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STJ - Vistoria de compras realizada após pagamento não é conduta abusiva

A 3ª Turma do STJ rejeitou recurso do MP/SP contra o Makro Atacadista S/A, no qual o MP paulista acusava o estabelecimento de prática comercial abusiva ao conferir as compras dos clientes após o pagamento e antes da saída da loja.

10/3/2011


Inspeção

STJ - Vistoria de compras realizada após pagamento não é conduta abusiva

A 3ª Turma do STJ rejeitou recurso do MP/SP contra o Makro Atacadista S/A, no qual o MP paulista acusava o estabelecimento de prática comercial abusiva ao conferir as compras dos clientes após o pagamento e antes da saída da loja.

A ação civil pública foi ajuizada para interromper as vistorias realizadas pela rede atacadista. Segundo o MP/SP, a fiscalização colocava os consumidores em desvantagem exagerada e eram incompatíveis com o princípio da boa-fé. Sustentou, ainda, que o procedimento impunha constrangimentos indevidos e desnecessários aos clientes.

A ação foi julgada improcedente, e essa decisão foi mantida pelo TJ/SP. No recurso especial, o MP alegou violação ao CDC (clique aqui), pois a vistoria consistiria em obrigação extremamente injusta e abusiva, além de a conduta da empresa partir do pressuposto de que todos são desonestos até prova em contrário.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, argumentou que "a proteção da boa-fé nas relações de consumo não implica necessariamente favorecimento indiscriminado do consumidor em detrimento de direitos igualmente outorgados ao fornecedor".

Para a ministra, as dificuldades da vida moderna e as próprias características das relações comerciais impõem aos grandes estabelecimentos a utilização de equipamentos ou sistemas de segurança, atualmente bastante difundidos, compreendidos e aceitos pela grande maioria dos consumidores.

Nancy Andrighi ponderou, ainda, que "qualquer consumidor habituado a frequentar grandes estabelecimentos comerciais tem consciência dos equipamentos e procedimentos utilizados pelos fornecedores no exercício de seu direito de vigilância e proteção do patrimônio, sem que se possa cogitar de má-fé do fornecedor".

Com isso, a ministra concluiu que "a mera vistoria das mercadorias na saída do estabelecimento não configura ofensa automática à boa-fé do consumidor". A decisão foi unânime.

Confira abaixo o inteiro teor do acórdão.

____________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.120.113 - SP (2009/0016104-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO : MAKRO ATACADISTA S/A

ADVOGADO : MAXIMILIAN FIERRO PASCHOAL E OUTRO(S)

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONFERÊNCIA DE MERCADORIAS NA SAÍDA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL, APÓS REGULAR PAGAMENTO. EXERCÍCIO DO DIREITO DE VIGILÂNCIA E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO. MERO DESCONFORTO. ABUSIVIDADE DA CONDUTA NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.

1. O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo deve sempre almejar o desejável equilíbrio da relação estabelecida entre o consumidor e o fornecedor. A proteção da boa-fé nas relações de consumo não equivale a favorecer indiscriminadamente o consumidor, em detrimento de direitos igualmente outorgados ao fornecedor.

2. A prática da conferência indistinta de mercadorias pelos estabelecimentos comerciais, após a consumação da venda, é em princípio lícito e tem como base o exercício do direito de vigilância e proteção ao patrimônio, razão pela qual não constitui, por si só, prática abusiva. Se a revista dos bens adquiridos é realizada em observância aos limites da urbanidade e civilidade, constitui mero desconforto, a que atualmente a grande maioria dos consumidores se submete, em nome da segurança.

3. Recurso especial a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Dr(a). CELSO CINTRA MORI, pela parte RECORRIDA: MAKRO ATACADISTA S/A.

Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – MP/SP, com base no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP).

Ação: civil pública ajuizada pelo recorrente em face de MAKRO ATACADISTA S.A., cujo objeto é impedir o prosseguimento de prática comercial considerada abusiva, consistente na vistoria das mercadorias adquiridas pelos consumidores na saída do estabelecimento, após o devido pagamento e consequente tradição dos bens.

Segundo o recorrente, a fiscalização imposta pelo MAKRO coloca seus consumidores - presumivelmente vulneráveis, por força do art. 4º, I, do CDC – em desvantagem exagerada e é incompatível com o princípio da boa-fé, pois lhes impõe constrangimentos indevidos e desnecessários. Assim, “inexiste qualquer justificativa alicerçando a revista/conferência das mercadorias efetuada pela ré. Essa conduta não visa garantir a ordem pública, política, social ou democrática, a segurança pública ou a paz social. Objetiva, unicamente, a proteção de patrimônio privado, fim inapto a explicar a lesão ao direito constitucional à intimidade” (e-STJ fls. 10/53).

Sentença: a ação foi julgada improcedente, tendo em vista que “o sistema de conferência faz parte da atividade comercial do Makro há mais de 29 anos. (...) o procedimento é aplicado a todos os clientes, os quais, apesar da fila e de eventuais aborrecimentos, não deixam de fazer suas compras no Makro por causa disso. É um procedimento tolerável, que não deriva para a órbita da lesão ao direito à intimidade dos clientes – haja vista que a conferência é apenas dos produtos que se encontram no carrinho e não das bolsas e carteiras portadas”. Trata-se, portanto, de “meio legítimo de proteção do patrimônio, (...) de prevenção de equívocos que possam ser cometidos quando do registro das mercadorias” (e-STJ fls. 416/426). O MP/SP interpôs recurso de apelação (e-STJ fls. 430/449).

Acórdão: o TJ/SP, por maioria de votos, deu parcial provimento à apelação interposta pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 633/649):

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Pretensão a condenar empresa atacadista à obrigação de não fazer, abstendo-se de compelir seus consumidores à revista das compras, que realizaram, após a aquisição nas caixas registradoras, quando normalmente a conferência é feita, e antes da saída do estabelecimento - Conduta constrangedora, a violar a intimidade e a privacidade, além da afronta à livre locomoção e ao direito de propriedade, eis que consumada a tradição -Inocorrência de consentimento tácito, face a imperatividade da conduta,impedindo a recusa - Procedência, em parte, para tornar facultativa a medida, a ela se submetendo o consumidor, caso queira.

MINISTÉRIO PÚBLICO - Legitimidade ativa - Arte. 81 ,lll, 82,1 e 91 do Código de Defesa do Consumidor - Tutela de valores individuais homogêneos, de origem comum - Interesse de agir, também, presente, por ser a prestação jurisdícional apta e útil à tutela objetiva da pretensão.

Embargos Infringentes: interpostos pelo MAKRO (e-STJ fls.652/666), foram acolhidos pelo TJ/SP, conforme atesta a ementa a seguir (e-STJ fls.741/764):

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Obrigação de não fazer - Atribuição de conduta vexatória dos prepostos da embargante, em razão de conferência das mercadorias após a aquisição nas caixas registradoras e antes da saída do estabelecimento - Inexistência de qualquer excesso - O consumidor não é submetido a revista ou conferência vexatória, não havendo exposição da intimidade e privacidade do cliente a dúvida ou humilhação perante outras pessoas - Inocorrência de violação à livre locomoção e ao direito de propriedade - Instrumento legítimo de proteção do patrimônio – Conciliação dos princípios da livre iniciativa e da livre empresa com o da defesa do consumidor, em conformidade com as regras da justiça social - Arts. 1°, IV, e 170, caput, e parágrafo único, com o art. 170, V, todos da CF - Sentença julgou improcedente a ação e extinguiu o processo, com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC - Embargos infringentes acolhidos para manter a improcedência pronunciada em primeiro grau.

A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais (Ato nº 135 - Art. 6º e Ato nº 172 - Art. 5º)

Recurso especial: alega violação dos arts. 620 do CC/16, 113 e 1.267 do CC/02 e 4º, I e 51, IV, do CDC, pois a vistoria levada a efeito pelo MAKRO consiste em “obrigação iníqua e abusiva, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, além de ser incompatível com a boa-fé”. Além disso, a conduta combatida pelo recorrente parte “do infeliz pressuposto de que todos são desonestos até que se prove o contrário” (e-STJ fls. 824/843). O MP/SP também interpôs recurso extraordinário (e-STJ fls. 845/865).

Exame de admissibilidade: o TJ/SP negou seguimento a ambos os recursos (e-STJ fls. 923/926), motivando a interposição de agravo de instrumento (Ag 1.042.354/SP), ao qual dei provimento para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 1.036).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cinge-se a controvérsia a verificar a abusividade da prática comercial levada a efeito pelo recorrido, no sentido de submeter mercadorias já adquiridas por seus consumidores à vistoria de seus funcionários, mediante o confronto entre o que consta das sacolas dos compradores e as respectivas notas fiscais.

I – Transmissão da propriedade das mercadorias. Violação dos arts. 620 do CC/16 e 1.267 do CC/02 Em suas razões recursais, o MP/SP sustenta que o acórdão recorrido violou o disposto no “artigo 620, 1ª parte, do Código Civil de 1916 - ou artigo 1.267, do atual Código Civil”, pois “os clientes da empresa Makro, após a retirada das mercadorias das prateleiras, colocação nos carrinhos, passagem e pagamento dos bens no caixa, local em que houve a plena tradição, com a transferência de domínio da coisa, já como proprietários dos produtos (...), ainda são submetidos a posterior obrigatória revista, nas portas de saída do estabelecimento” (e-STJ fls. 832/833).

Neste particular, contudo, a impugnação do recorrente encontra-se dissociada do ponto fundamental da controvérsia, que versa sobre os efeitos da conferência que os prepostos do recorrido realizam sobre os bens adquiridos pelos consumidores.

De fato, o debate a respeito do momento em que é efetuada a tradição e a transmissão da propriedade das mercadorias foi considerado despiciendo pelo próprio acórdão recorrido, que declarou “não ser imperiosa a discussão se houve ou não a tradição para o deslinde fático”, pois, ainda que confirmada a transmissão da propriedade das mercadorias vistoriadas, “não há abuso por parte dos funcionários da empresa atacadista, que possa infringir a intimidade e privacidade e transgredir a livre locomoção e o direito de propriedade” (e-STJ fl. 744).

Verifica-se, portanto, que o TJ/SP jamais questionou o momento da tradição, pois presumiu sua consumação e, ainda assim, rejeitou a alegação de que a prática comercial do recorrido consubstanciaria ofensa ao direito à propriedade e à privacidade dos consumidores. Como se vê, o acórdão recorrido considerou desnecessária, para a análise da matéria colocada a debate, a investigação minuciosa do modo pelo qual se efetuou a transferência da propriedade na espécie dos autos. O mérito dos dispositivos legais cuja violação é apontada pelo MP/SP, portanto, foi apenas superficialmente examinado, sendo que as razões recursais não lograram demonstrar a importância do tema para o deslinde da controvérsia. O conhecimento do recursoencontra óbice, por isso, nas Súmulas 283 e 284, ambas do STF.

Deve-se concluir, nessa linha de raciocínio, que o recurso especial encontra-se deficientemente fundamentado, ao mesmo tempo em que pretende, por via reflexa, atacar o verdadeiro fundamento (constitucional) do acórdão recorrido, que é a inexistência de ofensa à “intimidade e privacidade” ou à “livre locomoção e o direito de propriedade” (acórdão recorrido - e-STJ fl. 744). É relevante destacar, ainda, que a matéria constitucional foi objeto de impugnação expressa no recurso extraordinário interposto pelo MP/SP (e-STJ fls. 845/865), do que decorre que a competência para conhecer da irresignação do recorrente quanto ao ponto é do STF.

Não se conhece, portanto, deste recurso especial no que diz respeito à alegação de violação dos arts. 620 do CC/16 ou 1.267 do CC/02.

II – Conferência de mercadorias adquiridas pelos consumidores e a boa-fé nas relações de consumo. Violação dos arts. 113 do CC/02 e dos arts. 4º, I, e 51, IV, do CDC

A segunda linha de argumentos contida no recurso especial volta-se contra a conclusão adotada pelo TJ/SP no sentido de que a abordagem na saída do supermercado é conduzida de modo corriqueiro, não agindo o funcionário de forma reprovável e temerariamente, com respeito, não colocando os clientes sob suspeição ou constrangimento perante o público que se encontra no interior do estabelecimento. Ao contrário, a medida torna possível uma compra segura, evitando que o leitor ótico do caixa registre mais de uma vez, constando mais de um produto, em caso de um apenas (e-STJ fls.744/745).

A recorrente defende, contudo, a tese de que o comportamento da empresa recorrida viola os arts. 113 do CC/02 e 51, IV, do CDC, pois “coloca o consumidor em desvantagem exagerada, além de ser incompatível com a boa-fé” (e-STJ fl. 833). Nesses termos, o consumidor é “a princípio tratado como potencial autor de crime, para somente depois da conferência ser considerado inocente e poder sair livremente com as mercadorias de sua propriedade” (e-STJ fl. 834), razão pela qual “o exercício da atividade econômica por parte da empresa não é realizado com o devido respeito à vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, CDC)” (e-STJ fl. 835).

Dentro dessa perspectiva, é possível verificar que as violações alegadas neste tópico estão interligadas, uma vez que todas partem do pressuposto de que a conduta do recorrido atenta contra a boa-fé que deve nortear as relações de consumo, em especial face à vulnerabilidade do consumidor e à impossibilidade de infligir-lhe desvantagens exageradas.

Antes de passar à análise dos argumentos apresentados pelo recorrente, contudo, julgo necessária uma pequena digressão a respeito da teleologia do sistema representado pelo CDC, especialmente no que se refere às normas cuja violação é apontada neste recurso especial. De acordo com José Geraldo Brito Filomeno - um dos A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais (Ato nº 135 - Art. 6º e Ato nº 172 - Art. 5º) autores do anteprojeto do CDC -, o complexo normativo do CDC foi idealizado como instrumento para harmonizar as relações de consumo, de maneira a favorecer, na medida do possível, o tratamento igualitário entre as partes:

Embora se fale das necessidades dos consumidores e do respeito à sua dignidade, saúde e segurança, proteção de seus interesses econômicos, melhoria da sua qualidade de vida, já que sem dúvida são eles a parte vulnerável no mercado de consumo, justificando-se dessarte um tratamento desigual para partes manifestamente desiguais , por outro lado se cuida de compatibilizar a mencionada tutela com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico , viabilizando-se os princípios da ordem econômica de que trata o art. 170 da Constituição Federal, e educação – informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e obrigações.(GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 7ª Ed., 2001, p. 17 – destaques no original)

Assim, embora haja o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo – art. 4º, I, do CDC – os direitos a ele conferidos pela legislação consumeirista não são absolutos, razão pela qual sua aplicação deve ser analisada sempre com as vistas voltadas ao desejável equilíbrio da relação estabelecida entre o consumidor e o fornecedor. A proteção da boa-fé nas relações de consumo, portanto, não implica necessariamente favorecimento indiscriminado do consumidor, em detrimento de direitos igualmente outorgados ao fornecedor.

O acórdão recorrido não ignora as premissas acima mencionadas, pois reconhece que a necessidade de “conciliar harmoniosamente o princípio da livre iniciativa, previsto no art. 1o, IV, da Constituição Federal, reiterado no art. 170, caput, e o princípio da livre empresa (...), com o da defesa do consumidor, disposto no inciso V, em conformidade com as regras da justiça social” (e-STJ fl. 744).

De fato, a solução do presente impasse passa pela verificação dos limites de ordem teleológica ou social impostos tanto ao fornecedor quanto ao consumidor. Assim, é inevitável constatar que as dificuldades da vida moderna e as próprias características das relações comerciais impõem aos grandes estabelecimentos comerciais a utilização de equipamentos ou de sistemas de segurança, que visam eliminar a prática de atos ilícitos e, por via indireta, atuam na proteção do próprio consumidor durante o período de compras ou utilização dos serviços.

Qualquer consumidor habituado a frequentar esses grandes estabelecimentos comerciais tem consciência dos equipamentos e procedimentos utilizados pelos fornecedores no exercício de seu direito de vigilância e proteção do patrimônio, sem que se possa cogitar de má-fé do fornecedor por conta do recurso a esses mecanismos, atualmente bastante difundidos, compreendidos e aceitos pela grande maioria dos consumidores.

Ante a realidade dos fatos, é necessário conciliar os direitos fundamentais dos consumidores, entre eles o direito à intimidade e à privacidade, com o direito do fornecedor de utilizar meios idôneos para a defesa de seu patrimônio, que também é garantido constitucionalmente. É dentro dessa perspectiva que a espécie dos autos deve ser analisada.

Na hipótese em exame, a prática considerada abusiva pelo recorrente é incontroversa. Conforme relata o acórdão recorrido, trata-se de “conferência das compras dos clientes que adquiram mercadorias em suas lojas, após a aquisição nas caixas registradoras e antes da saída do estabelecimento” (e-STJ fl. 743), a que se sujeitam “todos os consumidores”, indistintamente. O implemento de medidas que tragam segurança aos estabelecimentos

comerciais, contudo, é lícito e, como visto, insere-se no exercício regular do direito de vigilância e proteção do patrimônio. A mera vistoria das mercadorias, na saída do estabelecimento, não configura ofensa automática à boa-fé do consumidor. Tampouco é capaz de impor-lhe desvantagem desmedida ou representa desrespeito à sua vulnerabilidade – desde que, evidentemente, essa conferência não atinja bens de uso pessoal, como por exemplo bolsas e casacos, ou envolva contato físico. A revista deve ser restrita às mercadorias adquiridas no estabelecimento e não pode ultrapassar os limites da urbanidade e civilidade. Não há nos autos, no entanto, qualquer informação no sentido de que o recorrido tenha deixado de observar essas condições.

Cuida-se, portanto, de um mero desconforto, a que os consumidores hodiernamente se submetem. Como bem apontou a decisão proferida pelo TJ/SP, “não se nega que para alguns, com sensibilidade mais acentuada, a revista feita nas mercadorias, após o pagamento, poderia se constituir em eventual motivo a desagrado, o que, entretanto, não implica em ter-se o fato como caracterizador de invasão da privacidade ou da intimidade de quem quer que seja” (e-STJ fl. 750).

De fato, sem que haja compreensão mútua e tolerância às pequenas vicissitudes cotidianas, a vida em sociedade será cada vez mais difícil. No julgamento do REsp 604.620/PR, já tive a oportunidade de afirmar que pequenos dissabores e contrariedades, normais na vida em sociedade, não são indenizáveis. Imprescindível asseverar que na vida em sociedade as pessoas tem que se submeter a certas situações inevitáveis, sob pena de se tornar impossível tal convivência, ainda mais nos dias de hoje. Nessa linha de raciocínio, existem situações que se consubstanciam em aborrecimentos comuns do cotidiano moderno, não suscetíveis de indenização. São situações, certamente, desagradáveis, que geram aborrecimentos, mas que, no entanto, são inevitáveis e não passíveis de qualquer reparação (REsp 604.620/PR, 3ªTurma, de minha relatoria, DJ de 13/3/2006).

Como resultado de todas essas considerações, verifica-se que o recorrente almeja ver a violação de normas infraconstitucionais em situações nas quais há, apenas, a prevalência de uma interpretação razoável a respeito da prática comercial adotada pelo recorrido. Vale ressaltar que o reconhecimento de ofensa a literal disposição de lei somente se dá quando dela se extrai conclusão desarrazoada, o que, como visto, não é o caso dos autos.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

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