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Revogada liminar que suspendia a venda do controle da Schincariol para a japonesa Kirin

A Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP deu provimento ao agravo da Kirin Brasil e revogou a liminar emitida pela 1ª vara Cível de Itu/SP que havia suspendido os efeitos do contrato celebrado entre Aleadri-Schinni Participações e Representações Ltda. e Kirin, transação que envolvia o valor de R$ 3.948.082.000,00 e a transferência do controle acionário (50,45%).

13/10/2011


Disputa

Revogada liminar que suspendia a venda do controle da Schincariol para a japonesa Kirin

A câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP deu provimento ao agravo da Kirin Brasil e revogou a liminar emitida pela 1ª vara Cível de Itu/SP que havia suspendido os efeitos do contrato celebrado entre Aleadri-Schinni Participações e Representações Ltda. e Kirin, transação que envolvia o valor de R$ 3.948.082.000,00 e a transferência do controle acionário (50,45%).

A empresa Jadangil Participações e Representações Ltda., que é uma das sociedades que controla a Schincariol e detém os outros 49,55% do capital social, ingressou com ação para suspender os efeitos do contrato. A decisão de primeira instância concedeu a liminar por entender que havia direito de preferência do grupo minoritário.

Para o desembargador Ênio Zuliani, relator, a manutenção da liminar poderia estagnar os planos da empresa para proteger eventual direito de preferência que não teria sido exercido mediante depósito do preço.

"A liminar, a pretexto de salvaguardar um discutível direito de preferência (teórico) e que pretende ser exercido sem o seu mais acentuado componente de seriedade e disposição de adquirir as ações transmitidas (depósito do valor), construiu uma situação que favorece, única e exclusivamente, os interesses dos minoritários, constituindo um perigo para a instituição e para a segurança do negócio jurídico", afirmou o relator.

Também participaram do julgamento dos recursos os desembargadores Pereira Calças e José Reynaldo.

No processo, o escritório TozziniFreire Advogados assessora a Kirin Holdings Company, e a banca Teixeira, Martins & Advogados patrocinou a causa pela Jadangil Participações e Representações Ltda, uma das sociedades que controla a Schincariol.

Veja abaixo o acórdão.

__________

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 0217635-30.2011.8.26.0000, da Comarca de Itu, em que é agravante ALEXANDRE SHINCARIOL sendo agravado JADANGIL PARTICIPAÇÕES E REPRESENTAÇÕES LTDA.

ACORDAM, em Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso para revogar a liminar. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ROMEU RICUPERO (Presidente sem voto), PEREIRA CALÇAS E JOSÉ REYNALDO.

São Paulo, 11 de outubro de 2011.

ENIO ZULIANI

RELATOR

VOTO Nº 22765

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0217635-30.2011.8.26.0000

COMARCA: ITU

AGRAVANTE: ALEXANDRE SCHINCARIOL

AGRAVADO: JADANGIL PARTICIPAÇÕES E

REPRESENTAÇÕES LTDA

MMª. JUÍZA PROLATORA: DRª. JULIANA MORAIS BICUDO

Caso da Schincariol Negócio de transferência do controle acionário da controladora pela holding e que violaria direito de preferência estabelecido em benefício dos demais sócios (intuitu personae) Embora exista a preempção não parece ajustado, diante da celebração do negócio, suspender a eficácia do ato sem que a parte que se diz prejudicada deposite o preço integral ou aquele que considera justo (suposto ágio) Ponderação que obriga entender como mais razoável para as partes e a sociedade a continuidade da transformação social Provimento para revogar a liminar, comunicando ao Juízo de 1º Grau e à JUCESP para os devidos fins.

Vistos.

JADANGIL PARTICIPAÇÕES E REPRESENTAÇÔES LTDA. é uma das sociedades que controla a Schincariol Participações e Representações S.A. (holding do Grupo Schincariol 21 sociedade), sendo detentora de 49,55% do capital social. O presente agravo foi tirado de r. despacho que concedeu liminar na medida cautelar que a Jadangil promove contra a outra controladora (ALEADRI-SCHINNI PARTICIPAÇÕES E REPRESENTAÇÕES LTDA. e outros), cuja consequencia foi a de suspender os efeitos do contrato de compra e venda de ações celebrado em 1,8.2011, do restante do controle acionário (50,45%) para a sociedade KIRIN HOLDIGNS INVESTMENTS BRASIL PARTICIPAÇÕES E REPRESENTAÇÕES S.A. (atual denominação de Kasuga Participações). A douta Juíza considerou que não o direito de preferência ao grupo minoritário,conforme prevê o estatuto da Schincariol, poderá ensejar o reconhecimento da nulidade prevista no art. 5º, § 4º, do estatuto e do art. 36, da Lei 6404/76 (fls. 633 despacho agravado). A cautelar está secundada em parecer do Professor Nelson Eizirik que, partindo da análise do caráter intuitu personae da sociedade de capital fechado, conclui que essa cláusula de preferência visa impedir o ingresso de terceiros e que o fato de a Aleadri alienar suas quotas significa alienação do controle acionário do Grupo Schincariol e que a venda, sem as informações precisas para exercício do direito, constitui desrespeito de legítimos acordos, o que implica anulação do negócio desafiador que vier a ser realizado (fls. 193).

Providenciou-se parecer do Professor Modesto Carvalhosa que, em linhas gerais, considera que os irmãos Adriano e Alexadre, como únicos sócios da Aleadri, estão vinculados as regras da holding e não poderiam ceder a totalidade das quotas da Aleadri sem notificar os demais acionistas para exercício da preferência e que a inobservância de tal regra permite que os demais sócios apurem o valor real da negociação para depósito devido ao sobrepreço oferecido pelo Grupo Kirin (fls. 2427). Essa proposição decorre de estudo realizado pelo Fundação GV e que concluiu que o preço do negócio está “acima do razoável para o padrão de mercado” (fls. 2460).

O presente agravo foi tirado por ALEXANDRE SCHINCARIOL e chega com cópia do contrato que se realizou no dia 1º de agosto de 2011 (fls. 699) no valor de R$ 3.948.082.000,00 (fls. 709), anexado cópias de comprovantes de pagamento emitidos pelo Banco Citibank de depósitos em nome do recorrente (fls. 489) e de Adriano Schincariol no valor, cada qual, de R$ 1.969.041.000,00 (fls. 490). Traz parecer do Professor José Alexandre Tavares Guerreiro no sentido de que o contido no estatuto da Schincariol não pode (nem deve) ser estendido às ações de sua holding, que, independente do caráter familiar dos acionistas, é livre para alienar as ações (fls. 614).

O recorrente afirma que os sócios da Jadangil tinham perfeito conhecimento das negociações que se realizavam para alienações das ações e participou das reuniões e nunca fez uma proposta concreta para exercício efetivo do afirmado direito de preferência. O recorrente afirma que a autora da ação não possui lastro econômico para o investimento que pretendeu concorrer e denuncia que, na verdade, está ela utilizando o Judiciário para criar dificuldades com o propósito de obter vantagens (fls. 16) e lembra que o fato de ter manejado cautelar com amplo conhecimento da negociação, menos de vinte e quatro horas após o fechamento do negócio, indica seu total conhecimento das particularidades da venda.

O recorrente centraliza sua oposição no fato de que não há obstáculo para que a Aleadri, pelos seus sócios, aliene as quotas, sendo que a preferência foi estabelecida para as ações da Schincariol. O recorrente discorre sobre o que cabe a quem se diz preterido fazer quando seu direito é ignorado e cita os arts.513 e 518, do CC, para concluir que cabe depositar o valor para que a preferência se faça e ou exigir perdas e danos, descartada a nulidade.

Afirma que não há fumus boni iuris para sustentação da liminar (art. 798) e combate, igualmente, o periculum in mora, devido a capacidade empreendedora da Kirin, cujo acesso ao controle da Schincariol em nada prejudicará os desígnios da companhia.

Acusa-se o recebimento de memorial complementar da agravada e que dispõe informar a capacidade econômica de cobertura do preço que teria sido pago, esclarecimento que confirmaria a sua potencialidade para depositar o valor.

É o relatório.

As negociações com ações das sociedades anônimas foi objeto de dissertação apresentada por PHILOMENO J. DA COSTA para concurso à cátedra de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Operações da anônima com as ações de seu capital, São Paulo, 1965) e a sua conclusão está baseada na tese de que “a auto-liberdade operacional com as ações das companhias sobre restrição, sempre que se verifique uma diminuição do capital social em prejuízo de seus credores”. Esse entendimento não impediu que fosse redigido um parágrafo da primeira página e que merece integral transcrição:

O êxito das sociedades por ações se deve notadamente a dois fatores: limitação da responsabilidade dos seus sócios ao montante da parcela do capital que cada um subscrever e facilidade genérica da substituição deles por outras pessoas na sociedade que, indiferente aos seus componentes, prossegue tranqüilamente nas suas atividades empresarias. Esse segundo fator de êxito das sociedades consistente, digamos, na fungibilidade dos indivíduos que as formam; para facilitá-la é que se dividiu o capital em frações de pequeno valor e rigorosamente iguais. Aquilo que se aliena por menos tem mais probabilidade de encontrar adquirentes e, não divergindo entre si, as transações fazem-se em consideração à coisa e não em atenção ao seu dono; as operações efetuam-se objetiva e não subjetivamente; impessoalizam-se. Essas frações, isto é, as ações são negociadas tais como quaisquer outros bens no comércio”.

As liminares são produtos judiciários de uma situação emergencial e de crise de direitos e são emitidas na esperança de proteger a melhor pretensão, sendo que para as questões societárias o regime a ser aplicado é o mesmo que regula o deferimento ou rejeição das tutelas antecipadas (art. 273, do CPC) e das liminares das cautelares em geral (art. 798, do CPC), o que reclama análise do fumus boni iuris e do periculum in mora. O Tribunal prefere ajustar o estudo da matéria ao requisito da probabilidade ou expectativa favorável de ser anulado o negócio como pressuposto da decisão preventiva, porque é sempre emblemático (pelo rigor que dele decorre) exigir a verossimilhança da afirmada ineficácia da venda de ações como ponto de partida da razoabilidade da suspensão das consequências do ato jurídico.

A Turma Julgadora não se convenceu de uma das versões suscitadas nas defesas e que constam dos pareceres anexados, exatamente o argumento de que a venda da totalidade das cotas da Aleadri não está submetida ao regime da preferência consignada no estatuto da Schincariol, sociedade anônima de capital fechado (art. 5º): O § 4º diz: “Em sendo a SCHINCARIOL PARTICIPAÇÕES E REPRESENTAÇÕES S.A. uma sociedade anônima de capital fechado, nos termos do art. 36, da Lei 6404/76, a negociação das ações por ela emitidas fica limitada ao direito de preferência que é assegurado aos demais acionistas da empresa em igualdade de condições em relação aos terceiros, sob pena de nulidade”. Essa restrição não incide em operações com ascendentes ou descendentes ou para a empresa em que o cedente de forma direta ou indireta detenha o seu controle, sendo considerada nestas hipóteses, negociação lícita e livre (§ 6º, do mencionado art. 5º). O § 5º estipulou que os demais acionistas deverão ser esclarecidos sobre o propósito de alienação para que se manifestem em 30 dias e, ainda que não se pronunciem, deverão ser novamente notificados para conhecer a identidade dos cessionários para avaliação da idoneidade deles, reaberto o prazo para exercício do direito de preferência em igualdade de condições.

O que importa, nessa fase crucial do litígio, é analisar a finalidade da negociação e, sem dúvida alguma, pretendeu a sociedade estrangeira adquirir o controle da sociedade anônima e não as cotas da sociedade que detém a maioria do capital. Como afirmou ORLANDO GOMES “a alienação ou cessão do controle acionário é um negócio jurídico translativo do poder de comando de uma sociedade anônima, do governo de uma empresa, que, embora tenha por objeto algo de qualificação jurídica indecisa, contém o sinalagma característico dos contratos desse gênero, isto é, o pagamento de preço correlato à transferência da propriedade da coisa”
(“Alienação do controle acionário”, in Novíssimas Questões de Direito Civil, Saraiva, 1984, p. 59).

Anote-se que temática semelhante foi investigada pelo Professor ANTONIO JUNQUEIRA AZEVEDO (“Acordo de acionistas com cláusula de preferência na aquisição de ações”, in Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado, Saraiva, 2009, pg. 226), merecendo a seguinte observação:

Dadas as circunstâncias do caso concreto e examinando o conjunto das cláusulas contratuais, não pode haver dúvida de que a intenção consubstanciada nas cláusulas contratuais e entendida conforme a boa-fé contextual foi garantir que, na hipótese de Suzano ou Basell Brasil vir a ser controlada, direta ou indiretamente, qualquer que fosse o número de sociedades intermediárias, por sociedade estranha aos respectivos grupos econômicos, a parte remanescente teria o direito de adquirir as ações detidas pela outra na Polibrasil. A interpretação baseada tão-somente na literalidade da linguagem, no sentido de que o dever de ofertar as ações da Polibrasil somente existiria quando a alienação de controle fosse feita por um dos acionistas controladores expressamente mencionados na cláusula 12 do texto contratual, nega frontalmente a intenção a vontade comum das partes -, bem como tudo que resulta das circunstâncias boa-fé contextual -, frustrando o fim concreto da previsão contratual”.

Portanto e nessa fase preliminar, pensar em excluir o direito de preferência pelo subterfúgio empregado nas razões, seria o mesmo que reconhecer, de pronto, a legalidade de um artifício que teria sido engendrado para frustrar propósito comum e vinculativo, em nítida ofensa ao dever de conduta leal dos sócios. Descarta-se tal possibilidade, competindo o tema ser retomado quando do julgamento final.

A questão da preferência é incontroversa e não há como o direito de a autora exercê-lo. O que cabe discutir é se não foi a autora consultada e embora não exista um documento cabal confirmando ter Aleadri e os sócios transmitido todos dados necessários e obrigatórios da oferta a ser coberta, não parece crível a total ignorância da autora e dos sócios, primos dos demais, sobre o rumo dos acontecimentos e da identidade da interessada (sociedade estrangeira). Resulta que o objeto da lide não poderá ser resumido no simplista fundamento da ausência formal da prévia notificação, mas, sim, nos efeitos concretos do negócio consumado com a Kirin. Consultados os doutos, além daqueles que emitiram suas opiniões em pareces encomendados, verifica-se que há um dissenso sobre a questão da boa-fé objetiva que norteia o pacto de preferência entre sócios, destacando a posição de FÁBIO KONDER COMPARATO (“Restrições à circulação de ações em companhia fechada: nova et vetera”, in Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial, Forense, 1981, pgs. 32-51) e ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO (“Considerações sobre a boa-fé objetiva em acordo de acionistas com cláusula de preferência: excertos teóricos de dois pareceres”, in Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado, Saraiva, 2009, pgs. 123/135).

COMPARATO estuda o sentido da affectio societatis como valor da boa-fé e reconhece a limitação do direito de propriedade quando estabelecido o pacto de preferência, observando (ob. cit., p. 45): “Trata-se, antes, de proteger e reforçar os laços de comunhão societária, dando-se aplicação ao princípio da fidelidade e da perseguição do interesse comum (nostra res agitur), que exclui toda manobra tendente a descartar o direito de preempção, reconhecido aos sócios. Aqui, já não há poder arbitrário de alienar a qualquer preço, dado que a fixação de preço manifestamente superior ao valor venal da coisa pode representar uma maneira de fraudar a disposição estatutária ou a estipulação contratual que criou a preempção”.

A conclusão de COMPARATO é a seguinte (ob. cit. pg. 50):

Toda oferta de contrato supõe, para sua validade, que o ofertante tenha realmente intenção de contratar. Se o oblato desconhecia a ausência de vontade do proponente em concluir o negócio, admite-se, segundo o princípio da confiança, que a declaração de vontade seja obrigatória. Mas se a oferta de contrato é feita sem uma intenção séria de conclusão do negócio, o seu destinatário é fundado a pleitear o reconhecimento da invalidade ou ineficácia da proposta recebida, notadamente quanto ao prazo de aceitação da proposta pelo titular do direito de preferência A ausência de vontade de contratar pode ser reconhecida quando a oferta é feita em tais condições que a sua aceitação pelo oblato se revele, econômica ou praticamente, impossível, por razões de ordem objetiva, como a inequivalência patente das prestações, ou a falta de precisão sobre elementos fundamentais do negócio”.

Contudo e pelo que se observa da reflexão dos especialistas, a boa-fé objetiva que marca o acordo de acionistas deve valer para o interesse dos sócios e não especificamente para a sociedade, de modo que o propósito de lucro na transferência não configura ponto desprezível ou que se deva colocar como conduta censurável. O que se pretende afirmar é que o proceder dos cedentes não será analisado como se estivessem agindo contra os interesses sociais quando alienaram o controle com a transferência de mais de cinquenta por cento das ações da Schincariol, conforme pontuou o Professor ANTONIO JUNQUEIRA AZEVEDO (“Considerações sobre a boa-fé objetiva em acordo de acionistas com cláusula de preferência: excertos teóricos de dois pareceres”, in Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado, Saraiva, 2009, p. 135):

Além disso, até mesmo no contexto de um contrato de sociedade, é forçoso reconhecer que todos os interesses dos sócios, desde que derivados de seu status, são até certo ponto interesses sociais. Assim, a doutrina reconhece que, no sistema jurídico brasileiro, o interesse da companhia, ou interesse social stricto sensu, abrange 'qualquer interesse que diga respeito à causa do contrato de sociedade, seja o interesse à melhor eficiência da empresa, seja à maximização dos lucros, seja à maximização dos dividendos' (Erasmo Valladão de Azevedo e Novaes França, Conflito de interesses nas assembléias de S.A., Malheiros, São Paulo, 1993, p. 63; reforços gráficos nossos). Portanto, o interesse em obter o maior lucro possível na venda das ações deve ser reconhecido até mesmo como um interesse social e, também por isso, perfeitamente digno de tutela”.

Amparado nessas premissas chega-se ao momento culminante da sugestão de provimento do presente recurso, sendo pertinente uma pergunta: o negócio celebrado é nulo ou anulável e qual o resultado da conduta da autora, que não deposita o preço pago pela Kirin? Quem responde a primeira indagação é FÁBIO KONDER COMPARATO (sub título “A violação de cláusula de preferência, na transferência de cota social, e suas consequências jurídicas”, in Ensaios e pareceres de Direito Empresarial, Forense, 1978, p. 148):

Daí resulta que um negócio de cessão de cota efetuado em desacordo com uma cláusula de preferência, estipulada em contrato social, não é inválido; não é nulo nem anulável. Ele é simplesmente ineficaz em relação à sociedade. Os demais sócios não precisam pedir em juízo a desconstituição do que não lhes atinge, de forma alguma. Não cabe, no caso, qualquer ação constitutiva, mas, se se quiser, tão somente declaratória de ineficácia do ato, relativamente ao autor ou aos autores. Deve-se, no entanto, observar que os demais sócios, não atingidos pela cessão irregular, poderão prevalecer-se desse ato como oferta de venda, por parte do cedente, para o efeito de exercer seu direito de preferência (sic, Giuseppe Ferri, Le Societàm cit., p. 367)”.

A JADANGIL ingressou com a ação principal (105 laudas conforme consta do AgIn. 0217774-79.2011.8.26.0000, interposto por Adriano Schincariol e outro) e objetiva garantir a preferência mediante declaração (cláusula 5ª, § 5º, do estatuto), com a nulidade do negócio com base nos arts. 1002, 1003, 1057, do CC e 36 da Lei 6404/76, observando, quanto ao depósito, pretender “o pagamento de quantia compatível com o valor patrimonial dessas ações ou com o valor estabelecido em prova pericial ou em liquidação de setença, desconsiderando-se o sobrepreço oferecido pela co-ré Kirin” (item 6.3 da petição inicial).

A arguição de nulidade não implausível, embora não caiba ignorar que o negócio foi celebrado e está concretizado, irradiando efeitos positivos e concretos entre os celebrantes e a sociedade e nesse particular convém registrar que não ofensa ao interesse público, assim analisado o aspecto econômico, político ou moral na transferência do controle acionário. A oposição dos sócios, contudo, é uma incógnita diante da não cobertura do preço e da vontade de discutir o valor (possível ágio) em uma intrincada relação processual sem uma previsibilidade de resultado a médio prazo, o que é inadmissível em termos de dinâmica e interesses financeiros. A sociedade possui, sim, caráter familiar pelo seu histórico, embora os sócios, apesar de primos, não ostentem mais os predicados da proximidade e da convergência dos projetos comuns, tanto que é duvidosa a expectativa de que possam, de ora ora avante, restabelecerem simetria ou ajustes sociais solidários mais vantajosos em comparação com o trato que deverão ter com o grupo estrangeiro adquirente.

A questão da ausência do depósito deve ser encarada com uma atenção peculiar, porquanto sempre que o legislador admite a preferência, exige o depósito como requisito de procedibilidade da preempção, conforme art. 504, do CC: “Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência”. O próprio art. 515, do CC, estabelece: “Aquele que exerce a preferência está, sob pena de a perder, obrigado a pagar, em condições iguais, o preço encontrado, ou o ajustado”, sendo que o art. 33, da Lei do Inquilinato (n. 8245/91) também informa o seguinte: “O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos, ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no Cartório de Registro de Imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel”. O art. 92, § 4º, do Estatuto da Terra (Lei 4504/64) garante a preferência ao arrendatário na aquisição do imóvel arrendado, desde que deposite o preço.

A preferência instituída no estatuto da companhia é de natureza convencional e pessoal, de modo que somente ganha status de direito com o depósito do preço pago (e não o ajustado, porque não existe ajuste) e não há espaço para negociar condições diferentes ou variação do preço, porque cabe observar o preço ajustado, que significa aquele definido nas tratativas com terceiro interessado, independentemente do valor de mercado (PAULO LÔBO, Direito Civil Contratos, Saraiva, 2011, p. 258) e convém conferir o que foi esclarecido pelo Desembargador JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JÚNIOR (Compra e venda troca ou permuta, RT, 2005, p. 100):

O direito de prelação deve ser exercido objetiva e concretamente, como já foi dito atrás. Não basta ao preferente dizer que vai exercer o seu direito. Conhecendo as condições do negócio, ou seja, sabendo qual o preço e forma de pagamento com o que o bem vai ser vendido a gterceiro, o primitivo vendedor precisa pagar, ou depositar judicialmente, o valor encontrado para a nova venda. A forma de pagamento também precisa ser a mesma, ou muito semelhante, isto é, precisa ficar claro que o ora vendedor não vai sofrer qualquer desvantagem com a venda para o preferente. Tudo deve ser examinado com sensatez e em conformidade com o princípio da boa-fé e da probidade”.

Causa espécie não determinar o estatuto da Schincariol o critério de aferição do valor para exercício do direito de preferência, tendo em conta que essa é uma opinião comum ou como lembra CELSO BARBI FILHO (Acordo de acionistas, Del Rey, 1993, p. 121) ao comentar a opção de compra de ações: “Com relação especificamente ao preço, da mesma forma que no acordo de preferência, é admissível e conveniente a prefixação do critério de sua apuração, através, v.g., da cotação de bolsa, valor nominal, patrimonial etc”. RIPERT também advertiu que poderia a sociedade dispor que prevalece “un precio que será fijado cada año por la asamblea general”, anotando, contudo, que “la jurisprudencia decide que el derecho de prioridad puede ser ejercido unicamente mediante un justo precio, es decir um precio correspondiente al valor real de la acción” (Tratado elemental de Derecho Comercial, tradução de Felipe de Solá Cañizares, Buenos Aires, Editora Argentina, 1954, II, p. 364, § 1119).

Não soa razoável, na falta de estipulação e diante da certeza de pagamento do preço informado, que se especule com má-fé dos cedentes e do cessionário quanto a hipervalorização das ações que controlam a sociedade matriz, sendo preferível interpretar a falta de prévia estimação de um preço mínimo ou fora da realidade, que essa omissão encaminha para colocar o acionista vendedor em submissão ao arbítrio dos acionistas remanescentes que, com isso, trabalham com a suposta dúvida em benefício próprio. Na sessão de conferência de votos o ilustre Desembargador MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS lembrou que vários fatores influenciam na definição do preço corrente, inclusive o prêmio pelo controle acionário, sendo que tais interferências são dignas de análise para rejeitar, em princípio, a tese de fraude e foi unânime o entendimento de que a mera informação de que a parte é capaz de pagar o preço praticado não é suficiente, não ultrapassando o campo das alegações.

A autora da ação poderia exigir a execução específica (na forma do art. 466-B, do CPC) para obter as ações negociadas, desde que depositasse o preço e essa proposição foi admitida por especialista em processo civil (ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, “Atuação por via processual dos direitos decorrentes da nova lei das sociedades anônimas”, in A nova lei das sociedades anônimas, AASP, 1978, p. 71) e consta dos comentários de MESSINEO (Manual de Derecho Civil y Comercial, tradução de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1979, tomo V. p. 73, § 140). Ao preferir trilhar o caminho da discussão em ação de rito ordinário e perseguir a nulidade ou, subsidiariamente, a oferta por um preço a ser definido pela perícia e, ao assim agir, abriu ensejo para que o Judiciário aferisse qual a solução adequada para compor a emergência.

A liminar, a pretexto de salvaguadar um discutível direito de preferência (teórico) e que pretende ser exercido sem o seu mais acentuado componente de seriedade e disposição de adquirir as ações transmitidas (depósito do valor), construiu uma situação que favorece, única e exclusivamente, os interesses dos minoritários, constituindo um perigo para a instituição e para a segurança do negócio jurídico concretizado. O impasse provocado pela decisão em reexame poderá paralisar a administração, diante de não ser instantânea e ou natural a irreversibilidade de negócio envolvendo quantia vultosa, o que desestrutura a potencialidade administrativa, com inegável prejuízo para o desenvolvimento do objetivo social, prejudicando a sociedade e os contratantes. Isso significa que o juízo de ponderação que é necessário realizar na análise do cabimento da liminar acusa não ser razoável estagnar os planos sociais e das partes envolvidas para proteger um eventual direito de preferência que não foi exercido (total ou parcial) mediante depósito do preço.

O periculum in mora é inverso (obliquo) e convém revogar a liminar. O contrato possui eficácia e deverá produzir os seus efeitos enquanto se processa a ação, resguardados eventuais direitos indenizatórios a autora.

Isso posto, dá-se provimento para cassar a liminar, comunicando ao Juízo de 1º Grau e à JUCESP para os devidos fins.

ÊNIO ZULIANI

Relator

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