pela proibição em virtude de se constituírem como cláusulas que impliquem renúncia ou disposição de direitos. Estão vedadas, portanto, as cláusulas de exoneração da responsabilidade do fornecedor por danos derivados da mora ou cumprimento defeituoso da prestação, bem como as que o exonerem dessa responsabilidade por ato de seus representantes, auxiliares, funcionários ou prepostos" (cf. obra citada, p.496).
Por isso que, embora o Termo de Garantia exclua expressamente a responsabilidade da fabricante pelos defeitos eventualmente apresentados nos pneus dos automóveis por ela produzidos, reconhecida a nulidade da referida cláusula, sobra patente a responsabilidade solidária entre as fornecedoras do automóvel pelo ressarcimento do valor despendido pela adquirente para substituir o componente que se encontrava viciado.
E assim é porque o artigo 18 do Diploma Consumerista é expresso ao determinar a responsabilidade solidária entre todos os responsáveis pela disponibilização do bem no mercado, estabelecendo que "Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor (...)".
A respeito do tema leciona Cláudia Lima Marques: "No sistema do CDC respondem pelo vício do produto todos aqueles que ajudaram a colocá-lo no mercado, desde o fabricante (que elaborou o produto e o rótulo), o distribuidor, o comerciante (que contratou com o consumidor). A cada um deles é imputada a responsabilidade pela garantia de qualidade-adequação do produto. (...) O CDC adota, assim, uma imputação, ou, atribuição objetiva, pois todos são responsáveis solidários, responsáveis, porém, em última análise, por seu descumprimento do dever de qualidade, ao ajudar na introdução do bem viciado no mercado. A legitimação passiva se amplia com a responsabilidade solidária e com um dever de qualidade que ultrapassa os limites do vínculo contratual consumidor/fornecedor direto" (in "Comentários ao Código de Defesa do Consumidor", Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., p. 338).
De outra parte, não colhe a alegação da corré BMW no sentido de que a realização de blindagem do veículo por empresa não autorizada impede sua responsabilização, diante da extinção automática da garantia.
Com efeito, ante a aplicação da regra da inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII), caberia à fabricante demonstrar que a blindagem efetivada no automóvel por empresa não conveniada com ela foi a causa do defeito apresentado no pneu, ônus do qual não se desincumbiu, de modo que prevalece sua obrigação de restituir a requerente Locsite o valor gasto com a substituição do referido componente.
Ora, não se pode impor ao consumidor que arque com os prejuízos advindos no veículo automotor zero quilômetro e que apresentou defeitos logo após a sua aquisição, cabendo às fornecedoras do produto a comprovação de sua inexistência, do que na hipótese não se cuidou de positivar, mormente diante da inviabilidade de produção de prova pericial para sua constatação ante o reparo já efetivado.
Por outro lado, o alegado dissabor experimentado pelos autores não merece proteção jurídica a justificar a pretendida indenização por dano moral.
Com efeito, levando-se em consideração o critério objetivo da razoabilidade e a concepção ético-jurídica dominante em nossa sociedade, simples aborrecimentos, ínsitos à vida moderna, que não extrapolam os padrões médios de aceitabilidade, não se erigem à categoria de dano moral.
É que, mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada, não se revelam suficientes para configurar dano moral indenizável e que reclama à sua configuração dor e sofrimento profundos gerados por conduta ilícita. É certo que há danos dessa natureza que são presumidos, sendo suficiente ao ofendido a sua mera alegação, como na hipótese de perda de um ente próximo. Mas há outros, todavia, que reclamam sua efetiva comprovação, não se mostrando hábeis a configurá-lo sua simples alegação.
Ademais, não se pode olvidar que tem sido reconhecido que a obrigação de reparar reclama a existência de ilícito motivado por ato doloso e nesse sentido já se dispôs que "Apenas se justifica a indenização por dano moral quando resulte o ilícito de ato doloso, em que a carga de repercussão nas relações psíquicas, nos sentimentos e na tranquilidade, se reflita como decorrência da repulsa ao ato intencional do autor do crime" (JTJ-Lex, 144/74), o que também não se vê configurado nestes autos.
E como tem sido julgado, "O ressarcimento por dano moral não pode decorrer de qualquer melindre ou suscetibilidade exagerada, do mero aborrecimento ou incômodo. É preciso que a ofensa apresente certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral" (Ap. c/ Rev. 782.775-00/7 - 26ª Câm. - Rel. Des. Renato Sartorelli - J. 1.8.2005).
Não comprovado o fato constitutivo do alegado direito, o pedido de reparação por danos morais não merece acolhida.
Em tais condições, fica a ação julgada parcialmente procedente para condenar as requeridas, solidariamente, a pagarem aos autores a quantia de R$2.599,00 (dois mil, quinhentos e noventa e nove reais), corrigida monetariamente a partir do efetivo desembolso e acrescida de juros legais de 1% a partir da citação, rateando-se as custas processuais entre as partes, que arcarão, ainda, com os honorários advocatícios de seus respectivos patronos, ante o reconhecimento da sucumbência recíproca.
Pelo exposto, e para os fins explicitados, dá-se parcial provimento ao recurso.
Orlando Pistoresi
Relator