União homoafetival
Justiça de São Paulo reconhece união estável de casal do mesmo sexo
A.T.S. entrou com uma ação declaratória de existência de união estável alegando que viveu em companhia de L. A. S. desde 1974 até o falecimento deste último, em 2008.
De acordo com a ação, as partes mantiveram público e notório relacionamento homoafetivo durante mais de 30 anos, mantendo vida em comum de forma duradoura e contínua pelo mesmo período. Em 2008, L.A.S. faleceu em estado cívil de solteiro e não deixou herdeiros.
Segundo a decisão do juiz Marcos Alexandre Santos Ambrogi, "resta cristalina a existência desta união que não pode ser outra coisa que não estável, pouco importando inexistir diversidade de sexo, importando em clara necessidade da tutela jurídica para que se resguardem os direitos do autor. Neste sentido, há precedentes de nossos Tribunais".
O magistrado salientou também que "não se deveria tolerar que ideologias religiosas pudessem afastar de qualquer pessoa tratamento digno preconizado pela Constituição Federal art. 1º (clique aqui), , Constituição esta que eleva a objetivo fundamental da República Brasileira ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’".
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Processo : 583.00.2009.131417-2
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CONCLUSÃO
Em 11 de fevereiro de 2011 faço estes autos conclusos ao (à) MM. Juiz de Direito Dr.(a)
VISTOS. A.T.S, já devidamente qualificado nos autos, ajuizou DEMANDA DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL contra L.A.S., alegando, em resumo, que viveu em companheirismo com o falecido desde outubro de 1974 até seu passamento, em 23/03/2008.
Com a petição inicial vieram os documentos de fls. 20/75. Houve citação dos eventuais interessados por edital (fls. 126/127). O MP se manifestou (fls. 150/151).
É o relatório. DECIDO.
Passo ao julgamento no estado em que se encontra o processo (CPC, art. 330, I). Anoto ser desnecessária a vetusta nomeação de curador para apenas se instalar contraditório formal, sem nada acrescer ou contrariar à vasta prova existente nos autos e à convicção deste Magistrado.
Trata-se de demanda visando à declaração de existência de união estável entre o autor e o falecido L.A.S.. Conforme demonstrado pelos diversos documentos juntados (especialmente fls. 27, 28 e 29), as partes mantiveram público e notório relacionamento homoafetivo durante mais de 30 anos, partilhando no período o mesmo leito e mantendo vida em comum de forma duradoura e contínua pelo prazo narrado na inicial.
O réu faleceu com o estado civil de solteiro e não deixou herdeiros (fls. 23/25).
Certo, ainda, que não houve oposição de qualquer interessado ao pedido após a citação editalícia. A união homoafetiva pode ser conceituada como a relação amorosa de pessoas do mesmo sexo, com vistas à constituição de família, não se diferenciando, em sua natureza, de qualquer outra união estável.
Na lição de MARIA BERENICE DIAS, a respeito da união estável:
“Nasce a união estável da convivência, simples fato jurídico que evolui para ato jurídico, em face dos direitos que brotam dessa relação. Por mais que a união estável seja o espaço do não instituído, à medida que é regulamentada vai ganhando contornos de casamento. Tudo que é disposto sobre as uniões extramatrimoniais tem como referência a união matrimonializada.”
E prossegue a autora quanto à família homoafetiva:
“A Constituição, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de relações afetivas fora do casamento. Assim, emprestou especial proteção às entidades familiares formadas por um dos pais e sua prole, bem como à união estável entre homem e mulher. Esse elenco, no entanto, não esgota as formas de convívio merecedoras de tutela. A norma (CF 226) é uma cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos da afetividade, estabilidade e ostensividade. Não se pode deixar de reconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem a diversidade dos sexos, atendem a tais requisitos. Têm origem em um vínculo afetivo, devendo ser identificados como entidade familiar a merecer a tutela legal”.
O Projeto de Lei n° 2285/2007 “Estatuto das Famílias”, na Câmara Federal, traz, em sua Exposição de Motivos, de autoria do deputado SÉRGIO BARRADAS CARNEIRO, sempre citada, o seguinte:
“O estágio cultural que a sociedade brasileira vive, encaminha-se para o pleno reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. A norma do art. 226 da Constituição é de inclusão - diferentemente das normas de exclusão das Constituições pré-1988 -, abrigando generosamente os arranjos familiares existentes na sociedade, ainda que diferentes do modelo matrimonial. A explicitação do casamento, da união estável e da família monoparental não exclui as demais que se constituem como comunhão de vida afetiva, com finalidade de família, de modo público e contínuo. Em momento algum a Constituição veda o relacionamento de pessoas do mesmo sexo. A jurisprudência brasileira tenta preencher o vazio normativo infraconstitucional, atribuindo efeitos pessoais e familiares às relações entre essas pessoas. Ignorar essa realidade ê negar direitos às minorias, incompatível com o Estado Democrático. Tratar essas relações cuja natureza familiar salta aos olhos como meras sociedades de fato, como se as pessoas fossem sócios de uma sociedade de fins lucrativos, é violência que se perpetra contra o princípio da dignidade das pessoas humanas, consagrado no art. 1º, III, da Constituição. Se esses cidadãos brasileiros trabalham, pagam impostos, contribuem para o progresso do país, é inconcebível interditar-lhes direitos assegurados a todos, em razão de suas orientações sexuais” (grifei).
Na verdade, é preciso, em favor da segurança jurídica (CR, art. 5º), conferir tratamento legislativo da presente questão, em vista da diversidade de interpretação da matéria pelo vários Poderes do Estado.
É preciso afastar do Congresso Nacional (e dos demais Colegiados representativos do Povo) convicções religiosas próprias ou decorrentes de ideologias de igrejas de que fazem parte os representados. Não se deveria tolerar que ideologias religiosas pudessem afastar de qualquer pessoa tratamento digno preconizado pela Constituição Federal (art. 1º), Constituição esta que eleva a objetivo fundamental da República Brasileira “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV).
Deveria ser observado que o Estado é laico (art. 19, I) e que os Países que tem alto índice de desenvolvimento humano e que se encontram em paz são os menos religiosos. O filósofo norte-americano Sam Harris em “Carta A Uma Nação Cristã” (editora companhia das letras) mostra que os países mais desenvolvidos, justos e igualitários do mundo são compostos, em sua grande maioria, por não-religiosos.
Ainda segundo Harris, Noruega, Islândia, Canadá, Suécia, Suíça, Bélgica, Japão, Holanda, Dinamarca e Reino Unido estão entre as sociedades menos religiosas da Terra, sendo que essas sociedades também são as mais saudáveis, segundo os indicadores da expectativa de vida, alfabetização, renda per capta, nível educacional, igualdade entre os sexos, taxa de homicídio e mortalidade infantil.
Os Estados Unidos, segundo ele, que tem forte influencia religiosa, muito embora tenha expressivo índice de desenvolvimento humano, ostenta taxas altas de criminalidade e desigualdade. Mas, ainda que não haja solução legislativa direta para o caso, “não deve o juiz abusar do intelectualismo e de processos lógicos de interpretação, fechando as janelas para a vida real" (Du Pasquier, Intraduction à La Théorie Générale et a La Philosophie du Droit", Neuchatel, 1.948, n. 205).
Na espécie, como já dito, resta cristalina a existência desta união que não pode ser outra coisa que não estável, pouco importando inexistir diversidade de sexo, importando em clara necessidade da tutela jurídica para que se resguardem os direitos do autor.
Neste sentido, há precedentes de nossos Tribunais:
“À união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226, da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. - A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito” (TJMG, Des. HELOÍSA COMBAT, 1.0024.06.930324-6/001, 22.047.07).
“A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência de união estável entre parceria homoerótica, desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade familiar” (TJRS. EI n° 70011120573, Rei. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, 10/06/2005).
“União homossexual. Reconhecimento de união estável. Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união estável. Reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo, geram as mesmas conseqüências previstas na união estável Negar esse direito às pessoas por causa da condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual” (TJRS, Ap. Cível N° 70021637145, Rel: RUI PORTANOVA).
O Supremo Tribunal Federal, na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3300 - Distrito Federal, em 03/02/2006, por meio do Ministro Celso de Mello, afirmou que a união homossexual deve ser reconhecida como uma entidade familiar e não apenas como "sociedade de fato".
Portanto, em vista da fundamentação acima, não se vislumbra óbice ao reconhecimento da união que permeou a vida comum de autor e falecido.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido do autor para declarar a sua união estável com L.A.S., pelo período compreendido entre outubro de 1974 e 23 de março de 2008, pondo fim ao processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I, do Cód. de Proc. Civil. Sem condenação no ônus da sucumbência, ante a ausência de contrariedade ao pedido. P.R.I.
São Paulo, 11 de fevereiro de 2011.
Marcos Alexandre Santos Ambrogi
Juiz de Direito
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