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TJ/RS - Jornal terá de indenizar por causar dano moral com crônica depreciativa

O 5º grupo Cível do TJ/RS, ao julgar embargos infringentes interpostos pelo jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul/RS, manteve decisão da 9ª câmara Cível do Tribunal, condenando o veículo ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 4 mil. A ação foi proposta por mulher que, com o marido, serviu de personagem para crônica jornalística publicada pelo jornal.

7/7/2011


Imprensa

TJ/RS - Jornal terá de indenizar por causar dano moral com crônica depreciativa

O 5º grupo Cível do TJ/RS, ao julgar embargos infringentes interpostos pelo jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul/RS, manteve decisão da 9ª câmara Cível do Tribunal, condenando o veículo ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 4 mil. A ação foi proposta por mulher que, com o marido, serviu de personagem para crônica jornalística publicada pelo jornal.

Crônica

Na edição do dia 28/3/08 foi publicada crônica assinada pelo jornalista Jansle Appel Júnior sob o título "A fura bola". No texto, o profissional faz referências à raça e origem da autora e de seu marido, já falecido. Entre outras passagens, descreve o homem como azul de tão preto e afirma que caminhava rengo, falava devagar.

Ela é descrita como uma negrona alta, redonda, larga, sendo que a bola sumia debaixo do braço gordo da mulher do Sarará, apelido do falecido. Ainda segundo o texto, na casa sem muro em que vivia o casal, a criatura mais amistosa era um cão atado a uma corrente que ia quase até a rua. Por fim, o autor afirma: Sempre pensei na mulher do Sarará como uma fura-bola, criminosa, assassina do bom e velho futebol de rua.

Em razão dessas considerações, que no conjunto do texto permitiram a identificação dos personagens, a mulher ingressou com ação de indenização por dano moral sentindo-se exposta, agredida e depreciada.

Apelação

Em primeira instância, no juízo de Santa Cruz do Sul o pedido foi julgado improcedente. Inconformada, a autora recorreu ao TJ. No Tribunal o recurso foi julgado procedente pela 9ª câmara Cível, que entendeu estar configurado o ato ilícito e concedeu, por maioria, a reparação por dano moral no valor de R$ 4 mil, corrigidos monetariamente.

Inconformado com a decisão, o veículo de comunicação ingressou com embargos infringentes, sustentando que a publicação não violou qualquer direito individual e argumentando ser vedada censura de natureza artística no meio jornalístico. Defendeu ainda que a procedência do pedido infringe a responsabilidade, a seriedade, o exercício regular do direito, a legislação, a jurisprudência, além de permitir o enriquecimento ilícito.

Embargos

No entendimento do desembargador Ivan Balson Araújo, relator do acórdão, a simples leitura do texto jornalístico demonstra a prática de ato ilícito pela demandada, consubstanciando na infração ao princípio nenimem laedere (não lesar, não prejudicar, a ninguém ofender), o qual orienta os arts. 186 e 927 do CC e toda a teoria da responsabilidade civil, havendo dever de reparar.

Nesse sentido, o relator reproduziu trechos do voto do relator da apelação, desembargador Tasso Caubi Soares Delabary: "Não obstante se trate de uma abordagem nostálgica do passado, onde o cronista retorna à infância, ainda assim o texto foi ilustrado com personagens verdadeiros, uma vez que nele ficou identificado tanto a esposa quanto seu falecido esposo", diz voto.

"Houve agressividade na utilização das expressões pelo jornalista, tendo sido a recorrente exposta, além de tratada de forma depreciativa, havendo conotação discriminatória na forma como foram usadas as palavras pelo jornalista direcionadas à apelante e ao seu esposo, acrescenta. Saliento que o problema não está na utilização das expressões que compõem a crônica, mas no fato de que o jornalista escreveu de forma que acabou identificando e apontando os personagens que, necessariamente, deveriam ser fictícios, tornando-se possível a identificação do casal. Disso, portanto, resulta a ofensa moral", completou o desembargador Tasso.

Ao julgar os embargos infringentes, o desembargador Ivan Balson Araujo observou, ainda, que no caso concreto, individualizados os personagens e evidenciado o excesso na linguagem utilizada na crônica jornalística, devem ser mitigadas as garantias constitucionais do direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX, e art. 220, §§ 1º e 2º, da CF/88 - clique aqui) em detrimento do direito fundamental à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, restando configurado o dano moral, a teor do disposto no art. 5º, inciso X, CF/88.

Desacolheram os embargos, por maioria, além do relator, os dembargadores Tasso Caubi Soares Delabary, Iris Helena Medeiros Nogueira, Marilene Bonzanini, Paulo Roberto Lessa Franz e Túlio Martins. Vencido o desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, revisor.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

_________

EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL. CRÔNICA JORNALÍSTICA. CONTEÚDO OFENSIVO. DANO EXTRAPATRIMONIAL CONFIGURADO. No caso concreto, individualizados os personagens e evidenciado o excesso na linguagem utilizada na crônica jornalística, devem ser mitigadas as garantias constitucionais do direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX, e art. 220, §§ 1º e 2º, da CF) em detrimento do direito fundamental à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, restando configurado o dano moral, a teor do disposto no art. 5º, X, CF. Presença, in casu, de nexo causal entre a conduta da parte demandada e o prejuízo sofrido pela autora. Por outro lado, desnecessária a prova de prejuízo concreto, sendo suficiente a demonstração da existência do ato ilícito, causador de violação ao patrimônio moral do indivíduo. Dever de indenizar reconhecido.
QUANTUM INDENIZATÓRIO. O valor da indenização fixado no voto vencedor mostra-se adequado e atende aos objetivos da compensação do dano e o caráter pedagógico, levando em conta, ainda, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
PREQUESTIONAMENTO. O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido pelas razões de decidir.

EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA.

EMBARGOS INFRINGENTES

QUINTO GRUPO CÍVEL

Nº 70042578823

COMARCA DE SANTA CRUZ DO SUL

GAZETA DO SUL S.A.

EMBARGANTE

S. D. S.

EMBARGADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes do Quinto Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em desacolher os embargos infringentes, vencido o Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE E REVISOR), DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, DESA. MARILENE BONZANINI, DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY E DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS.

Porto Alegre, 17 de junho de 2011.

DES. IVAN BALSON ARAUJO,

Relator.

RELATÓRIO

DES. IVAN BALSON ARAUJO (RELATOR)

GAZETA DO SUL S.A. opôs embargos infringentes em face do acórdão de fls. 76/88 que, por maioria de votos, deu provimento ao apelo da autora S.D.S., deferindo-lhe indenização por reconhecidos danos morais decorrentes de excessos de linguagem cometidos por autor de crônica jornalística, resultando o aresto assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CRÔNICA JORNALÍSTICA. CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL CONFIGURADO.
A crônica como gênero literário apresenta a visão do cronista que pode constituir de ficção ou de fato real. Na medida em que a crônica retrata fato real e o cronista excede na linguagem fica suscetível a responsabilização. Hipótese em que está configurado o ato ilícito, a ensejar reparação por dano moral, uma vez que o cronista, ao retornar à infância, numa abordagem nostálgica do passado, ilustrou o texto com personagens verdadeiros, valendo-se de expressões, em que a autora foi exposta, além do que tratada de forma depreciativa, havendo uma conotação discriminatória no modo como foram utilizadas as palavras não só em relação à autora como também ao seu falecido marido. Dever de indenizar pelo conteúdo ofensivo à honra da autora.
APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA.

Em suas razões (fls. 94/112), sustenta a demandada e embargante, em síntese, não ter havido violação a qualquer direito individual na publicação veiculada. Argumentou ser vedada censura de natureza artística no meio jornalístico. Defendeu que a procedência do pedido infringe a responsabilidade, a seriedade, o exercício regular do direito, a legislação, a jurisprudência, além de permitir o enriquecimento ilícito. Ademais, embora entenda prejudicada a análise do pedido de dano moral, sustentou que a eventual fixação do pleito deverá guardar substancial grau de coerência, pois inadmissível montante exorbitante. Postulou o conhecimento dos embargos infringentes e seu acolhimento, prequestionando, por fim, a matéria ventilada.

Apresentadas contrarrazões (fls. 117/119), os embargos infringentes foram recebidos (fl. 122), vindo conclusos para julgamento.

Registro, por fim, que foi observado o previsto nos arts. 549, 551 e 552, do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

DES. IVAN BALSON ARAUJO (RELATOR)

Eminentes colegas.

Trata-se de ação indenizatória em decorrência de crônica publicada pelo jornal Gazeta do Sul, edição de 28.03.2008, sob o título “A Fura Bola”, de autoria do jornalista Jansle Appel Júnior, sob o argumento de que teriam sido feitas referências ofensivas à autora e a seu falecido marido.

Em sua peça de defesa, a ré disse ser empresa conhecida por editar o jornal Gazeta do Sul, com circulação em toda região dos vales do Taquari e de Rio Pardo. Dentre suas atribuições, veicula notícias sobre acontecimentos e crônicas jornalísticas de cunho meramente reflexivo ou crítico. Na sua concepção, a matéria jornalística abordou de forma nostálgica alguns aspectos relativos à infância do jornalista, sendo o texto ilustrado com fatos e personagens absolutamente fictícios. Assegurou que o texto faz aplicação da chamada licença-poética, a qual consiste no uso de elementos fantasiosos, não condizentes com a realidade, para a construção de personagem ou situação.

Pois bem, é inegável que, em geral, o conteúdo e eventuais adjetivos utilizados pelo cronista não passam de uma abordagem sobre a literatura, teatro, política, acidentes, crimes, processos ou pequenos fatos da vida cotidiana.

Todavia, quando a crônica vale-se de um personagem real, incapaz pela sua formação de entender além de palavras soltas, pode, ao contrário do esperado, ter efeito desabonador.

No caso em evidência, a embargada se sentiu verdadeiramente ofendida com algumas passagens da crônica, no pertinente à sua raça e origem, em especial aquelas em que descreveu seu falecido marido como “era azul de tão preto [...] Caminhava meio rengo, falava devagar”, descrevendo a autora, ainda, como “uma negrona alta, redonda, larga”, sendo que “a bola sumia debaixo do braço gordo da mulher do Sabará”. Segundo o texto literário, ademais, “Lá a criatura mais amistosa era um cão atado a uma corrente que ia quase até a rua”. Por fim, manifestou o editor e repórter que “sempre pensei na mulher do Sabará como uma fura-bola, criminosa, assassina do bom e velho futebol de rua”.

Como se observa, a simples leitura da matéria jornalística acostada à fl. 15 demonstra a prática de ato ilícito pela demandada, consubstanciado na infração ao princípio nenimem laedere, o qual orienta os artigos 186 e 927 do Código Civil e toda a teoria da responsabilidade civil.

Nesses termos, com a mais respeitosa vênia ao entendimento exposto no voto vencido, acompanho a maioria, passando a transcrever os argumentos exarados pelo eminente Relator, Desembargador Tasso Caubi Soares Delabaty, a fim de evitar tautologia, verbis:

“A ação objetiva indenização em decorrência de crônica jornalística, publicada pelo jornal demandado, edição de 28.3.2008, sob título “A fura-bola”, de autoria do jornalista Jansle Appel Júnior, a qual teria ofendido a honra da autora.
Por primeiro, destaco que não se faz necessária a produção da prova testemunhal, como sustenta a recorrente; ocorre que os elementos existentes nos autos são suficientes para elucidar a questão, sendo possível fazer uma avaliação da prova carreada para chegar ao veredicto final.
De outro lado, cabe consignar que para equacionar a controvérsia não há como deixar de registrar a lição de Robert Alexy , em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, na medida em que se apóia, essencialmente, na aplicação da proporcionalidade, com o método da ponderação, o qual leva em conta o grau de importância das conseqüências jurídicas de ambos os direitos em colisão: se a importância da satisfação de um direito fundamental justifica a não-satisfação do outro.
Diante disso, a solução do caso sub judice reside numa ponderação entre dois princípios: o direito de informação da imprensa e o direito à intimidade, à honra e à imagem da pessoa, ambos garantidos constitucionalmente, que se postam em aparente conflito, porém, a bem de harmonizá-los, já que não existe formalmente antinomia entre preceitos constitucionais, utiliza-se o princípio da proporcionalidade, consoante bem leciona o ilustre doutrinador da responsabilidade civil Sérgio Cavalieri Filho:
“Com efeito, ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (arts. 5º, IX, e 220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X do seu art. 5º, dispõe que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’. Isso evidencia, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do princípio da unidade constitucional, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém; deve o intérprete procurar as recíprocas implicações de preceitos até chegar a uma vontade unitária na Constituição, a fim de evitar contradições, antagonismos e antinomias .
“[...]
“Os nossos melhores constitucionalistas, baseados na jurisprudência da Suprema Corte Alemã, indicam o princípio da proporcionalidade como sendo o meio mais adequado para se solucionar eventuais conflitos entre a liberdade de comunicação e os direitos de personalidade.”
Igualmente, Rui Stoco, em seu consagrado Tratado da Responsabilidade Civil, segue a mesma orientação sobre o tema:
“A manifestação do pensamento e a liberdade de imprensa, embora asseguradas e resguardadas pela Constituição Federal, poderão sofrer limitações em circunstâncias excepcionais.
“[...]
“Mas, como se fosse outra face da mesma moeda, essa Carta de Princípios também assegura a inviolabilidade da liberdade de consciência (inciso VI), a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença (inciso IX) e a liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV).
“Essa proteção e liberdades constituem garantias fundamentais do cidadão e direitos irretiráveis, posto que considerados como cláusulas pétreas pela própria Constituição Federal.
“Portanto, de um lado, afirma e protege o direito de personalidade e, de outro, a liberdade de expressão, de manifestação do pensamento e de comunicação sem que se possa disso inferir contradição lógica ou conflito de preceitos de ordem constitucional.
“[...]“
É a relatividade desses direitos que estabelece o ponto de equilíbrio e estabelece as balizas e limites além dos quais se ingressa no campo do abuso do poder, convertendo o ato legítimo no antecedente em ilegítimo no conseqüente pelo desbordamento do seu exercício, ingressando-se, a partir de então, no campo da responsabilidade penal ou civil e nascendo, então, a obrigação de reparar e o direito de obter essa reparação.”
E arremata Antônio Jeová Santos acerca da necessidade de investigação das peculiaridades de cada caso em concreto:
“É certo que a liberdade de manifestação do pensamento deve ser revestida daquela preferência, para manutenção do próprio regime democrático. [...] A colisão que ocorre entre o direito à honra e a liberdade de manifestação do pensamento deve ser resolvida à luz do caso concreto. Até que ponto a notícia era verdadeira e ficou circunscrita à informação, sem o baldão que enxovalha ou que causa enorme prejuízo à honra das pessoas.”

Assim, com a devida vênia ao entendimento do juízo a quo, que desacolheu a pretensão inicial, tenho que a crônica jornalística sob título “A fura-bola”, cujo texto consta do exemplar juntado à fl. 15, tem conteúdo ofensivo; é que o jornalista individualiza os personagens na crônica, e passa a descrevê-los de modo agressivo, pois se referiu ao Sabará, que era o apelido do marido (falecido) da autora, dizendo que ele “era azul de tão preto. [...] Um preto, azul de tão preto”; e à própria demandante, utilizando os adjetivos de que ela era ‘Uma negrona alta, redonda, larga”, e, mais, que sempre pensou “na mulher do Sabará com uma fura-bola, criminosa, assassina do bom e velho futebol de rua”.
Ainda, para uma melhor compreensão com o objetivo de demonstrar a referência desabonatória à autora e ao seu falecido marido, destaco parte do trecho da referida crônica, na qual estão inseridas as expressões antes mencionadas:

Lá perto de casa morava o Sabará, numa alvenaria de esquina sem muro. Era azul de tão preto. (grifo meu) Caminhava meio rengo, falava devagar. A boca debaixo daquele bigode ralo abria pouco. Pouco mais que os olhos, que viviam meio fechados. Nesse ponto o Sabará parecia um japonês. Um preto, azul de tão preto (grifo meu), com olho de japonês. E era gente boa.
O problema sempre foi a mulher do Sabará. Uma negrona alta, redonda, larga. (grifo meu) Nunca cheguei a perguntar o nome daquele monumento de ébano. Até porque nunca me atrevi a chegar muito perto. Nem eu, nem a gurizada que jogava bola na rua, na frente da casa do Alemão, amigo de longa data.
Pra azar nosso, o Alemão morava bem na frente do Sabará. E a bola, medonha, insistia em entrar no pátio daquela casa de esquina sem muro.
[...]
Lá a criatura mais amistosa era um cão atado a uma corrente que ia quase até a rua. [...] Sendo assim, buscar a pelota sempre foi um desafio.
[...]
A bola sumia debaixo do braço gordo da mulher do Sabará.
[...]
Eu, contudo, sempre pensei na mulher do Sabará com uma fura-bola, criminosa, assassina do bom e velho futebol de rua – [...]

Em vista disso, entendo que o demandado se valeu de expressões ofensivas à moral da apelante.
E, não obstante se trate de uma abordagem nostálgica do passado, onde o cronista retorna à infância, ainda assim o texto foi ilustrado com personagens verdadeiros, uma vez que nele ficou identificada tanto a autora quanto seu falecido esposo.
Houve agressividade na utilização das expressões pelo jornalista, tendo sido a recorrente exposta, além do que tratada de forma depreciativa, havendo uma conotação discriminatória na forma como foram utilizadas as palavras pelo jornalista, direcionadas à apelante e ao seu esposo (falecido).
Saliento que o problema não está na utilização das expressões que compõem a crônica, que, por sinal, foi muito bem escrita; mas, sim, no fato de que o jornalista escreveu de modo que ele acabou identificando e apontando os personagens que, necessariamente, deveriam ser fictícios. O jornalista particularizou os personagens utilizados na crônica, tornando-se possível a identificação do casal. Disso, portanto, resulta a ofensa moral.
O cronista pode exercer a livre manifestação do pensamento, mas a sua atuação deve ser realizada com respeito, educação e responsabilidade, sem excessos, não maculando a honra das pessoas, como no caso a da autora.
A propósito dessa questão, cabe citar decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, cuja ementa é a seguinte:

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – CRÔNICA – HONRA SUBJETIVA – DANO MORAL – CRITÉRIO DO ARBITRAMENTO – A imprensa que não busca o consentimento prévio da pessoa que serviu de personagem à crônica que publicou, assume o risco pelo resultado da sua negligência. A ofensa à honra está diretamente relacionada à vulnerabilidade cultural do ofendido.
(Apelação Cível n.º 1.0281.02.001889-7/001, Comarca de Guapé, Relator Des. Fábio Maia Viani, j. em 09.06.2009).

Do corpo do julgamento, extrai-se o seguinte:

[...]
É inegável que a crônica (fl. 8) não possui, no geral, natureza ofensiva. Os adjetivos utilizados pelo escritor, no contexto das letras, não passam de um levante contra a histórica desigualdade social determinada pela raça, pela condição econômica, pela formação cultural, etc..
Ocorre, porém, que quando semelhante crônica vale-se de um personagem real, incapaz, pela sua formação, de entender além de palavras soltas, pode, ao contrário do esperado, ter efeito desabonador.
Tal como ocorreu na hipótese, em que o apelado se sentiu verdadeiramente ofendido com algumas passagens da crônica, em especial aquelas que o descrevia como “pretinho” e “pobre”.
Por isso, caberia à apelante, antes de publicar o texto, dar ciência ao apelado/personagem do real sentido da crônica, tomando-lhe a autorização.
Se assim não agiu, é porque preferiu correr o risco pelo resultado danoso da sua negligência. E aquele que, mesmo agindo com culpa, comete ato ilícito, fica obrigado a reparar eventual dano dele decorrente (CC, arts. 186 e 927).

Configurado, pois, o ato ilícito, que merece reparação civil.
Diante disso, inarredável o dever de indenizar, pois no caso os danos morais decorrem de per si do fato de a autora ter sido ofendida na sua honra. É o que a doutrina e a jurisprudência convencionaram chamar de dano moral in re ipsa.
Conforme preleciona Sérgio Cavalieri Filho a esse respeito:

“Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.
Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe ‘in re ipsa’; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ‘ipso facto’ está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção ‘hominis’ ou ‘facti’, que decorre das regras de experiência comum.” (Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 100/101).

Nesse sentido a jurisprudência desta Corte:

Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais. Matéria jornalística. A notícia veiculada em jornal que ultrapassa os limites de divulgação, da informação, da expressão de opinião e livre discussão dos fatos, atinge a honra da pessoa, sendo passível de reparação de ordem moral. O dano moral deve ser fixado, considerando a necessidade de punir o ofensor e evitar que repita seu comportamento, devendo se levar em conta o caráter punitivo da medida, a condição social e econômica do lesado e a repercussão do dano. Juros de mora. Termo inicial inalterado. Manutenção dos honorários advocatícios. Impossibilidade de compensação da verba indenizatória. Recursos desprovidos (Apelação Cível Nº 70037572682, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 09/12/2010).

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PUBLICAÇÃO DE REPORTAGEM EM JORNAL IMPUTANDO FATO CRIMINOSO AO AUTOR. FATO NÃO VERÍDICO. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. ‘QUANTUM’. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A reportagem publicada no jornal da ré, ao imputar fato criminoso inverídico ao autor - prisão por posse de drogas - extrapolou os limites da liberdade de expressão. Atuação ilícita da empresa jornalística, que deveria ter obrado com cuidado ao publicar matéria a respeito de suposta prática de crime, cabendo-lhe averiguar os fatos e saber da qualidade de quem estava lhe passando as informações. 2. Presentes os pressupostos da obrigação de indenizar. Evidente se mostra a ocorrência de dano moral diante da falsa imputação de crime em notícia jornalística. Trata-se de dano ‘in re ipsa’, que resta evidenciado pelas circunstâncias do fato. [...] DERAM PROVIMENTO PARCIAL A AMBOS OS APELOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70021332168, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 19/12/2007).

Estabelecida a obrigação de indenizar, passo à análise da fixação da verba reparatória.
Importa frisar, no ponto, que a reparação por dano moral está relacionada à reprovabilidade do ato que ensejou a demanda indenizatória e, do mesmo modo, à conseqüência do mesmo frente à vítima. Não se considera, para tanto, a repercussão material do incidente.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consagra a tríplice função dos critérios para a fixação do valor de indenização a título de dano moral.
Senão vejamos:

“Processual Civil. Dissídio jurisprudencial. Majoração do quantum indenizatório. Desnecessidade. Verba ressarcitória fixada com moderação.
I - A indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e outros membros da sociedade a cometerem atos dessa natureza.
II - É entendimento deste Tribunal que o valor do dano moral deve ser fixado com moderação, considerando a realidade de cada caso, cabível a intervenção da Corte quando exagerado ou ínfimo, absurdo, fugindo de qualquer parâmetro razoável, o que não ocorre neste feito.
III - Agravo regimental a que se nega provimento.”
(STJ-4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, AgRg no AG 2004/0055794-8, DJU 18.04.2005, p. 314).

Assim, objetiva-se que um bem patrimonial recompense, de certa maneira, o sofrimento do ofendido.
É importante considerar, também, a necessidade de impor uma pena ao causador do prejuízo, de forma que a impunidade não sirva de estímulo para novas infrações, seja por este agressor ou por outros membros da sociedade. Daí surgem as funções reparatória, punitiva e pedagógica da indenização pelo prejuízo imaterial.
Considerando-se as aludidas finalidades, deverá ser considerado, para a delimitação do montante reparatório, a situação econômica das partes litigantes, a gravidade da conduta do autor do fato e o quanto ela repercutiu na vida da vítima.
Os referidos critérios encontram-se, aliás, bem delimitados na jurisprudência. Isso porque não existe norma em sentido estrito que indique, de forma objetiva, como fixar a indenização por prejuízo imaterial, a qual ocorre pelo prudente e razoável arbítrio do magistrado.

Nesse diapasão, o posicionamento desta Corte:

“[...] Ao atribuir-se valor ao dano moral, deve-se ter em conta o princípio da razoabilidade, segundo o qual o valor indenizatório não pode implicar em enriquecimento sem causa do devedor, mas também não pode resultar em quantia que não represente uma efetiva sanção a quem deu causa à indenização. [...]”
(Apelação Cível nº 70010653723, Décima Quinta Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel, j. em 20.04.2005).
“[...] Dano moral. ‘Quantum’ da indenização. Critérios de fixação. [...] A compensação pelo dano moral tem a finalidade de reparar, dentro do possível, o dano infligido à vitima, ao mesmo tempo servindo de freio, de elemento inibidor e de sanção ao autor do ato ilícito. [...]”
(Apelação Cível nº 70010510402, Décima Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. Paulo Antônio Kretzmann, j. em 31.03.2005).

Destarte, observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como a natureza jurídica da condenação e os parâmetros adotados por esta Câmara em casos semelhantes ao dos autos, fixo a recomposição em R$ 4.000,00 (quatro mil reais).

O valor deverá ser atualizado monetariamente pelo IGP-M desde a data do acórdão, nos termos da Súmula n.º 362 do STJ, já que arbitrada a quantia nesta instância.

Com relação aos juros de mora, seguindo orientação desta Câmara, em casos de indenização por dano moral, onde o valor é estabelecido por critério de equidade pelo julgador, que pondera as condições no momento da fixação, como ocorre no presente caso, o marco para fluência dos juros deve incidir também a partir da data do acórdão, pois já sopesadas todas as variáveis capazes de influírem no arbitramento, de modo a permitir uma idéia exata e sem distorção por acréscimo de consectários do valor correto da indenização, sem desprestígio da Súmula n.º 54 do STJ, que tenho, mais se afeiçoa a indenização por dano material, onde os valores normalmente são conhecidos ou a liquidação se dá por fato determinado.

A propósito da incidência de juros em casos como o da espécie, peço vênia para agregar os fundamentos de judicioso voto do ilustre Des. Odone Sanguiné , verbis:

Na hipótese de reparação por dano moral, entendo cabível o início da contagem a partir da fixação do ‘quantum’ indenizatório, é dizer, a contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. Considerando que o Magistrado se vale de critérios de eqüidade no arbitramento da reparação, a data do evento danoso e o tempo decorrido até o julgamento são utilizados como parâmetros objetivos na fixação da condenação, de modo que o valor correspondente aos juros integra o montante da indenização.

Destaco que tal posicionamento não afronta o verbete da Súmula nº 54 do STJ. Ao revés, harmoniza-se com o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça (vide: REsp. 618940/MA; Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro; Terceira Turma; julgado em 24/05/2005; DJ 08.08.2005 p. 302).

A ‘ultima ratio’ do enunciado sumular é destacar que a reparação civil por dano moral deve possuir tratamento diferenciado na sua quantificação em relação ao dano material, dado o objetivo pedagógico, punitivo e reparatório da condenação.

Quanto ao arbitramento do dano moral, o termo inicial da contagem deve ser a data do julgamento. O julgador fixa o ‘dies a quo’ que melhor se ajusta ao caso em concreto, em consonância com os critérios utilizados para a fixação do valor indenizatório. Dessa forma, além de se ter o ‘quantum’ indenizatório justo e atualizado, evita-se que a morosidade processual ou a demora do ofendido em ingressar com a correspondente ação indenizatória gere prejuízos ao réu, sobretudo, em razão do caráter pecuniário da condenação.

Destarte, impede-se que o montante dos juros, não visível no momento do seu arbitramento e que será futuramente acrescido ao ‘quantum’ indenizatório, possa acarretar a modificação do valor da justa reparação. Tal posicionamento guarda simetria com o entendimento anteriormente exposto em relação ao termo inicial de incidência da correção monetária.

Por tais razões, dou provimento à apelação para julgar procedente o pedido indenizatório e condenar o demandado GAZETA DO SUL S/A, ao pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de danos morais, em favor da autora S.D.S., valor que deverá ser atualizado monetariamente pelo IGP-M desde a data do presente julgamento, incidentes juros moratórios de 1% ao mês também desde a data deste acórdão.

Caberá ao demandado o pagamento das custas processuais e verba honorária em favor do advogado da autora fixada em 20% sobre o valor atualizado da condenação (art. 20, § 3º, do CPC).”

Portanto, no caso concreto, individualizados os personagens e evidenciado o excesso na linguagem utilizada na crônica jornalística, devem ser mitigadas as garantias constitucionais do direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX, e art. 220, §§ 1º e 2º, da CF) em detrimento do direito fundamental à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, restando configurado o dano moral, a teor do disposto no art. 5º, inciso X, Constituição Federal.

Por outro lado, ainda que genericamente mencionado nas razões recursais, saliento que o valor da indenização fixado no voto vencedor mostra-se adequado e atende aos objetivos da compensação do dano e o caráter pedagógico, levando em conta, ainda, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Desta forma, merece ser mantido o voto vencedor proferido na apelação que motivou o presente recurso.

PREQUESTIONAMENTO.

Por derradeiro, impende-se esclarecer, para fins de evitar embargos de declaração opostos somente para tal desiderato, que o prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido pelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, vez que se deixa de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto no sentido de desacolher os embargos infringentes.

É o voto.

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE E REVISOR) - Acolho.

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY

Acompanho o Relator.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA

Eminentes Colegas.

Estou acompanhando o voto do Desembargador Relator.

Pelo desacolhimento dos Embargos Infringentes.

É como voto.

DESA. MARILENE BONZANINI

Acompanho o Relator.

DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ - De acordo com o Relator.

DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS - De acordo com o Relator.

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Embargos Infringentes nº 70042578823, Comarca de Santa Cruz do Sul: "DESACOLHERAM OS EMBARGOS INFRINGENTES, POR MAIORIA, VENCIDO O DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA."

Julgador(a) de 1º Grau: CLEBER AUGUSTO TONIAL

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