Crime continuado
STJ admite continuidade delitiva entre estupro e atentado ao pudor
Com a decisão, o STJ passa a ter um entendimento unificado sobre o tema, pois a 6ª turma já vinha se manifestando pela possibilidade do crime continuado – que significa que o réu é condenado à pena de um dos crimes cometidos em sequência, aumentada de um sexto a dois terços, em vez de suportar uma pena para cada crime.
O caso julgado pela 5ª turma é o de um homem condenado em 2004 à pena de nove anos e quatro meses de reclusão pela prática de dois crimes de atentado violento ao pudor em continuidade e à pena de sete anos de reclusão por dois delitos de estupro, igualmente em continuidade, cometidos contra a mesma vítima, de 15 anos de idade, em 2002.
De acordo com o processo, o réu obrigou a vítima a sexo vaginal e a outros atos sexuais, repetindo todas as práticas pouco depois. A sentença, dada pela 5ª vara Criminal de São Bernardo do Campo/SP, reconheceu a continuidade delitiva nos crimes de estupro entre si e nos demais, mas não entre uns e outros.
Ao julgar apelação do réu, em 2006, o TJ/SP reconheceu a possibilidade da continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, reduzindo a pena para sete anos e seis meses de reclusão. O MP interpôs recurso especial no STJ, sustentando que, em vez da continuidade, os crimes deveriam ser considerados como tendo ocorrido em concurso material.
O concurso material é descrito no CP como a situação em que o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Nesse caso, diz o artigo 69, "aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido".
Já o crime continuado está previsto no artigo 71: "Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços."
O ministro Gilson Dipp, autor do voto vencedor na 5ª turma, observou que tanto a sentença de primeira instância quanto o julgamento da apelação ocorreram antes da mudança do CP e que o TJ/SP adotou uma das correntes de interpretação existentes à época – quando estupro (sexo vaginal) e atentado violento ao pudor (outros atos libidinosos) eram figuras penais independentes.
Segundo tal interpretação, embora tipificados em artigos diferentes, os crimes eram da mesma espécie, razão pela qual admitiam a hipótese de continuidade. "Essa orientação tanto era representativa de uma vertente jurisprudencial razoável quanto acabou por harmonizar-se com a legislação nova que agora prestigia essa inteligência", comentou o ministro.
Para Gilson Dipp, a lei 12.015/09 (clique aqui) afastou a controvérsia, ao consagrar o entendimento de que os crimes são da mesma espécie. Uma nova definição de estupro foi introduzida no CP: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal [sexo vaginal] ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso."
O TJ/SP, ao analisar as provas do processo de São Bernardo, concluiu que os crimes sexuais foram cometidos em circunstâncias que caracterizam a continuidade delitiva. "Se os fatos são incontroversos, o que já não pode mais ser objeto de discussão nessa instância, o acórdão local apenas adotou a tese de que os crimes são da mesma espécie e assim justificou a continuidade", disse o ministro.
Ele salientou o fato de que o STF, num julgamento em setembro, "mesmo afirmando a sua anterior orientação pelo reconhecimento do concurso material, em face da superveniência da lei nova passou a admitir a continuidade entre os delitos". Dessa forma, acrescentou, "não faz sentido tanto propor o restabelecimento da orientação recentemente abandonada pelo STF quanto recusar os efeitos da aplicação da lei nova, a cuja retroatividade ninguém pode pôr reparo".
A decisão da 5ª turma, rejeitando o recurso do Ministério Público e assim mantendo o acórdão do TJ/SP, não foi unânime. Dos cinco integrantes, dois votaram pelo entendimento de que, embora do mesmo gênero, os crimes não seriam da mesma espécie, tendo modos de execução diferentes, e por isso não poderiam ser enquadrados na hipótese de crime continuado.
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Processo relacionado : REsp 970127 - clique aqui.
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