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Caducidade de marca registrada só tem efeitos para o futuro

A 2ª seção do STJ, ao dar provimento a embargos de divergência da empresa Lautrec Publicidade S/A e outros, entendeu que a caducidade de marca registrada, por falta de uso pelo titular, deve ter efeitos jurídicos a partir de sua declaração (ex nunc), em vez de efeitos retroativos (ex tunc). Ao definir a questão, a seção considerou que a fixação dos efeitos da caducidade para o futuro é a mais adequada à finalidade do registro de marcas, pois confere maior segurança jurídica aos agentes econômicos e desestimula a contrafação.

1/9/2011


Decisão

Caducidade de marca registrada só tem efeitos para o futuro

A 2ª seção do STJ, ao dar provimento a embargos de divergência da empresa Lautrec Publicidade S/A e outros, entendeu que a caducidade de marca registrada, por falta de uso pelo titular, deve ter efeitos jurídicos a partir de sua declaração (ex nunc), em vez de efeitos retroativos (ex tunc). Ao definir a questão, a seção considerou que a fixação dos efeitos da caducidade para o futuro é a mais adequada à finalidade do registro de marcas, pois confere maior segurança jurídica aos agentes econômicos e desestimula a contrafação.

A questão teve início com a ação de abstenção de uso da marca "Jogo do Milhão", proposta por Lautrec Publicidade S/A, Tomasella Administração e Participações Ltda. e Entertainment Produtction Group Brasil contra BF Utilidades Domésticas Ltda. e TV SBT Canal 4 de SP. O pedido incluía também indenização no valor que as autoras teriam recebido com a concessão do uso da marca.

A sentença julgou procedente o pedido para condenar as rés à abstenção do uso da denominação "O Jogo do Milhão" e imitação da marca "El Juego del Million", permitido o uso da denominação "O Show do Milhão". A sentença previa multa diária de R$ 200 mil e o pagamento de indenização em valor equivalente à remuneração que seria obtida pelas autoras com a concessão do uso. Houve apelação, mas o TJ/SP negou provimento.

O REsp dirigido ao STJ pela BF Utilidades Domésticas e pelo SBT (REsp 964.780 - clique aqui) foi provido pela 4ª turma, para a qual o Brasil adota o sistema declarativo de proteção de marcas e patentes, "que prioriza aquele que primeiro fez uso da marca, constituindo o registro no órgão competente mera presunção, que se aperfeiçoa pelo uso". A respeito da caducidade, a 4ª turma consignou que o detentor perderá o registro se, passados cinco anos de sua concessão, o uso da marca não tiver sido iniciado no país ou se o uso tiver sido interrompido por mais de cinco anos consecutivos, ou ainda se a marca tiver sido usada com modificação que a descaracterize.

A Lautrec e as outras empresas autoras da ação original interpuseram, então, embargos de divergência, afirmando que a decisão da 4ª turma diverge de entendimento adotado pela 3ª turma no REsp 330.175 (clique aqui). Nesse julgamento, sobre um caso do PR, a 3ª turma afirmou que, "tendo havido a contrafação durante o período em que vigia o registro, a ulterior declaração de caducidade não invalida o pedido de indenização". Por maioria, a 2ª seção deu provimento aos embargos de divergência.

Institutos distintos

A ministra Nancy Andrighi, relatora dos embargos, observou, inicialmente, que há uma distinção entre os institutos da nulidade e da caducidade. No primeiro, há vício a macular a concessão do registro desde seu início, tendo portanto efeitos retroativos, pois seria inviável manter válido algo que é nulo desde sempre. Na caducidade, a condição para manutenção do registro deixa de existir, devendo ter efeitos jurídicos somente a partir daí.

Segundo lembrou a relatora, a finalidade de um ato de registro é a produção de conhecimento para terceiros, razão por que o seu cancelamento só produz efeitos a partir de sua efetivação. Observou, ainda, que a caducidade não é automática, podendo ser afastada quando o titular volta a usar a marca mesmo após ter ocorrido a consumação do prazo de sua vigência. "A ausência de utilização da marca registrada não pode legitimar a contrafação, praticada no período de vigência do privilégio", explicou a ministra.

Para ela, os efeitos ex nunc da caducidade garantem a segurança dos agentes do comércio, responsáveis pelo desenvolvimento do país, pois, na hipótese contrária, no caso de um terceiro interessado se apropriar da marca, esse estará legitimado a pedir lucros cessantes em face de todos os antigos proprietários. Afirmou, ainda, que os efeitos ex tunc seriam como uma "espada de Dâmocles" sobre a cabeça dos agentes econômicos, esvaziando o propósito da lei, pois inspiraria a desconfiança generalizada no sistema de registro de marcas, inviabilizando-o.

O voto da relatora só não foi acompanhado pelo ministro Luis Felipe Salomão, que não conheceu dos embargos de divergência, por não ter visto similitude fática e jurídica entre os julgados confrontados. "Os embargos de divergência pressupõem a identidade da moldura fática e jurídica e a solução normativa diferente, sendo certo que, consoante relatado, tal identidade não ocorreu", asseverou.

Veja abaixo o acórdão.

__________

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 964.780 - SP (2010/0041638-4) (f)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

EMBARGANTE : LAUTREC PUBLICIDADE S/A E OUTROS

ADVOGADO : DANIEL FONSÊCA ROLLER E OUTRO(S)

EMBARGADO : BF UTILIDADES DOMÉSTICAS LTDA E OUTRO

ADVOGADOS : JEFERSON WADY SABBAG E OUTRO(S) LYCURGO LEITE NETO

EMENTA

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DESERÇÃO E AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL INOCORRENTES. CIVIL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. CADUCIDADE. EFEITOS PROSPECTIVOS (EX NUNC). FINALIDADE DA LEI.
1. O recolhimento de custas recursais por um dos litisconsortes ativos e necessários é suficiente para o afastamento da deserção, mormente quando o patrocínio da causa é conduzido pelos mesmos advogados. Precedentes.

2. O simples fato de não constar o nome de todos os litisconsortes no substabelecimento – outorgado pelo escritório de advocacia na origem a causídicos com atuação perante o STJ – não significa por si só defeito na representação processual, mas mero erro material. Havendo outros elementos a evidenciar comunhão de interesses ao longo da instrução, bem como a atuação conjunta dos representados em todos os atos do processo, a regularidade da representação é manifesta.

3. Denomina-se técnica de política judiciária a discussão sobre a direção – para frente (ex nunc) ou para trás (ex tunc) – e a extensão – limitada ou ilimitada – da atividade temporal dos efeitos de determinado instituto jurídico. Quando o legislador é silente acerca de sua definição, cabe ao Poder Judiciário preencher essa lacuna. Precedente do STF.

4. A nulidade do registro de marca industrial ocorre quando se reconhece a existência de determinado vício apto a macular a concessão do registro desde seu início. Quando for impossível manter a validade de algo nulo ab ovo, operam-se efeitos retroativos (ex tunc).

5. Já a caducidade do registro implica a declaração de determinada circunstância fática, que pode ser verificada pela inexistência de uso da marca desde seu registro ou pela interrupção do uso por prazo além do limite legal. Quando a condição para manutenção do registro deixa de existir, operam-se efeitos prospectivos (ex nunc).

6. A prospectividade dos efeitos da caducidade é a mais adequada à finalidade do registro industrial, pois confere maior segurança jurídica aos agentes econômicos e desestimula a contrafação.

7. Embargos de divergência acolhidos para prevalecer a orientação do REsp 330.175/PR, que reconhece efeitos prospectivos (ex nunc) da declaração de caducidade da marca industrial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora e dando provimento aos embargos de divergência, por maioria, dar provimento aos embargos de divergência, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, vencido o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão, que não conhecia dos embargos de divergência. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Maria Isabel Gallotti votaram com a Sra. Ministra Relatora. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira e Ricardo Villas Bôas Cueva (art. 162, § 2º, RISTJ). Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 10 de agosto de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO MASSAMI UYEDA

Presidente

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de embargos de divergência em recurso especial interpostos por LAUTREC PUBLICIDADE S/A, TOMASELLA ADM. PART. LTDA. e ENTERTAINMENT PRODUCTION GROUP BRASIL LTDA. contra acórdão proferido pela 4ª Turma do STJ.

Ação: de abstenção de uso de marca e indenização, ajuizada por

LAUTREC PUBLICIDADE S/A, TOMASELLA ADM. PART. LTDA. e ENTERTAINMENT PRODUCTION GROUP BRASIL LTDA. em face de BF UTILIDADES DOMÉSTICAS LTDA. TV SBT CANAL 4 DE S. PAULO S.A. (fls. 21/32).

Sentença: julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais para condenar as rés: (i) a absterem-se do uso da denominação “O Jogo do Milhão”; (ii) a absterem-se de imitar a marca “El Juego Del Million”, permitido o uso da denominação “O Show do Milhão”, sob pena de multa diária de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais); (iii) a pagar indenização em valor equivalente à remuneração que as autoras teriam obtido com a concessão do uso da marca (fls. 85/95).

Acórdão: o TJ/SP, por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação da autarquia recorrida (fls. 243/257). O acórdão foi assim ementado:

Prejudicial de caducidade da marca "Jogo do Milhão" - Afastada. SENTENÇA - Nulidade - Julgamento 'extra petita' - Inocorrência - Preliminar rejeitada. AGRAVO RETIDO - Recurso contra despacho sem cunho decisório - Despacho de mero expediente - Aplicação do art. 504 do CPC – Agravo não conhecido. PROPRIEDADE INDUSTRIAL - Uso indevido de marca de terceiros - Contrafação caracterizada - Abstenção do uso - Dever de indenizar - Sentença confirmada - Apelos não providos (fl. 244).

Recurso especial: interposto por B.F. UTILIDADES DOMÉSTICAS LTDA e TVSBT - CANAL 4 DE SÃO PAULO, foi provido pela 4ª Turma do STJ (REsp 964.780/SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJe de 24/9/2009):

PROPRIEDADE INTELECTUAL, INDUSTRIAL E PROCESSUAL CIVIL. MARCAS E PATENTES . "JUEGO DEL MILLION" X "JOGO DO MILHÃO". FATO SUPERVENIENTE. ART. 462 DO CPC. CADUCIDADE. ARTS. 142 E 143 DA LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. SISTEMA DECLARATIVO. CADUCIDADE. EFEITOS EX TUNC. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. Após a propositura da ação, se algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do litígio, compete ao magistrado apreciá-lo, até de ofício, no momento do julgamento (art. 462 do Código de Processo Civil).
2. O detentor da marca registrada perderá o registro, por caducidade, se a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse e decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil ou se o uso tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou, ainda, se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação, que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro (Lei de Propriedade Industrial, art. 143, incisos I e II).
3. Vige no Brasil o sistema declarativo de proteção de marcas e patentes, que prioriza aquele que primeiro fez uso da marca, constituindo o registro no órgão competente mera presunção, que se aperfeiçoa pelo uso. 4. Recurso especial conhecido e provido.

Embargos de divergência: foram interpostos por LAUTREC PUBLICIDADE S/A, TOMASELLA ADM. PART. LTDA. e ENTERTAINMENT PRODUCTION GROUP BRASIL LTDA. (fls. 534/550). A divergência que justificou a interposição do recurso se estabeleceu com precedente da 3ª Turma do STJ, exarado no julgamento do REsp 330.175/PR (Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 1/4/2002), assim ementado:

MARCA. ART. 459 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE CADUCIDADE. PRECEDENTES DA CORTE.
1. Não colhe a nulidade pleiteada em torno do art. 459, parágrafo único, do Código de Processo Civil diante da jurisprudência da Corte no sentido de que a "decretação de nulidade decorrente da inobservância da regra inserta no parágrafo único do art. 459, do CPC, depende de iniciativa do autor" (REsp n° 73.932/RJ, da minha relatoria, DJ de 16/02/98; REsp n° 49.445/SP, Relator o Senhor Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 13/03/95; REsp n° 56.566/MG, Relator o Senhor Ministro Costa Leite, DJ de 10/04/95).
2. Tendo havido a contrafação durante o período em que vigia o registro, a ulterior declaração de caducidade não invalida o pedido de indenização, havendo precedente da Corte que considera os efeitos da declaração de caducidade ex nunc (REsp n° 28.878/RJ, Relator o Senhor Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 08/6/98).
3. Os embargos de declaração apresentados em primeiro grau com o objetivo de, com adequada fundamentação, aclarar questões para o exame do Tribunal local não podem ser tidos como protelatórios, merecendo afastada a multa.
4. Recurso especial conhecido e provido, em parte.

Afirmam os embargantes que deve prevalecer o julgado paradigma sob risco de se esvaziar a garantia que o registro da marca confere ao seu titular, em especial, na busca de ressarcimento pela contrafação sofrida.

Admitidos os embargos de divergência (fl. 572), as embargadas apresentaram impugnação às fls. 577/589. Apontam preliminarmente: haver deserção do recurso, por irregularidade na representação das embargantes e na guia de recolhimento de custas; e carência de ação, pois a caducidade da marca implica extinção do direito à sua proteção. No mérito pugnam pela rejeição dos embargos.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

I - Delimitação da controvérsia

Cinge-se a lide a definir quais os efeitos do cancelamento de registro de marca industrial por ausência de uso – caducidade – nos termos do art. 142, III, da Lei n. 9.279/96.

II – Preliminares: deserção e carência de ação

A preliminar de deserção, fundamentada na irregularidade de representação e na ausência de recolhimento de custas, foi arguida pelas embargadas nos seguintes termos (fls. 578/580):

É de rigor a declaração de deserção dos Embargos de Divergência que ora se combate, na medida em que a Embargada (sic) Lautrec Publicidade S/A deixou de comprovar o recolhimento do preparo dos presentes Embargos, em seu próprio nome, como se pode verificar nos autos.
(...) verifica-se que a GRU referente ao valor do preparo dos Embargos foi paga pela empresa Tomasella Administração e Participação Ltda, cujo CNPJ é 40.364.655/0001-63 (...), e não pela Lautrec Publicidade S/A.
Entretanto, (sic) se constata às fls. 550, que o subscritor dos Embargos de Divergência, Dr Daniel Fonseca (...) na data da interposição deste Recurso (...) não estava habilitado nestes autos.
(...) Para regularizar a representação processual em 19/03/2009, através da Petição de fl. 520 (...), foi apresentado substabelecimento outorgando com reserva, (sic) aos Drs. Daniel Fonseca e Pedro Naves os poderes conferidos por LAUTREC PUBLICID (sic) (fl. 521) (...).
Desta forma, conclui-se que o recurso que ora se responde, (sic) fora interposto apenas por LAUTREC PUBLICIDAD vez que TOMASELLA ADMINISTRAÇÃO PARTICIPAÇÃO LTDA. e ENTERTEINMENT (sic) PRODUCTION GROUP BRASIL LTDA, (sic) não encontram-se (sic) representadas nestes Embargos!

Com relação ao substabelecimento de fls. 520/521, verifico que a ausência de referência às empresas brasileiras TOMASELLA ADM. PART. LTDA. e ENTERTAINMENT PRODUCTION GROUP BRASIL LTDA em conjunto à empresa argentina LAUTREC PUBLICIDADE S/A evidencia simples erro de digitação. Basta verificar nos autos que todas as empresas autoras são representadas em conjunto pelo mesmo escritório em São Paulo.

O substabelecimento ao escritório de Brasília evidentemente diz respeito às três empresas que litigam em litisconsórcio ativo necessário e decorrente da comunhão de direitos relativamente à lide (art. 46, I, do CPC). A empresa argentina é representada pelas duas empresas brasileiras para explorar o uso da marca “El Juego del Million” no Brasil, não se afigurando lógico que seus procuradores substabelecessem direitos apenas em relação a uma de suas clientes.

Com respeito à ausência de recolhimento de custas para cada uma das três litisconsortes unitárias, esta Corte Superior considera suficiente o recolhimento feito por apenas uma delas, sobretudo quando patrocinadas pelo mesmo causídico, o que torna descabida a alegada deserção (AgRg no REsp 294.530/RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 9/8/2004; REsp 154.509/SC, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 19/10/1998; REsp 142.996/SC, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 20/4/1998).

Já a preliminar de carência de ação sob o argumento de que a caducidade da marca implica extinção do direito à sua proteção se confunde com o mérito destes embargos, razão pela qual será oportunamente apreciada.

III – O fundamento do acórdão recorrido

No julgamento do recurso especial, a 4ª Turma do STJ posicionou-se no sentido de reconhecer como causa extintiva do direito das empresas autoras a perda do registro da marca “El Juego del Million” por caducidade, nos seguintes termos (sem destaques no original):

Após o julgamento da ação e antes do julgamento da apelação, os recorrentes informaram que os autores já não detinham mais a marca "EL JUEGO DEL MILLION", uma vez que o INPI teria declarado a caducidade do registro, com fulcro no art. 142, inciso III, da Lei n. 9.279/96 (...).
(...) Dessa forma, sendo os atos administrativos em questão extintivos dos direitos dos autores e constitutivos do direito dos réus, havia de se aplicar à espécie o art. 462 do Código de Processo Civil (...).
(...) Registre-se, por oportuno, que, no que tange ao sistema de proteção de marcas e patentes, vige no Brasil o sistema declarativo, que prioriza aquele que primeiro fez uso da marca, constituindo o registro no órgão competente mera presunção, que se aperfeiçoa pelo uso.
(...) Esta Corte Superior de Justiça já teve oportunidade de apreciar a questão, no julgamento do Recurso Especial n. 29.878/RJ, cuja relatoria coube ao eminente Ministro Cesar Asfor Rocha; na ocasião, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar atribuiu, em seu voto vencido, efeitos ex tunc ao ato administrativo declaratório da caducidade do registro de marca ou patente pelo seu não uso.
(...) Anote-se que, na mesma ocasião, expressou o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira filiação à tese de que opera efeitos ex tunc a declaração de caducidade de marca pelo não uso, ao entender que "não se deve prestigiar a inércia da parte" (trecho do voto no REsp n. 29.878/RJ), ressaltando, inclusive, que, como na espécie, o processo de cancelamento do registro veio a concretizar-se ainda no curso da causa (fls. 486-490).

O posicionamento da 4ª Turma, respaldada na jurisprudência do STJ, defende os efeitos retroativos (ex tunc) da caducidade do registro da marca com base nas seguintes premissas:

a) se o titular da marca nunca exerceu o direito de usá-la a ponto de perdê-la pela inação, o reconhecimento da caducidade é simples declaração de fato que se constitui ao longo do tempo;

b) a finalidade do registro é preservar o uso com exclusividade; se não há a utilização para a qual o registro é feito, desaparece o motivo de sua existência, não havendo razão para preservar direitos que nunca foram exercidos e, portanto, são despidos de significado social; não se deve prestigiar a inércia da parte;

c) inexiste contrafação se o fato contestado ocorre depois de iniciado o procedimento de cancelamento da marca no INPI.

IV – O acórdão paradigmático

As embargantes apontam precedente da 3ª Turma como paradigma apto a demonstrar a divergência na 2ª Seção.

Eis a ementa do julgado (sem destaques no original):

MARCA. ART. 459 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE CADUCIDADE. PRECEDENTES DA CORTE.
(...) Tendo havido a contrafação durante o período em que vigia o registro, a ulterior declaração de caducidade não invalida o pedido de indenização, havendo precedente da Corte que considera os efeitos da declaração de caducidade ex nunc (...).
(REsp 330.175/PR, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 1/4/2002)

A tese da 3ª Turma, com suporte na jurisprudência do STF, defende os efeitos prospectivos (ex nunc) da caducidade do registro da marca industrial com base nos seguintes fundamentos:

a) a ausência de utilização da marca registrada não pode legitimar a contrafação, praticada no período de vigência do privilégio;

b) a finalidade de um ato de registro é a produção de conhecimento para terceiros, razão por que o seu cancelamento só produz efeitos a partir de sua efetivação; e

c) a caducidade não é automática; ela pode ser afastada quando o titular volta a usar a marca mesmo após ter ocorrido a consumação do prazo de sua vigência.

V - A solução da controvérsia

A Lei 9.279/96 em seu art. 2º tem entre suas finalidades aliar o registro da marca comercial com a função social da propriedade e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Para isso é que se permite a cessão ou a licença da marca a terceiros, de modo a facilitar a circulação de riquezas, pois se trata de bem imaterial juridicamente tutelado (arts. 130 c/c 134 e 139 da Lei 9.279/96).

Embora seja muito razoável a tese da 4ª Turma, cuja orientação se dá pelo leading case de autoria do Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., entendo que há uma diferença entre os institutos da caducidade e da nulidade do registro de uma marca que é fundamental para se compreender o intuito do legislador.

Antes de se fazer essa distinção, devemos compreender a finalidade que se pretende conferir à compreensão da mens legis. Essa finalidade é denominada técnica de política judiciária. Ou seja: quando o legislador não optou por definir de forma explícita a atividade temporal de determinado instituto jurídico, cabe ao Poder Judiciário delimitar sua direção – para frente (ex nunc) ou para trás (ex tunc) – e sua extensão – limitada a um ponto no tempo ou ilimitada.

Essa técnica advém da jurisprudência da Corte Suprema dos Estados Unidos e foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.240/BA. Naquela situação, o STF – diante de uma situação fática consolidada no tempo (criação do Município Luis Eduardo Magalhães/BA) – debateu a atividade dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei estadual que formalizou o novo ente municipal. A precitada técnica foi esmiuçada no voto-vista do Min. Gilmar Mendes na seguinte passagem (fl. 315 do acórdão):

(...) a jurisprudência americana evoluiu para admitir, ao lado da decisão de inconstitucionalidade com efeitos retroativos amplos ou limitados (limited retrospectivity ), a superação prospectiva (prospective overruling ), que tanto pode ser limitada (limited prospectivity ), aplicável aos processos iniciados após a decisão, inclusive ao processo originário, como ilimitada (pure prospectivity ), que sequer se aplica ao processo que lhe deu origem.
Vê-se, pois, que o sistema difuso ou incidental mais tradicional do mundo passou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e, em casos determinados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro .

Uma vez compreendida a finalidade de se determinar a direção e a extensão da atividade temporal dos efeitos de determinado instituto jurídico, parte-se para a distinção entre o instituto da caducidade e da nulidade de um registro de marca industrial.

A nulidade ocorre quando se reconhece a existência de determinado vício apto a macular a concessão do registro desde seu início. Justamente por ser inviável a manutenção de algo válido por ser nulo ab ovo é que se operam os efeitos retroativos.

A caducidade implica a declaração de determinada circunstância fática, que pode ser: (i) de inexistência de uso, gozo ou fruição do sinal desde seu registro; ou (ii) de interrupção do exercício de qualquer um daqueles poderes por prazo superior ao limite fixado na lei. Quando a condição para manutenção do registro deixa de existir, operam-se efeitos prospectivos.

Essa distinção faz muito sentido quando se analisa a evolução da legislação brasileira sobre marca industrial. A Lei de Propriedade Industrial, de 1996, retirou da caducidade sua conotação de matéria de interesse público ao suprimir a possibilidade de o INPI instaurar de ofício o procedimento de sua averiguação, procedimento que era presente na LPI de 1971.

Nesse sentido importa registrar o entendimento da Procuradoria Federal do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que foi normatizado a partir do Parecer INPI/PROC/CJCONS/Nº 2/10 e publicado na Revista Eletrônica da Propriedade Industrial 2.091, de 1º.2.2011, cujo trecho se transcreve:

(...) a caducidade se reveste de natureza diversa, a começar pela constatação de que a discussão, na espécie, se cinge não às condições da constituição do direito em si (que é o de excluir terceiros do uso da marca), mas da sua manutenção, se inobservada a condição erigida pelo legislador como para tanto imprescindível, e que reside no uso do sinal.
(...) O registro é, portanto - ao menos por princípio, naturalmente -, válido. O que há é a denúncia de que a marca dele objeto não estaria sendo usada, fato a ser investigado mediante o competente processo apuratório (e que implica, inclusive, excepcionalmente, a inversão do ônus da prova, atribuída ao titular do registro), sabendo-se que tal denúncia é, no mais das vezes, apresentada por interessados na utilização do signo, que, não usado, não está cumprindo a sua função e nem justificando a proteção conferida pelo Estado (§§ 16 e 17 do parecer, p. 16. Disponível em https://revista.inpi.gov.br/INPI_UPLOAD/Revistas/marcas2091 .pdf. Acesso em 29.4.2011).

Diante dessas premissas, a direção temporal dos efeitos da caducidade mais adequada à finalidade do registro industrial é – sem dúvidas – a prospectividade (ex nunc).

Primeiro, porque os agentes do comércio – que são responsáveis pelo desenvolvimento econômico do país – precisam de segurança para realizar seus negócios.

Veja-se a seguinte situação: se uma marca for cedida/licenciada a diversas empresas em cadeia sucessória e a última cessionária/licenciada não exerce qualquer dos poderes inerentes à propriedade da marca, temos uma situação que coloca termo à circulação de riquezas.

Porém – se entendermos que os efeitos da caducidade são ex tunc – na hipótese de um terceiro interessado se apropriar daquela marca, esse estará legitimado a pedir lucros cessantes em face de todos os antigos proprietários.

Consectário disso seria o início de uma reação em cadeia de ações de regresso até que o penúltimo prejudicado pela inércia consiga cobrar do último o prejuízo decorrente da abstenção de uso, gozo ou fruição do sinal industrial.

A vingar esse entendimento não é necessário muito esforço para concluir que o registro de marcas e patentes – ao invés de oferecer segurança jurídica ao seu proprietário e eventuais cessionários/licenciados – demonstra um risco ad eternum para quem se aventurar a adquirir direitos sobre propriedade imaterial.

Essa perene espada de Damocles sobre a cabeça dos agentes econômicos esvaziaria o propósito da lei, pois inspiraria a desconfiança generalizada no sistema de registro de marcas industriais, inviabilizando-o.

Ademais, não há sentido em penalizar o proprietário de uma marca – por não exercer seu direito de uso, gozo e fruição no prazo legal – além da sanção já prevista nos arts. 142, III, e 143, I, da Lei 9.279/96. A caducidade por si só já é a punição máxima que todo proprietário de uma marca pode sofrer: ele praticamente é desapropriado pelo decurso do tempo ou – em outras palavras – tem sua propriedade usucapida às avessas. É por essa razão que a lei presume seu prejuízo quando não exerce qualquer um dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.228 do CC). Exemplo disso ocorre na apuração dos lucros cessantes decorrentes de uso indevido de sua marca. Os parâmetros do cálculo da indenização são: (i) os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; (ii) os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou (iii) a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse explorar o bem em conformidade com a lei (art. 210 da Lei 9.279/96).

Partindo-se dessas premissas é que considero o posicionamento da 3ª Turma mais adequado à finalidade da legislação sobre propriedade industrial.

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO aos embargos de divergência, para que prevaleça a orientação seguida por esta Corte por ocasião do julgamento do REsp 330.175/PR, no sentido de reconhecer os efeitos prospectivos (ex nunc) da declaração de caducidade da marca industrial.

Clique aqui e veja o voto-vista do ministro Luis Felipe Salomão.

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