A autora da ação contou que, acompanhada de sua cunhada, dirigiu-se para a entrevista de emprego. No elevador encontraram-se com a ré, que conversava com a cunhada, pensando se tratar da candidata. Ao saber que se dirigia à pessoa errada, afirmou que jamais contrataria uma anã para trabalhar em sua casa, pois não iria se sentir à vontade, nem seus filhos aceitariam. A versão foi confirmada por testemunhas, bem como o interesse na contratação, inclusive com pedido de referências sobre a pretendente à vaga.
Em 1º grau o Juiz Fernando Antonio Jardim Porto, da Comarca de Porto Alegre, considerou que o ato gerou consequências e não meros dissabores, considerando caracterizado o dano moral.
A ré negou os fatos e interpôs apelação no Tribunal de Justiça. O recurso foi relatado pelo Desembargador Paulo Roberto Lessa Franz. Ao analisar o caso, concluiu: A atitude da ré, dotada de preconceito e de nítido conteúdo discriminatório em razão da autora ser portadora de nanismo, revela conduta reprovável e, a toda evidência, causou humilhação e imensurável abalo à honra e à imagem da autora, bens personalíssimos, merecedores de proteção jurídica.
Votaram no mesmo sentido os desembargadores Túlio Martins e Jorge Alberto Schreiner Pestana.
-
Processo : 70038576906
_________
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSA VERBAL. DISCRIMINAÇÃO.
1. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Comprovada nos autos a conduta discriminatória por parte da ré, em razão da autora ser “anã”, resta evidente o dever de indenizar. Conduta reprovável que, a toda a evidência, causou humilhação e abalo à honra e imagem da autora, bens personalíssimos, merecedores de proteção jurídica. Hipótese de dano in re ipsa. Sentença de procedência mantida.
2. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. Na fixação da reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima. A análise de tais critérios, aliada às demais particularidades do caso concreto, bem como aos parâmetros utilizados por esta Câmara, em situações análogas, conduz à manutenção do montante indenizatório fixado em R$ 7.650,00 (sete mil seiscentos e cinqüenta reais); quantum que se revela suficiente e condizente com as peculiaridades do caso e aos parâmetros adotados por esta Câmara em situações análogas.
3. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. Em se tratando de responsabilidade civil extracontratual, os juros legais moratórios são devidos a partir do evento danoso, de acordo com a Súmula 54 do STJ. Sentença reformada, no ponto.
APELAÇÃO IMPROVIDA.
APELAÇÃO CÍVEL
DÉCIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70038576906
COMARCA DE PORTO ALEGRE
APELANTE : M. S.
APELADO: M. F. A. S.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO APELO.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE) E DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS.
Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2011.
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ,
Relator.
RELATÓRIO
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR)
Adoto o relatório das fls. 83/85, aditando-o como segue.
Sentenciando, o Magistrado singular julgou procedente a demanda nos seguintes termos, in verbis:
"ISTO POSTO, JULGO PROCEDENTE a ação indenizatória movida por M. F. A. S. contra M. S. condenando a demandada no pagamento a indenização em R$ 7.650,00 (sete mil, seiscentos e cinquenta reais), montante que deverá ser corrigido pela variação do IGP-m/FGV desde a presente data, com juros de mora de 12% ao ano, a contar da data do evento danoso (20/08/2007), por acepção do disposto na Súmula 54 do STJ.
Frente a decisão retro arcará a ré com as custas processuais e honorários do patrono da autora que fixo em 15% do valor da condenação, forte no art. 20, § 3º, do CPC, considerando o trabalho desenvolvido para o deslinde da questão e a simplicidade da demanda."
Inconformada, a autora recorre às fls. 90/109 buscando a reforma do julgado. Em seu arrazoado, alegou que a autora não logrou êxito em comprovar suas alegações, tendo o Magistrado singular julgado procedente a demanda a partir de ilações e suposições, valorando testemunho da cunhada da autora, que sequer prestou compromisso. Alegou que o fato exige comprovação robusta, o que inexistiu no presente feito. Discorreu sobre a prova, alegando que não se pode imputar alguém ato discriminatório pelo fato de não ter sido contratado e que não é dado potencializar qualquer dissabor com a existência de dano moral. Dessa forma, diante da não-comprovação do ato ilícito, aduz que a improcedência é medida que se impõe. Caso mantida a sentença, pugna pela redução do quantum, além de impugnar o marco inicial dos juros moratórios, alegando que os mesmos devem incidir desde a fixação e não do evento danoso, como constou na sentença. Pede, então, o provimento do apelo.
Contrarrazões às fls. 143/151 rebatendo os argumentos da recorrente e pugnando pela manutenção da sentença.
Subiram os autos a esta Corte, vindo-me conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR)
Eminentes Colegas.
Não prospera a insurgência recursal.
O mérito da quaestio foi analisado com propriedade e justeza pelo nobre magistrado Dr. Fernando Antonio Jardim Porto, na sentença recorrida, fls. 83/88. Assim, visando a evitar desnecessária tautologia, peço vênia para transcrever parte dos fundamentos por ela utilizados, adotando-os como razões de decidir, in verbis:
Trata-se a presente de ação ordinária na qual pretende a autora a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais. Em apertada síntese refere que foi discriminada e preterida a vaga de trabalho por ser anã, fato que lhe gerou consequencias.
A ré, por sua vez, refere ser um mal entendido e que não contratou a autora, pois a vaga em questão já havia sido preenchida e que nenhum momento proferiu qualquer ofensa a esta em virtude da sua baixa estatura.
No tópico assinalo que a questão posta a análise judicial, configura-se situação limítrofe ao mal entendido e à ofensa moral, a ser desenrolada através da prova contida nos autos, eminentemente testemunhal.
De plano assinalo, que o ordenamento jurídico brasileiro, dá ao empregador a livre escolha para as suas contratações, contudo a mesma legislação de igual forma veda qualquer tipo de discriminação. Nossa Carta Constitucional consagrou como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana e a sua igualdade de direitos (C.F., arts. 1º, III e 5º), fonte incessante de respeito, até mesmo pelos valores da civilização contemporânea.
Nesse sentido é o entendimento do aresto que cito:
"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DISCRIMINAÇÃO. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. O conjunto fático-probatório dos autos demonstra a existência de abalo moral suportado pelo demandante, haja vista a discriminação feita pelos professores da instituição de ensino demandada, referindo-se aquele como originário de um Estado (Nordeste) onde o povo seria vagabundo, afirmando que lá ninguém gosta de trabalhar. Assim, ocorrido o dano moral, eis que violados os direitos de personalidade da parte autora. APELO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70031039787, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 31/03/2010."
Pois bem. Do texto “ipsis litteris” da inicial, relata a autora que: "acompanhada de sua cunhada dirigiu-se no endereço indicado, por volta das 9h30 min, informaram-se sobre o andar correto da sala 407, sendo que encontraram-se na porta do elevador com a requerida. Subiram juntas, sendo que a ré pensou que a Sra Ernestina (cunhada da autora) era a pessoas a ser contratada. Quando desceram do elevador realizada as devidas apresentações, notaram que a demandada não reagiu bem quando ficou sabendo que a pessoa a ser contratada seria a autora, em virtude desta ser anã", proferindo as seguintes palavras: "... Eu jamais contrataria uma anã para trabalhar em minha casa, pois não iria me sentir a vontade com uma anã. (...) meus filhos não aceitariam uma anã..."
Tal versão, apesar da impugnação e negativa exercitada na defesa veio corroborada no depoimento da testemunha Ernestina Ferreira Shukuel Rassim (fl. 72):
J: A senhora pode narrar desde o início, por favor:
T: A M. F. ela veio de São Borja ficou hospedada na minha residência para que conseguir um emprego aqui de doméstica, recebeu uma ligação da dona M. pelo meu telefone, por uma agência, e ela pediu referências e a M. F. mostrou as melhores que tinha, a dona M. ligou para as referências e retornou a ligação para a minha casa. Pediu que ela viesse, ela disse "ah, mas já tenho um encaminhado, "não, não, tu não fica com esse emprego, tu vem direto para a minha casa, já traz roupa, calçado, tudo que for trazer para morar no emprego". Deu o endereço certinho e a M. F. não sabia vir e eu vim trazer ela, na Carlos Gomes, um escritório. Chegando lá a dona M. pediu que a gente aguardasse com a secretária por que ela não estaria, mas a gente encontrou ela na chegada, subiu junto, só que ela estava conversando comigo se referindo que eu fosse a M. F. como a gente estava subindo no elevador e quando parou no andar eu "não, mas a senhora está enganada, não sou eu a M. F., é ela!" Quando eu disse que era ela fez um escândalo, desacatando ela, que ela é anã, que jamais uma anão circularia no ambiente dela, da casa, os filhos não iam aceitar, muito menos ela.
Deste modo, restou incontroversa a relação existente entre as partes, bem como o fato a requerida ter entrado em contato com a autora, nesse sentido cito o depoimento da informante E. T. S. K. (fl. 76):
J: A senhora foi chamada em função de um problema envolvendo a dona M. F. A. S. e a dona M. S. : a senhora sabe que problema foi este?
T: Ela foi, a M. botou um anúncio e ela se apresentou como candidata.
J: Se apresentou aonde?
T: Lá no escritório do pai dela.
(...)
J: Sozinha ou acompanhada?
T: Acompanhada
J: O nome da pessoa que estava acompanhando a senhora sabe:
T: Não.
De igual forma, resta incontroverso o fato da requerida ter diligenciado com intuito de perquirir as referências apresentadas pela autora, nesse sentido a testemunha J. H. O. G. (fl. 74):
J: Advertido e compromissado na forma da lei. O senhor foi chamado aqui em função de uma fato envolvendo a dona M. F. e a dona M. : acompanhou este fato, sabe do que se trata?
T: Eu fui depois contatado pela M. F., que eu recebi uma ligação, não me recordo bem o ano, creio que no ano passado, em 2008, da dona M. S., de uma pessoa se identificando como M. S., pedindo referências da F. Eu deis as referências (...).
Nesse senda, cabalmente demonstrado o interesse da requerente à vaga de emprego oferecida, bem como o interesse da requerida em contrata-lá.
Ademais, verifico que embora a demandada, afirme de forma cabal, que não contratou a demandante, pois já havia preenchido à vaga disponível, informação, aliás, corroborada pela sua testemunha (necessária a transcrição- fl. 76), tendo inclusive acostados documentos de fls. 45/52 dando conta de tal contratação, assinalo que não há registro na Carteira Profissional de Trabalho desta terceira pessoa como doméstica, tampouco a assinatura na mesma da sra M. S., ora ré, de modo que a prova trazida aos autos, pela requerida, não dá azo as suas alegações da inexistência do preenchimento da vaga de trabalho, em questão.
Além disto, importa considerar o fato de que a tese esgrimida na defesa não afasta a conclusão em comento, já que a prova documental com ela aportada dá conta de que terceira pessoa já recebia por serviços prestados a ré desde maio de 2007(fls.52), dado que afasta o argumento de que a ré já havia contratado outra pessoa para o lugar da demandante naquela oportunidade. Registro, ainda, que tal versão inclusive veio confirmada no depoimento da testemunha E. T. S. K. (fl.76/78) indicando que houve contratação no dia anterior ao comparecimento da autora ao escritório da pai da autora, dado que desfigura a versão apresentada na defesa.
Noutro sentido, importa considerar que a mesma testemunha Eva indica a ocorrência de discussão no momento que a autora passou para conversar com a ré na sala reservada, situação que não se mostra crivel (discussão) em face de mero preenchimento da vaga, mas sim a respeito do tipo de reação que situação trouxe a cada uma das partes.
Ademais, s.m.j, do conjunto fático trazido ao grampo do feito, inexistente qualquer indício de que a parte autora, fora chamada para uma simples entrevista de emprego, ônus que competia a ré, à luz do artigo 333, II e que não se desincumbiu.
Por outro lado, as teses declinadas na defesa não elidem a conclusão de procedência da ação em comento, a saber.
A indicação de que não houve contratação da autora pela ré por telefone é mera ilação sem respaldo probatório coerente. Nesta altura, importa considerar que a demandada não iria buscar referências da autora caso não tivesse interesse na sua contratação, dado que foi acima mencionado e confirmado através do depoimento da testemunha J. H..
As ilações a respeito de não possuir a ré preconceito em face da situação física da autora perde em efeito, já que são fruto do raciocínio desenvolvido na defesa de resistência, indo de encontro a prova oral acima valorada.
Por decorrência, considerando que uma decisão judicial deve ser baseada na efetiva prova carreada aos autos pelas partes, tenho que restou comprovado o dano sofrido pela autora, razão pela qual reside o dever de indenizar.
Aqui, aponto que o dano em comento prescinde da prova do prejuízo efetivo, já que caracterizado por "in re ipsa", desde que confirmado o fato danoso e o liame causal com a ação ou omissão imputada à parte ofensora. Portanto, não se trata de remunerar dano hipotético ou mero transtorno, já que inquestionável o abalo sofrido pela autora.
Dito isso, a fixação da indenização, desde logo opto no arbitramento judicial, deitando as suas bases concretas. Aponto que frente as alegações feitas pela demandante o ato em si gerou consequências e não meros dissabores. Ainda, sopeso a condição econômica de ambas as partes. Aliado a tais premissas fáticas, consignando a conotação suasória e pedagógica que a indenização deve assumir, sem que possa configurar locupletamento de uma das partes em detrimento da outra, autorizada a fixação da indenização em R$ 7.650,00 (sete mil, seiscentos e cinquenta reais), montante que deverá ser corrigido pela variação do IGP-m/FGV desde a presente data, com juros de mora de 12% ao ano, a contar da data do evento danoso (20/08/2007), por acepção do disposto na Súmula 54 do STJ.
Em complementação, saliento que a atitude da ré, dotada de preconceito e de nítido conteúdo discriminatório em razão da autora ser portadora de nanismo, revela conduta reprovável e, a toda a evidência, causaram humilhação e imensurável abalo à honra e a imagem da autora, bens personalíssimos, merecedores de proteção jurídica.
Por pertinente à discussão travada nos presentes autos, cumpre trazer à colação excerto da doutrina extraída da obra de Rui Stoco, (in Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª edição revista, atualizada e ampliada, p. 1776/1777):
"[...] a Constituição Federal, nem a legislação inferior definiram ou conceituaram o preconceito e o racismo.
Pode-se dizer, em sentido empírico, que preconceito é o conceito ou opinião formados antecipadamente sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos ou uma idéia preconcebida. É o julgamento ou opinião formada sem levar em conta o fato que os conteste (cf. Dicionário Aurélio).
Para nós é a manifestação de aversão ou repúdio à pessoa humana, em razão da sua raça, cor, etnia, religião ou procedência, ou o comentário ou alusão depreciativos, realçando aquele aspecto que particulariza a pessoa, com caráter humilhante, ofensivo e infamante.
É, em síntese, o desrespeito e a ofensa à diversidade e às minorias. É, ainda, a busca pela desigualdade entre duas pessoas iguais para afirmar superioridade.
[...]
Qualquer ação ou omissão que se traduza em manifestação de preconceito ou discriminação e que exponha a pessoa ao ridículo, à exclusão, que lhe cause vergonha, dor, sofrimento, angústia e tenha força para atingir a sua honra, subsume-se no art. 5.º, inciso X, da Constituição Federal e na cláusula geral do neminem laedere do art. 186 do Código Civil, convertendo-se em ilícito civil e dando ensejo à reparação.
[...]
A uma, porque a proteção da imagem, da intimidade e da personalidade como gênero está consagrada na Carta Magna, no seu art. 5.º, incisos V e X.
A duas, porque o racismo e a discriminação que atingem as pessoas nada mais são do que uma ofensa à personalidade da pessoa, de modo que o dever de indenizar encontra a mesma razão ou fundamento que impõe essa obrigação nos casos de lesão à honra, seja objetiva ou subjetiva, tais como a individualidade, o respeito à diversidade, a intimidade e a imagem”. (grifei)
Em idêntico sentido, a jurisprudência citada pelo notável doutrinador:
"O insulto sofrido pela apelante teve forte sentido de menosprezo à pessoa humana, além de características de preconceito racial, cabendo, nos termos da Magna Carta, a recomposição dos danos sofridos, com base na repercussão do fato, na capacidade do ofensor suportar a condenação e na possibilidade de proporcionar à vítima condições de experimentar um benefício que lhe amenize a aflição moral" (TJPR – 4.ª C. Cível – Ap. 55.179-5 – Rel. Octávio Valeixo – j. 04.03.1998 – Bol. AASP 2.090/855). (grifei)
Cumpre anotar, ainda, que em casos como este, onde a prova da autoria do fato é exclusivamente testemunhal, deve-se dar especial relevância ao princípio da identidade física do julgador que, por estar em contato direto com as partes e testemunhas, encontra-se em melhores condições de alcançar a verdade real.
A respeito do princípio da identidade física do juiz, preleciona Rui Portanova in “Princípios no Processo Civil”, Ed. Livraria do Advogado, 4ª edição, 2001, p. 241:
"A presença do juiz é uma das maiores garantias da boa decisão. Presença, em seu sentido completo, e não apenas o contato displicente da autoridade com a peça em formação. Levada em suas extensas proporções, a participação do juiz vai bem mais longe, conduzindo-se até aos aspectos psicológicos e sentimentais da comunhão do julgador com a vida e os episódios do caso (Bitencourt, 1986, p. 252).
Como conseqüência lógica do princípio da oralidade, o interesse do princípio é obrigar o juiz que ouviu a prova oral a sentenciar. O julgador, que por certo criou laços psicológicos com as partes e testemunhas, deve usar tal conhecimento. Aproveitam-se as impressões do juiz obtidas de forma tão direta e concentrada na solução do litígio, na sentença.
Do contato pessoal com as partes e testemunhas, o juiz pode conhecer as características que compõem a verdade, que muitas vezes se manifestam na fisionomia, no tom da voz, na firmeza, na prontidão, nas emoções, na simplicidade da inocência e no embaraço da má-fé".
Assim, evidenciada a situação apta a lesionar a esfera subjetiva da requerente, mantenho a sentença recorrida, não assistindo razão ao recorrente em sua inconformidade.
Em relação ao quantum indenizatório, nada a reparar na sentença.
É sabido que, na quantificação da indenização por dano moral, deve o julgador, valendo-se de seu bom senso prático e adstrito ao caso concreto, arbitrar, pautado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, um valor justo ao ressarcimento do dano extrapatrimonial.
Neste propósito, impõe-se que o magistrado atente às condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, assim como à intensidade e duração do sofrimento, e à reprovação da conduta do agressor, não se olvidando, contudo, que o ressarcimento da lesão ao patrimônio moral deve ser suficiente para recompor os prejuízos suportados, sem importar em enriquecimento sem causa da vítima.
A dúplice natureza da indenização por danos morais vem ressaltada na percuciente lição de Caio Mário, citado por Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil:
"Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II, n.176), na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I - punição ao infrator por haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo da vingança" (in: Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.108/109, grifei).
Ao concreto, demonstrada a abusividade do ato praticado pela ré, e levando em conta as condições econômicas e sociais da ofendida, doméstica, que litiga sob o amparo da AJG; e da agressora, comerciante; considerando, principalmente, a reprovabilidade da conduta desta, que agrediu fisicamente e dirigiu palavras ofensivas à autora; o caráter coercitivo e pedagógico da indenização; os princípios da proporcionalidade e razoabilidade; tratando-se de dano moral puro; não se olvidando, outrossim, que a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado; é de ser mantido o montante indenizatório fixado na sentença em R$ 7.650,00 (sete mil seiscentos e cinqüenta reais), que se revela suficiente e condizente com as peculiaridades do caso e aos parâmetros adotados por este Órgão Fracionário em situações análogas.
O montante da indenização deverá ser corrigido monetariamente, pelo IGP-M, nos termos da decisão, diante da ausência de insurgência no ponto.
Com relação ao termo inicial de incidência dos juros de mora, não assiste razão à recorrente, porquanto, em se tratando de responsabilidade civil extracontratual, os juros legais moratórios são devidos desde a data do evento danoso, de acordo com a Súmula 54 do STJ, a qual me filio.
Por derradeiro, apenas consigno que o entendimento ora esposado não implica ofensa a quaisquer dispositivos, de ordem constitucional ou infraconstitucional, inclusive àqueles mencionados pelas partes em suas manifestações no curso do processo.
Nestes termos, o VOTO é no sentido de NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Apelação Cível nº 70038576906, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: FERNANDO ANTONIO JARDIM PORTO
______________