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MPF/SP move ação para que Anvisa obrigue fabricante a informar sobre bisfenol A

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em SP ajuizou ACP, com pedido de liminar, de efeito nacional, para que a Justiça Federal obrigue a Anvisa a regulamentar, em um prazo máximo de 40 dias, que fabricantes informem, ostensiva e adequadamente, a presença de bisfenol A - BPA nas embalagens e rótulos de produtos que contenham essa substância em sua composição.

6/2/2011


Alerta

MPF/SP move ação para que Anvisa obrigue fabricante a informar sobre Bisfenol A

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em SP ajuizou ACP, com pedido de liminar, de efeito nacional, para que a Justiça Federal obrigue a Anvisa a regulamentar, em um prazo máximo de 40 dias, que fabricantes informem, ostensiva e adequadamente, a presença de Bisfenol A - BPA nas embalagens e rótulos de produtos que contenham essa substância em sua composição.

O Bisfenol A é componente amplamente utilizado no mercado para produção de plásticos usados em garrafas, copos e mamadeiras para bebês e embalagens de alimentos em geral. Estudos científicos recentes demonstraram que o BPA pode comprometer a saúde das pessoas e até causar doenças cardíacas e câncer.

A Food and Drug Administration (FDA), agência norte-americana responsável pelo controle de alimentos e remédios tem demonstrado grave preocupação com a utilização da substância naquele país. Na União Europeia (por exemplo, a Dinamarca), Canadá e Costa Rica a utilização do BPA vem sendo proibida em razão da sua potencial nocividade à vida e à saúde humana.

Inquérito

Em julho de 2010, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em SP instaurou um inquérito visando apurar os riscos do Bisfenol A à saúde. A Anvisa foi questionada sobre a substância e respondeu que estava ciente sobre os estudos da agência norte-americana a respeito dos riscos à saúde e, principalmente, sobre o possível efeito do BPA no sistema neurológico de fetos, bebês e crianças.

A agência também informou ter editado a resolução 17 (clique aqui), de 2008, que regulamenta o uso de substâncias plásticas destinadas à elaboração de embalagens e equipamentos em contato com alimentos.

Já a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia também manifestou sua preocupação e prestou informações sobre os estudos existentes quanto a nocividade do Bisfenol A. A entidade manisfestou grande preocupação com o uso da substância "...refere-se às evidências dos efeitos do BPA sobre a saúde humana pela sua atividade como desregulador endócrino e posiciona-se no sentido de que medidas de controle e educação sejam urgentemente implantadas por órgãos públicos competentes".

A entidade mostrou grande preocupação a ponto de propor uma campanha cujo o slogan era "Diga não ao Bisfenol A, a vida não tem plano B".

O inquérito também apurou que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal já aprovou o PLS 159/10 (clique aqui), que proíbe a comercialização de produtos que contenham em sua composição o Bisfenol A.

Mamadeiras

Uma das maiores preocupações é que o Bisfenol A é muito utilizado na fabricação de mamadeiras, o que exporia a riscos recém-nascidos e crianças, mais vulneráveis que os adultos.

Para o procurador regional dos direitos do cidadão em SP, Jefferson Aparecido Dias, autor da ação, a regulamentação existente limita-se apenas a disciplinar o limite de migração de BPA em cada alimento, nada dispondo sobre informações a serem prestadas aos consumidores.

Para o procurador, "a incerteza da situação, aliada ao possível risco de danos graves à saúde humana, notadamente, aos bebês e às crianças, exige um quadro explícito de informação e orientação adequados ao consumidor, notadamente, nas embalagens de produtos que contêm tal substância dentre seus componentes", afirmou.

Dias ainda ressaltou que o direito a informação não é apenas uma questão de saúde pública, mas também um direito do consumidor que está pagando por produtos que podem vir a causar danos irreparáveis.

"O art. 196 da Constituição Federal deixa claro que o Estado deve buscar políticas públicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos, assim como o art. 5, em seu inciso XXXII, determina que o Estado deve promover a defesa do consumidor, assim como o código de defesa do consumidor diz que são direitos básicos a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos, assim a Anvisa deve regulamentar para que os cidadãos tenham liberdade de escolha", afirmou Dias na ação.

O MPF também pede que, caso seja concedida a liminar e esta não seja cumprida, multa de, no mínimo, R$ 100 mil por dia de descumprimento.

Veja abaixo a íntegra da ação.

__________

DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO

Inquérito Civil Tutela Coletiva nº 1.34.001.006079/2010-19

Ref.: CIDADANIA. SAÚDE PÚBLICA. Verificar a possível nocividade da substância Bisfenol A à vida e à saúde das pessoas, bem como a forma de regulamentação pela ANVISA.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador Regional dos Direitos do Cidadão infra assinado, comparece perante Vossa Excelência para, com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988, art. 6º, inciso VII, b, da Lei Complementar nº 75/93, art. 1º, inciso II, da Lei nº 7.347/85 e art. 82, inciso I, da Lei nº 8.072/90, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, pessoa jurídica de direito público, constituída sob a forma de autarquia federal vinculada ao Ministério da Saúde, com sede no Setor de Indústria e Abastecimento – SIA, Trecho 05, Quadra Especial 57, Lote 200, CEP 71.205.050, Brasília/DF, pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos:

I - DO OBJETO

A presente ação visa obter provimento jurisdicional que determine à ANVISA a obrigação de fazer no sentido de regulamentar a obrigatoriedade de que fabricantes informem, ostensiva e adequadamente, a presença de Bisfenol A (BPA) nas embalagens e rótulos de produtos que contenham essa substância em sua composição.

II – DOS FATOS

A presente ação advém do Inquérito Civil Público nº 1.34.001.006079/2010-19, que segue anexo, instaurado por esta Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, por meio da Portaria PR/SP nº 318, de 16 de julho de 2010, tendo por objeto apurar possível nocividade da substância “Bisfenol A”, também conhecida por BPA, à vida e à saúde das pessoas, bem como a forma de regulamentação de seu uso pela ANVISA.

O BPA é componente amplamente utilizado no mercado para produção de plásticos usados em garrafas, copos e mamadeiras para bebês, latas de bebida e embalagens de alimentos em geral.

Ocorre que, segundo estudos científicos recentes, tal componente pode comprometer a saúde das pessoas e até causar doenças cardíacas e o câncer.

Em razão disso, a Food and Drug Admistration (FDA), agência norte-americana que controla alimentos e remédios, tem manifestado grave preocupação com a utilização dessa substância naquele país.

Na União Européia e em países como o Canadá, Dinamarca e a Costa Rica a utilização do BPA vem sendo proibida, em face da sua potencial nocividade à vida e à saúde humana.

Solicitadas informações, a ANVISA, por meio de sua Gerência de Tecnologia de Materiais de Uso em Saúde – GEMAT, prestou, em resumo, as seguintes informações (fls. 18/21):

“1. A discussão a respeito do assunto que tem ocorrido internacionalmente refere-se, principalmente, ao risco de produtos com BPA que entram em contato com alimentos, dentre estes a Mamadeira (Recipiente), que tem gerado grande polêmica.

2. A partir das discussões, algumas instituições iniciaram estudos e revisões bibliográficas acerca da exposição do homem ao BPA, tendo algumas destas se manifestado oficialmente a respeito do assunto.

Seguem referências de dois estudos a respeito do BPA:

(…)

3. O Nacional Toxicology Program (NTP), que se trata de um programa do governo dos Estados Unidos que, dentre outras atividades, fornece informações para outras agências governamentais, comunidades científicas e médicas, e ao público sobre o potencial de toxicidade dos produtos químicos, apresentou Monografia a respeito dos efeitos e riscos quanto à exposição ao BPA.

4. Conforme essa Monografia relacionou-se a exposição aos produtos contendo BPA à ocorrência de certos eventos, tais como efeitos sobre o desenvolvimento cerebral e sobre o sistema endócrino; no entanto, considerando que a maioria dos estudos existentes foi desenvolvida em roedores e outras espécies, observou-se que as evidências dos estudos realizados em humanos são insuficientes para determinar se o BPA causa ou não efeitos tóxicos no desenvolvimento quando ocorre exposição pré-natal ou durante a infância.

5. Assim sendo, tal instituição demonstra a preocupação a respeito do assunto em pauta, mas destaca que dados adicionais, principalmente quanto à exposição humana, ainda são necessários.

6. Os estudos realizados até o momento relatam segurança em relação aos baixos níveis de exposição humana ao BPA. No entanto, com base em resultados de estudos recentes, tanto o Nacional Toxicology Program (NTP) quanto o FDA têm demonstrado preocupação em relação aos efeitos potenciais do BPA no sistema neurológico de fetos, bebês e crianças. Portanto, ainda estão sendo realizados estudos adicionais e mais aprofundados para responder e esclarecer as principais dúvidas e incertezas sobre os riscos do BPA.

7. Assim, neste ínterim, o FDA tem se posicionado no sentido de tomar medidas razoáveis para reduzir a exposição humana ao BPA associado ao fornecimento de alimentos, as quais incluem: a) Ações de apoio à indústria para parar a produção, no mercado norte americano, de mamadeiras e copos infantis para alimentação contendo BPA;

b) apoiar e facilitar o desenvolvimento de alternativas ao BPA para o revestimento as latas de fórmula infantil;

c) apoiar os esforços para substituir ou minimizar os níveis de BPA nos revestimentos das latas dos outros alimentos.

(…)

10. O Canadá foi o primeiro país no mundo a tomar medidas sobre o Bisfenol A, reconhecendo o risco associado ao contato com produtos que contém BPA, anunciando que irá proceder a elaboração de regulamentações para proibir a importação, a venda e a publicidade das mamadeiras de policarbonato que contém BPA. O Governo também vai tomar medidas para limitar a quantidade de BPA que está sendo lançada no meio ambiente.

11. À luz das incertezas sobre a possibilidade de eventos adversos de baixas doses de BPA à saúde humana, especialmente sobre o sistema reprodutivo, sistema nervoso e para o desenvolvimento comportamental. E considerando a exposição ao BPA relativamente mais alta em crianças em comparação aos adultos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estão organizando uma reunião com consultores/peritos ad hoc para avaliar a segurança do BPA, quer ser realizada em novembro de 2010.

(…)

15. Considerando que a Resolução RDC nº 17, de 17 de março de 2008, que dispõe sobre Regulamento Técnico sobre Lista Positiva de Aditivos para Materiais Plásticos destinados à Elaboração de Embalagens e Equipamentos em Contato com Alimentos, e que contempla no Apêndice I a lista que contém os aditivos permitidos para a fabricação de embalagens e equipamentos plásticos, com as restrições de uso, e limites de composição e de migração específica indicados, incluindo o Limite de Migração Específica (L.M.E) de 0,6 mg/kg para o Bisfenol A, se trata de uma regulamentação da área de alimentos;

16. E, considerando as incertezas existentes a respeito do assunto, frente à análise do risco para saúde humana relacionado à exposição ao BPA contido em materiais que entram em contato com alimentos;”

A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia-SP, instada pelo Ministério Público Federal, prestou informações sobre os estudos existentes quanto à nocividade do BPA (fls. 183/185). Afirma, em síntese, que:

“Os plásticos são polímeros construídos a partir de diferentes combinações de monômeros e representam um dos materiais mais abundantes na vida moderna. Devido à sua ampla utilização e os inúmeros aditivos que contêm, os plásticos representam um risco potencial à saúde humana e ao meio ambiente através da liberação de seus componentes monoméricos e aditivos de forma combinada ou isolada.

O BPA é o principal monômero utilizado na fabricação dos plásticos policarbonetos e de outros plásticos como o PVC. Além disso, o BPA é empregado na produção de inúmeros outros produtos de larga utilização, como no amálgama, utilizado na restauração dentária e na resina que serve de revestimento interno para latas que acondicionam alimentos e bebidas. No processo de polimeração do BPA, uma fração considerável dessa substância escapa do processo de ligação e, com o passar do tempo, é liberada do revestimento das latas para os alimentos. Esse processo de liberação é acelerado por lavagens repetidos dos recipientes plásticos, quando conteúdos com pH ácido ou básico são estocados e quando sofrem aquecimento (1,2,3).

Embora a contaminação oral através dos alimentos tenha sido considerada como a maior fonte de exposição humana ao BPA, outra via importante de exposição é a inalatória (4). Estima-se que 100 toneladas do BPA são liberadas na atmosfera a cada ano (5) através da própria síntese ou pela volatilização de água contaminada.

A concentração de BPA no sangue e urina tem sido medida por alguns pesquisadores ao redor do mundo e os seus níveis variam de 0,1 a 10 ug/L (6,7). Valores semelhantes foram identificados em líquido amniótico (126) e foi encontrado em pequenas quantidades no leite materno (8). Estudos populacionais têm demonstrado que o BPA está presente em aproximadamente 93% das pessoas em quantidades variáveis, atingindo valores tão elevados quanto 71 ng/Kg/dia, especialmente em mulheres, crianças e adolescentes (9,10). Esses relatos são de particular interesse, pois denota a maior exposição justamente na janela de vulnerabilidade ao BPA, durante o desenvolvimento fetal e na infância.

(…)

Estudos epidemiológicos recentes têm identificado associação entre os níveis sanguíneos de BPA em mulheres e doenças endócrinas como obesidade, hiperplasia endometrial, abortos frequentes, esterilidade e síndrome dos ovários policísticos (14,15). No entanto, esses tipos de estudos não são suficientes para estabelecer-se uma relação causal definitiva entre o BPA e essas patologias.

Em resumo, a determinação da segurança do BPA continua um desafio para as comunidades médicas e científicas, no entanto muitos pesquisadores hoje vêem o BPA como um desregulador endócrino cujos efeitos adversos na saúde humana merecem atenção e devem ser analisados em profundidade. A preocupação atual a respeito do BPA está direcionada primariamente pelos efeitos das baixas doses em animais, pelos estudos epidemiológicos em humanos e pelo reconhecimento de que concentrações biologicamente ativas de BPA detectada em sangue humano estão dentro ou acima das concentrações que, in vitro, causam mudanças nas funções dos tecidos humanos (13).

A principal preocupação da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia refere-se às evidências dos efeitos do BPA sobre a saúde humana pela sua atividade como desregulador endócrino e posiciona-se no sentido de que medidas de controle e educação sejam urgentemente implantadas por órgãos públicos competentes, a saber:

1- Campanhas de educação da população em relação aos efeitos potencialmente maléficos do BPA e medidas de controle da exposição, especialmente em crianças e mulheres em idade fértil;

2- Determinação, através de pequisas científicas e de dados da literatura, do real limite de segurança da exposição humana e o tempo de permanência no organismo após a exposição;

3- Revisão e fiscalização do Limite de Migração Específica do BPA para alimentos e bebidas em condições adequadas de acondicionamento em embalagens plásticas ou latas;

4- Determinação das concentrações do BPA nos líquidos corpóreos em mulheres grávidas.”

Vale ressaltar que a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia de São Paulo lançou até mesmo uma campanha contra a utilização do produto, com o seguinte slogan: “Diga não ao Bisfenol-A, a vida não tem plano B”. Para conhecê-la bastar acessar ao blog: “https://sbemsp.org.br/blog/?p=941”.

Verifica-se, assim, que é extremamente controverso e incerto no âmbito da literatura médica os riscos à saúde humana pela utilização de produtos plásticos elaborados com o BPA. As autoridades científicas e sanitárias demonstram preocupação com o assunto, e chegam a apontar possíveis associações entre os níveis dessa substância no corpo humano e doenças graves relacionadas ao sistema nervoso, circulatório, reprodutivo, à atividade cerebral etc.

A gravidade da situação ocorre porque o BPA é muito utilizado na fabricação de mamadeiras, o que exporia a riscos recém-nascidos e crianças, que, devido ao estágio inicial de formação, são mais vulneráveis que os adultos.

Além disso, as autoridades científicas indicam também que o BPA, após o descarte dos produtos na natureza, pode causar lesão ao meio ambiente.

No Brasil, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal já aprovou o PLS 159/2010 que proíbe a comercialização de produtos com essa substância.1

Apesar disso, a regulamentação estabelecida pela ANVISA até o momento (RESOLUÇÃO RDC nº 17, de 17 de março de 2008) limita-se tão somente a disciplinar o Limite de Migração Específica (L.M.E) de 0,6 mg/kg de BPA A em cada produto (fls. 75 a 123), nada dispondo sobre as informações a serem prestadas aos consumidores.

A incerteza da situação aliada ao possível risco de danos graves à saúde humana, notadamente, aos bebês e às crianças, exige um quadro explícito de informação e orientação adequados ao consumidor, notadamente, nas embalagens de produtos que contêm tal substância dentre seus componentes.

Em suma, não basta ao consumidor ter informações públicas e genéricas acerca dos possíveis riscos associados ao BPA. É necessário também que tenha conhecimento real e efetivo acerca de todos os produtos que utilizam tal matéria-prima.

Desse modo, considerando que a embalagem é o melhor meio de comunicação entre o produtor e o consumidor, pois é impossível este ter acesso ao produto sem acessar à embalagem, é evidente que a ANVISA deve regulamentar a obrigatoriedade de que os produtores de materiais que contenham a substância BPA A veiculassem nas embalagens dos produtos a informação ostensiva e adequada dessa circunstância.

Desse modo, diante da omissão regulamentadora da ANVISA, não resta outra saída a não socorrer-se ao Poder Judiciário, com o desiderato de se obter provimento no sentido de atribuir eficácia normativa à Constituição Federal bem como resguardar e efetivar os direitos dos administrados à informação e à liberdade de escolha.

III – DO DIREITO

Tutela-se na presente ação civil pública dois direitos de natureza constitucional, qual seja, o direito à saúde e o direito à proteção do consumidor.

III.1- Do direito à saúde

Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados nos arts. 196 a 200 da Constituição Federal. Especificamente, o art. 196 dispõe que:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". (destaque nosso)

Visando concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Nesse sentido, a Lei n.º 8.212/91 dispõe que:

“Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.

(...)

Art. 2º A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

(destaque nosso)

Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido de “assegurar o direito relativo à saúde”.

A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelece:

“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1.º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação." (destaque nosso)

Desse modo, o Estado brasileiro, ao admitir o comércio de produtos que contenham a substância BPA, sem exigir que de tal circunstância seja informada adequadamente a população, enquanto outros países vêm até mesmo proibindo sua utilização acaba por colocar em risco a vida e a saúde das pessoas.

Ou seja, uma política de saúde que venha realmente combater as causas dos riscos de doença deve passar necessariamente por alertar os consumidores acerca das substâncias potencialmente nocivas que compõem os produtos e embalagens.

Segundo Carlos Thadeu de Oliveira2: “Se há dúvida, é melhor aplicar o Princípio da Precaução e eliminar a substância do mercado”.

Frise-se, ainda, que a medida ora postulada em face da ANVISA é plenamente viável, tomando-se como exemplo o posicionamento da referida Autarquia no Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Ministério Público Federal de Minas Gerais e quarenta e sete empresas que integram a Associação Nacional de Restaurantes, por meio do qual elas se obrigaram a incluir, nas embalagens dos alimentos, tabela nutricional (conforme notícia de fl. 207).

Desse modo, é de se concluir que a falta de informação acerca da utilização do BPA nos diversos produtos e embalagens ofende o direito fundamental à saúde, fundamento maior que exige imediatas providências judiciais.

III.2- Dos direitos à informação e à liberdade de escolha A respeito da proteção do consumidor, dispõe a Constituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”

“Art. 220. (…) § 3º - Compete à lei federal:

(…) II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem (...) da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.”;”

No âmbito infraconstitucional, estabelece o Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviçosconsiderados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

(...)

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

(...)

Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.

Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

(…)

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores.”

A respeito do direito à informação, José Geraldo Brito Filomeno3 leciona:

“Em verdade, aqui se trata de um detalhamento do inc. II do art. 6º ora comentado, pois que se fala expressamente sobre especificações corretas de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem, obrigação pecífica dos fornecedores de produtos e serviços.

Trata-se, repita-se, do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles.”

Retira-se desse conjunto normativo um complexo de dispositivos que estabelecem o direito dos consumidores à informação correta e adequada acerca dos diferentes produtos e serviços disponibilizados no mercado de consumo. Tal informação 3 GRINOVER, Ada Pelegrini. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. Editora Forense Universitária, pág. 146. compreende a especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem.

Além disso, o cumprimento de tal obrigação se faz ainda mais necessário quando os produtos e serviços colocados à disposição dos consumidores revestem-se de risco potenciais. Nesse sentido, o direito à informação é corolário evidente dos direitos à vida e à segurança.

É evidente que a falta de informação e orientação adequada acerca dos produtos nocivos ou perigosos acarretam grave risco e insegurança aos consumidores.

Este é exatamente o caso combatido na presente ação civil pública. O BPA, componente amplamente utilizado em diversos produtos plásticos, oferece potenciais riscos aos consumidores, conforme destacado nos estudos mencionados.

Apesar disso, há na sociedade brasileira a mais absoluta falta de informação e desconhecimento da população, primeiramente, quanto aos riscos dessa substância e, em seguida, quais produtos e embalagens são compostos de BPA.

Ainda, deve se dizer que vigora para o consumidor a ampla liberdade de escolha, o que implica dizer que, para que suas opções de compra sejam realmente livres, devem ser bem orientadas e informadas.

A relação de consumo pautada pela lealdade e boa-fé pressupõe que toda informação relevante seja devidamente propiciada. Somente dispondo de informações completas sobre cada aspecto dos bens ofertados, o consumidor torna-se apto a exercer seu direito de escolha.

Vale transcrever valiosa lição de Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin4:

“(1)DOIS TIPOS BÁSICOS DE INFORMAÇÃO – A informação, no mercado de consumo, é oferecida em dois momentos principais. Há, em primeiro lugar, uma informação que precede (publicidade, por exemplo) ou acompanha (embalagem, por exemplo) o bem de consumo. Em segundo lugar, existe a informação passada no momento da formalização do ato de consumo, isto é, no instante da contratação.

Lá, temos a informação pré-contratual. Aqui, nos deparamos com a informação contratual. São dois estágios distintos do iter da comunicação com o consumidor. Ambos têm o mesmo objetivo, ou seja, preparar o consumidor para um ato de consumo verdadeiramente consentido, livre, porque fundamentado em informações adequadas.

Só que um (o pré-contratual) tem muito mais a ver com informações sobre o próprio produto ou serviço, embora não se limite a tal. O outro, diversamente, trata precipuamente das condições formais em que a manifestação da vontade tem lugar. É como se aquele momento inicial fosse, de fato, preparatório para o segundo. Isso porque, sem a informação adequada através da oferta, “a informação contratual corre o risco de chegar tarde demais”. E é na fase pré-contratual que a decisão do consumidor é efetivamente tomada. Daí a importância de sua informação suficiente ainda nesse estágio.

(2) O DEVER DE INFORMAR – Para a proteção efetiva do consumidor não é suficiente o mero controle da enganosidade e abusividade da informação. Faz-se necessário que o fornecedor cumpra seu dever de informação positiva. Toda a reforma do sistema jurídico nessa matéria, em especial no que se refere à publicidade, relaciona-se com o reconhecimento de que o consumidor tem direito a uma informação completa e exata sobre os produtos e serviços que deseja adquirir.

O dispositivo tem, na sua origem, o princípio da transparência, previsto expressamente pelo CDC (art. 4º, caput). Por outro lado, é decorrência também do princípio da boa-fé objetiva, que perece em ambiente onde falte a informação plena do consumidor.

Com efeito, “na sociedade de consumo o consumidor é geralmente mal informado. Ele não está habilitado a conhecer a qualidade do bem ofertado no mercado, nem a obter, por seus próprios meios, as informações exatas e essenciais. Sem uma informação útil e completa, o consumidor não pode fazer uma escolha livre. A obrigação que o Direito Civil impõe ao comprador de informar-se antes de contratar é, na sociedade de consumo, irreal”.

(…)

Não é qualquer modalidade informativa que se presta para atender aos ditames do Código. A informação deve ser correta (verdadeira), clara (de fácil entendimento), precisa (sem prolixidade), ostensiva (de fácil percepção) e em língua portuguesa.

O consumidor bem informado é um ser apto a ocupar seu espaço na sociedade de consumo. Só que essas informações muitas vezes não estão à sua disposição. Por outro lado, por melhor que seja a sua escolaridade, não tem ele condições, por si mesmo, de apreender toda a complexidade do mercado. É que, como muito bem alerta Marilena Lazzarini, a líder do consumerismo brasileiro, “por mais informado que o cidadão esteja, existem inúmeras questões invisíveis para as pessoas. Sozinhas elas não têm condições de avaliar se uma verdura possui agrotóxicos acima do permitido.

(…)

(6) AS EMBALAGENS E ROTULAGEM – Não é só a publicidade que pode ser enganosa (art. 37, §1º). Na medida em que a embalagem geralmente é veículo de marketing, também ela se presta à enganosidade. “Na sociedade de consumo, o rótulo, fixado sobre um produto ou embalagem, constitui um meio ideal de comunicação entre o fabricante, o distribuidor ou o vendedor e o consumidor. E por ser meio de comunicação, é passível de transmissão de informações enganosas ou abusivas.”

A par disso, não há nenhuma lei ou ato normativo da ANVISA que determine aos produtores e fornecedores a constarem tal informação nos rótulos e embalagens.

A respeito da atribuição da Agência para o colimado na presente ação civil pública, estabelece a Lei nº 9.782/99:

“Art. 6º A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionadas, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.”

Quanto ao direito do consumidor à informação, seguem os julgados:

“ADMINISTRATIVO. ANVISA. RESOLUÇÃO N.º 335/03. REGULAMENTA as imagens E TEXTOS de advertência das embalagens de cigarro. ATRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL. I - Insurgiu-se a Parte Autora contra a Resolução n.º 335/03 da ANVISA, a qual, em síntese, regulamenta as imagens de advertência das embalagens de cigarro, determinando que as embalagens tragam o número do serviço Pare de Fumar Disque Saúde em forma ampliada, tornando, ainda, obrigatório o aviso – VENDA PROIBIDA A MENORES DE 18 ANOS e o alerta ESTE PRODUTO CONTEM MAIS DE 4.700 SUBSTÂNCIAS TÓXICAS E NICOTINA, QUE CAUSA DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA. NÃO EXISTEM NÍVEIS SEGUROS PARA CONSUMO DESSAS SUBSTÂNCIAS. II - O MM. Juízo a quo, entendendo que a Autora-Apelante repetiu pedido deduzido em outra ação anteriormente ajuizada, julgou o feito extinto face a litispendência avistada. III – Compulsando os autos, pode-se verificar, todavia, que inexiste a litispendência alegada, uma vez que, no primeiro processo ajuizado, a Autora limitou-se a vergastar vício formal da Resolução n.º 335/03. Apenas na presente demanda que a mesma o conteúdo da referida Resolução, reputando-a ilegal e inconstitucional. IV - A ANVISA é o órgão responsável pelo exercício do poder de polícia em relação à fiscalização da saúde pública, considerada de relevância por nossa Constituição Federal, em seu art. 197. V - Entende-se, assim, que as determinações contra as quais se insurgiu a Parte Autora afiguram-se totalmente legítimas, porquanto concretiza o poder de polícia da ANVISA, em estrito cumprimento de sua finalidade institucional de promover a proteção da saúde da população, mormente ao se considerar, como bem frisou a douta Procuradoria Regional da República, que o uso de fumo já é considerado uma epidemia. VI - É cediço, outrossim, que se deve ter como direito básico do consumidor, na forma do art. 6º do CDC, “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que se apresentem”. VII – Apelação da Parte Impetrante provida para anular a Sentença recorrida, tendo em vista a inexistência de litispendência. VIII – No mérito, pedido da Parte Impetrante julgado improcedente.”

(TRF-2ª Região, Sétima Turma Especializada, Des. Federal REIS FRIEDE, Data da decisão: 05/09/2007, Data da publicação: 12/09/2007)

“APELAÇÃO CÍVEL. PORTARIA SUNAB Nº 04/94.LEI DELEGADA 04/62. LEGALIDADE. INFORMAÇÃO AFIXADA NO PRODUTO. AUSÊNCIA DE SUBSUNÇÃO DO FATO À NORMA.LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO. 1.Portaria - Super nº 04/94(SUNAB) em conformidade com a Lei Delegada nº 4, de 26.09.1962, recepcionada pela Constituição Federal de 1988. 2. Interpretação finalística. A afixação de etiquetas, na embalagem do produto, atende de forma ainda mais satisfatória a finalidade da determinação contida na norma, qual seja, a de levar ao consumidor informações acerca das condições do produto comercializado. Não se mostra razoável subsumir a conduta da apelada no disposto no artigo 26 da Portaria nº 04/94, visto que cumpriu com seu dever de informação, conforme demonstram os documentos de fls. 29/76.

3.Assiste à autora, ora apelada, o direito ao levantamento do depósito judicial. Mantidos os critérios de correção monetária e juros, ressalvando, entendimento pelo qual operando-se o trânsito em julgado após o advento da Lei 9.250/95, incidem, na restituição, somente os juros equivalentes à taxa Selic, a partir de sua vigência, vedada a cumulação com qualquer outro índice, seja de juros, seja de atualização monetária, o qual não pode ser aplicado no presente caso, uma vez que sua aplicação acarretaria reformatio in pejus.

4.Apelação e Remessa oficial desprovidas.”

(TRF-3ª Região, Sexta Turma, Juiz Federal LAZARANO NETO, Data da decisão: 08/05/2008, Data da publicação: 26/05/2008)

Por fim, deve-se dizer que a Autarquia ré atenta também contra o princípio da legalidade (art. 37 da Constituição Federal), haja vista que a Resolução que regulamenta a utilização do BPA, não cumpre as disposições do Código de Defesa do Consumidor acima mencionadas.

Dessa forma, resta ao Poder Judiciário determinar ao Poder Público omisso a regulamentação da questão, para que sejam efetivados os direitos violados.

IV - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A Constituição Federal, em seu art. 129, incisos II e III, atribui ao Ministério Público a função institucional de promover a ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos, inclusive no que diz respeito às medidas que visem assegurar o efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição.

No mesmo sentido, o art. 6° da Lei Complementar nº 75/93, estatui:

"Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

[...]

VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitos constitucionais;

b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;

d)outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos."

No presente caso, o interesse tutelado é difuso, haja vista que diz respeito ao direito de todos os consumidores a terem informação adequada e precisa acerca dos produtos comercializados, bem como o de se protegerem contra possíveis riscos a sua saúde.

Além disso, figura no polo passivo da lide a ANVISA, autarquia federal, com atribuições relacionadas à vigilância sanitária, e que tem competência para regulamentar a situação reclamada na presente ação civil pública.

Ao deixar de regulamentar a obrigatoriedade dos fornecedores e produtores a constarem nas embalagens de seus produtos a informação ostensiva e adequada de conterem BPA, a Autarquia ré acaba por gerar prejuízos a toda a sociedade brasileira, motivo pelo qual a mesma é alocada no polo passivo dessa ação.

Desse modo, nos termos do art. 109 da Carta Magna, compete à Justiça Federal, na qual o órgão atuante é o Ministério Público Federal, processar e julgar as causas em que a União, ou qualquer de suas entidades autárquicas, seja ré.

Em suma, faz-se necessária a intervenção e atuação do Ministério Público Federal, diante do fato da Autarquia ré não estar cumprindo regularmente sua função normativa e fiscalizadora.

Portanto, figurando a ANVISA no polo passivo, cabe a atuação do Ministério Público Federal e, portanto, a competência para o processamento e julgamento da demanda é da Justiça Federal.

V – DA TUTELA LIMINAR ESPECÍFICA/TUTELA ANTECIPADA

É do escólio de Barbosa Moreira que “Tutela específica é o conjunto de remédios e providências tendentes a proporcionar àquele em cujo benefício se estabeleceu a obrigação o preciso resultado prático atingível por meio do adimplemento, isto é, a não violação do direito ou do interesse tutelado. (...) Se o processo constitui instrumento para a realização do direito material, só se pode a rigor considerar plenamente eficaz a sua atuação quando ele se mostre capaz de produzir resultado igual ao que se produziria se o direito material fosse espontaneamente observado” (“A tutela específica do credor nas obrigações negativas” In: Temas de Direito Processual. 2ª série, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 30).

Consabido é que a ação civil pública de conhecimento admite pedido incidental de liminar, dispensando o ajuizamento de ação cautelar especificamente com esse propósito, consoante a melhor doutrina sobre o art. 12, caput, da Lei nº 7.347/85 e torrencial jurisprudência.

Outro não é o entendimento do festejado Professor Sérgio Ferraz3:

"A par da ação cautelar, com a previsão de liminar em seu bojo, a Lei 7.347/85, em seu art. 12, ainda estatui uma outra modalidade de provimento antecipatório: a liminar na própria ação civil pública, tema disciplinado no art. 12 da Lei em questão."

De resto, assim como as demais medidas emergenciais, a tutela liminar em ação civil pública pressupõe o fumus boni juris e o periculum in mora. O primeiro consiste no descumprimento por parte da ANVISA às normas constitucionais e legais que regem os direitos dos consumidores à informação e à liberdade de escolha, bem como o direito à saúde dos cidadãos.

O segundo desses requisitos reside na ineficácia do provimento jurisdicional se concedido somente ao final do processo. É consabido que os prazos de tramitação de processos judiciais não é curto, sendo que, caso não antecipada a tutela, os bens objetos de tutela (informação, liberdade de escolha e saúde das pessoas) ficariam sem guarida até o final da lide.

Assim, presentes os requisitos necessários à concessão da liminar, requer o Ministério Público Federal o seu deferimento, inaudita altera parte, para o fim de impor, conforme art. 461 caput e parágrafos do Código de Processo Civil a obrigação de fazer à ANVISA, para que ela, no prazo de 40 (quarenta) dias, regulamente, em todo território nacional, a obrigatoriedade de que fabricantes informem, ostensiva e adequadamente, a presença de Bisfenol A (BPA) nas embalagens e rótulos de produtos que contenham essa substância em sua composição.

3 In ação civil pública - lei 7.347/1985 - 15 anos, Coordenador Édis Milaré, 2ª edição revista e atualizada, Ed. Revista dos Tribunais, p. 832

Outrossim, nos termos dos arts. 21 da LACP e 93, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, requer que a decisão proferida produza efeitos em âmbito nacional (Nesse sentido: TRF-3.º: AC 868738, Rel. Juiz DAVID DINIZ, julgado em 29/07/2008, DJ 20/08/20085).

Requer-se ainda, com supedâneo no art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil, para o caso de descumprimento da ordem judicial, a cominação de multa em valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais) por dia de descumprimento, sem prejuízo do que preceituam os parágrafos 5º e 6º do art. 461 do Código de Processo Civil e de responsabilização criminal, na forma do art. 330 do Código Penal (vide REsp 556814/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2006, DJ 27/11/2006 p. 307, bem como HC 86047/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 4.10.2005, Informativo do STF nº 404).

VI - DOS PEDIDOS

Concedida a liminar, no mérito, o Ministério Público Federal requer:

a) a citação da ré, na forma da lei, para, querendo, contestar a presente ação, com as advertências de praxe, inclusive quanto à confissão da matéria de fato, em caso de revelia, e para produzir a prova que quiser, e se ver processada até a condenação final, na forma do pedido abaixo especificado;

b) a condenação definitiva da ANVISA nas obrigações já requeridas em sede de tutela liminar;

c) seja fixada multa para o caso de descumprimento da sentença proferida, em valor fixado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), por dia de descumprimento, sem prejuízo do previsto nos parágrafos 5.º e 6.º do art. 461 do Código de Processo Civil e de responsabilização criminal, na forma do art. 330 do Código Penal (vide REsp 556814/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2006, DJ 27/11/2006 p. 307, bem como HC 86047/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 4.10.2005, Informativo do STF nº 404); e

d) condenação da ré ao pagamento dos honorários advocatícios e demais despesas e custas processuais, devendo ser o valor total recolhido ao Fundo de que trata a Lei nº 7.347/85.

5 "III - Os efeitos da sentença em ação civil pública têm seu alcance segundo a extensão do dano verificado, podendo ter abrangência nacional, regional ou local. No caso vertente, o objeto da ação envolve indivíduos domiciliados em todo o território nacional, de modo que os efeitos da sentença deverão ter abrangência nacional. O art. 16 da Lei n. 7.347/85, com redação dada pelo art. 1º da Lei n. 9.494/97 não limitou os efeitos da decisão ao local correspondente à competência territorial do órgão prolator, porquanto não se confunde a discussão de mérito que possui eficácia erga omnes, atingindo todos aqueles que se encontram na situação descrita na inicial, com questão referente a critérios de fixação de competência, que é a matéria efetivamente tratada pelo aludido dispositivo legal."

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito.

Dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Termos em que,

Pede deferimento.

Marília, 04 de fevereiro de 2011.

JEFFERSON APARECIDO DIAS

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão

__________

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