Duplicidade de prazos
Assistência jurídica de faculdade pública tem garantia de prazo em dobro para recorrerO recurso julgado pela 3ª turma foi interposto em ação anulatória cumulada com restituição de valores, reparação de danos materiais e compensação de danos morais ajuizada em São Paulo. Apresentada a contestação, os réus – assistidos pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP – pleitearam o benefício da assistência judiciária gratuita e a aplicação do prazo em dobro para recorrer.
A 3ª vara Cível do Foro Regional IV de SP deferiu o benefício da justiça gratuita, mas indeferiu o prazo em dobro por entender que tal benefício somente se aplicaria no caso se os réus estivessem representados pela Defensoria Pública. Eles recorreram contra a decisão, mas o TJ/SP negou o pedido, sob o fundamento de que o advogado que presta assistência judiciária gratuita decorrente de indicação pela Defensoria Pública não ocupa cargo em entidade estatal ou paraestatal, não exerce o mesmo encargo nem tem as mesmas prerrogativas inerentes aos defensores públicos.
Inconformados, os réus recorreram ao STJ sustentando que a contagem em dobro dos prazos é um direito dirigido aos defensores públicos e aos profissionais que exercem atividade semelhante à daqueles, e não somente aos que exercem atividade de defensor em entidade estatal ou paraestatal. Além disso, alegaram que a concessão dos prazos em dobro está incluída nos benefícios da assistência judiciária, como consequência certa e necessária da gratuidade processual.
"O simples fato de o sujeito ser beneficiário da justiça gratuita, por si só, não justifica a incidência do benefício da duplicidade dos prazos", afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso. No entanto, ao analisar o processo e a jurisprudência do STJ sobre o tema, ela entendeu que seria o caso de reconhecer o direito ao prazo em dobro, inclusive levando em conta que "os serviços de assistência judiciária mantidos pelo estado, tal como ocorre com a Defensoria Pública, apresentam deficiências de material, pessoal e grande volume de processos".
A lei 1.060/50 afirma que, "nos estados onde a assistência judiciária seja organizada e por eles mantida, o defensor público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos".
Segundo Nancy Andrighi, o STJ, ao interpretar a lei, chegou a definir que a expressão "cargo equivalente" abrangeria apenas "os advogados do estado, seja qual for sua denominação (procurador, defensor etc.)".
A 3ª turma, porém, ao julgar a medida cautelar 5.149, ampliou o entendimento de "cargo equivalente" para estender o direito do prazo em dobro às partes assistidas pelos membros dos núcleos de prática jurídica das instituições de ensino públicas, "por serem entes organizados e mantidos pelo estado".
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Processo relacionado: REsp 1106213 - clique aqui.
Confira abaixo a íntegra da decisão.
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.106.213 - SP (2008/0262754-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : PAULO MARCELO DA SILVA E OUTRO
ADVOGADO : IGOR FORTES CATTA PRETA (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA)
RECORRIDO : WELINGTON DE SOUZA
ADVOGADO : ELIANA MALINOSK CASARINIEMENTA
PROCESSO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA. UNIVERSIDADE PÚBLICA. PRAZO EM DOBRO.
1. Segundo a jurisprudência desta Corte, interpretando art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50, para ter direito ao prazo em dobro, o advogado da parte deve integrar serviço de assistência judiciária organizado e mantido pelo Estado, o que é a hipótese dos autos, tendo em vista que os recorrentes estão representados por membro de núcleo de prática jurídica de entidade pública de ensino superior.
2. Recurso especial provido para que seja garantido à entidade patrocinadora da presente causa o benefício do prazo em dobro previsto no art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 25 de outubro de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto por PAULO MARCELO DA SILVA E IVO DA SILVA com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/SP.
Ação: ação anulatória cumulada com restituição de valores, reparação de danos materiais e compensação de danos morais, ajuizada por WELLINGTON DE SOUZA em face PAULO MARCELO DA SILVA E IVO DA SILVA.
Contestação: apresentada a contestação, as partes requeridas pleitearam o benefício da assistência judiciária gratuita e a aplicação do prazo em dobro para recorrer.
Decisão interlocutória (e-STJ fl. 11): o Juiz de Direito da 3ª Vara Cível do Foro Regional IV da Comarca de São Paulo/SP deferiu o benefício da Justiça Gratuita aos réus e indeferiu o prazo em dobro, ao argumento de que tal benefício somente se aplica à Defensoria Pública.
Agravo de instrumento (e-STJ fls. 03/07): interposto por PAULO MARCELO DA SILVA E IVO DA SILVA, contra a decisão interlocutória. Alega que “o motivo pelo qual foi indeferido o benefício do prazo em dobro, qual seja a possibilidade de aplicação deste somente à Defensoria Pública, mostra-se deficitário, uma vez que a entidade Centro Acadêmico XI de Agosto tem convênio com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo”.
Acórdão (e-STJ fls. 25/28): o TJ/SP negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa:
Agravo de instrumento. Indeferimento de benefício do prazo em dobro. Insurgência sob a alegação de estar sendo assistido pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade conveniada com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Impossibilidade dessa prerrogativa, por não exercer o profissional o mesmo “munus” inerente aos defensores públicos. Agravo improvido.
Recurso especial (e-STJ fls. 31/38): interposto por PAULO MARCELO DA SILVA E IVO DA SILVA, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, em que alegam violação do art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50.
Prévio juízo de admissibilidade (e-STJ fl. 62): apresentadas as contrarrazões (e-STJ fls. 56/60), o apelo foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
I – Da delimitação da controvérsia
Cinge-se a controvérsia a determinar se se aplica ou não ao serviço de assistência judiciária de instituição de ensino superior mantida pelo Estado, que patrocina seu cliente sob o pálio da justiça gratuita, a regra da duplicidade de prazos prevista no art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50.
II – Do benefício do prazo em dobro (Ofensa ao art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50)
Os recorrentes alegam que “a concessão em dobro dos prazos está inclusa nos benefícios da assistência judiciária, como consequência certa e necessária da gratuidade processual” (e-STJ fl. 35). Sustentam que “a contagem em dobro dos prazos é um benefício, um direito, dirigido aos defensores públicos e aos profissionais que exercem atividade semelhante à daqueles. E não somente àqueles que exercem atividade de defensor em entidade estatal ou paraestatal” (e-STJ fl. 36).
O TJ/SP, por sua vez, negou provimento ao agravo de instrumento sob o fundamento de que “o advogado que presta assistência judiciária gratuita decorrente de indicação pela Defensoria Pública não exerce o mesmo “munus” inerente aos defensores públicos e nem ocupa cargo em entidade estatal ou paraestatal” (e-STJ fl. 27).
A Lei 1.060/50, que trata da concessão de assistência judiciária aos necessitados, estabelece em seu art. 5º, § 5º, com a redação dada pela Lei 7.871/79, que “nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”.
Embora da literalidade da norma possa se extrair facilmente que os benefícios da intimação pessoal e da contagem em dobro de todos os prazos foram instituídos em favor do defensor público ou quem exerça cargo equivalente, desde que no âmbito de instituição organizada e mantida pelos Estados que preste assistência judiciária, existe certa celeuma na exegese do que pode se entender por “cargo equivalente”, impondo-se a esta Corte, no papel de uniformizadora da interpretação da lei infraconstitucional, a tarefa de adequar o conteúdo social e definir o alcance dessa expressão.
Pela análise da jurisprudência deste Tribunal Superior, constata-se que já há bastante tempo o STJ vem sendo instado a se manifestar acerca da discussão das prerrogativas previstas no dispositivo de lei em comento (intimação pessoal e contagem em dobro de todos os prazos).
Esta Corte, em diversas ocasiões, já teve a oportunidade de enfrentar a discussão acerca dos benefícios que devem ser conferidos, por equiparação, aos defensores dativos, consagrando o entendimento de que constitui cerceamento de defesa a ausência de sua intimação pessoal. Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes: HC 22.896/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 30/06/2003; HC 27.923/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 08/09/2003 e HC 24.791/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 26/06/2003.
A 5ª Turma, no julgamento do HC 37.784/DF (Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08/11/2004), sob o fundamento de que “a nomeação de defensor pertencente a Núcleo de Práticas Jurídicas de Instituição de Ensino Superior tem a mesma situação da indicação de defensor dativo”, estendeu a obrigatoriedade de intimação pessoal aos “Núcleos de Práticas Jurídicas” de instituição particular de ensino superior.
Por outro lado, relativamente ao benefício do prazo em dobro, num dos primeiros precedentes acerca desse tema, a 3ª Turma, em sua antiga composição, adotou o entendimento de que para fazer jus ao benefício “é de rigor que o patrono da parte seja integrante do Serviço Organizado de Assistência Judiciária, mantido pelo Estado” (REsp 105.096/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 25/02/1998).
Compartilhando desse mesmo entendimento, veja-se AgRg no REsp 495.334/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 04/08/2003.
Por conseguinte, como consequência desse posicionamento, esta Corte adotou o entendimento de que, relativamente aos defensores dativos, mesmo nos casos em que forem indicados pela OAB em razão de convênio celebrado com a PGE, não dispõe de prazo em dobro para recorrer, vez que não exercem cargos equivalentes aos de Defensores Públicos (HC 27.786/SP, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 23/10/2003). Acerca do que se deve entender por cargo equivalente, esta c. 3ª Turma, também em sua antiga formação, já decidiu que menção a cargo, refere-se “aos Advogados do Estado, seja qual for sua denominação (Procurador, Defensor, etc)” (REsp 120.556/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 16/05/2002).
Pela mesma razão, o STJ entendeu que no conceito de cargo equivalente não se inclui o advogado contratado pela parte, ainda que beneficiário da Justiça Gratuita. A respeito, colacionam-se os seguintes julgados: EREsp 186.355/SP, 3ª Seção, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 24/04/2000; REsp 261.951/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 01/07/2002; REsp 120.556/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 16/05/2002; REsp 105.096/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 25/02/1998.
Todavia, conferindo uma exegese mais ampla da que foi conferida por ocasião do julgamento do REsp 120.556/SP, acima mencionado, que, estritamente vinculado ao conceito de direito administrativo, esta c. 3ª Turma consignou que – por cargo equivalente , deve se entender os “os Advogados do Estado, seja qual for sua denominação (Procurador, Defensor, etc)”, em julgamento unânime do qual participei – o privilégio do prazo em dobro estende-se às partes assistidas por Núcleos de Prática Jurídica de instituições de ensino público, por serem entes organizados e mantidos pelo Estado: AgRg no AgRg no AgRg na MC 5.149/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 25/11/2002.
Dessa forma, feita essa breve retrospectiva dos precedentes desta Corte acerca da interpretação do dispositivo de lei em comento, conclui-se que, ao contrário do que alegam os recorrentes, de que o prazo em dobro é “consequência certa e necessária da gratuidade processual”, o simples fato de o sujeito ser beneficiário da justiça gratuita, por si só, não justifica a incidência do benefício da duplicidade dos prazos.
Por outro lado, amparada no entendimento de que os serviços de assistência judiciária mantidos pelo Estado, tal qual como ocorre com a Defensoria Pública, apresentam deficiências de material, pessoal e um grande volume de processos e considerando que na hipótese dos autos a parte está sendo assistida por Núcleo de Prática Jurídica de instituição pública de ensino superior, não há razão para negar a prerrogativa da duplicidade de prazos.
Por fim, há de se consignar que, especificadamente quanto ao Centro Acadêmico XI de Agosto , da Faculdade de Direito da USP, esta Corte já teve oportunidade de analisar a questão do beneficio do prazo em dobro:
ASSISTENCIA JUDICIARIA. PRAZOS DOBRADOS. AOS ADVOGADOS DO CENTRO ACADEMICO XI DE AGOSTO, DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, ENTIDADE CONVENIADA COM O ESTADO DE SÃO PAULO "VISANDO A PRESTAÇÃO DE ASSISTENCIA JUDICIARIA GRATUITA, " ENQUANTO PRESTANTES DA REFERIDA ASSISTENCIA AS PESSOAS CARENTES, CONTAM-SE EM DOBRO TODOS OS PRAZOS. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DEU PROVIMENTO. UNANIME. (REsp 23.952/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Fontes de Alencar, DJ de 06/10/1992).
Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para que seja garantido à entidade patrocinadora da presente causa o benefício do prazo em dobro previsto no art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50.
É como voto.
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