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STJ - Empresa em recuperação não está isenta de apresentar certidões negativas

5/11/2010

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STJ - Empresa em recuperação não está isenta de apresentar certidões negativas

O presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, suspendeu liminar da Justiça paulista que havia obrigado o BB a liberar mais de US$ 400 mil a uma empresa em regime de recuperação judicial, sem exigir a apresentação de certidões de regularidade tributária. O valor corresponde a exportações de produtos para Cuba. A ordem para liberar os recursos havia partido da 2ª vara Judicial da comarca de Embu/SP e foi mantida pelo TJ/SP.

A intervenção do STJ no caso foi pedida pela Fazenda Nacional, ao argumento de que "os créditos a serem liberados são oriundos do Programa de Financiamento às Exportações (Proex), cujos recursos advêm do orçamento da União, sendo o BB o prestador de serviços, na qualidade de agente financeiro". A Fazenda alegou nulidade da decisão proferida pela Justiça de São Paulo, afirmando que a competência seria da Justiça Federal e que a União não fora intimada para se manifestar sobre a questão, que envolve recursos de seu orçamento.

O interesse da União no caso surgiu depois que a empresa em recuperação judicial, fabricante de condutores elétricos, reclamou à 2ª vara de Embu que o BB não estava cumprindo a liminar. A empresa requereu a expedição de ofício para determinar ao banco que liberasse o dinheiro das exportações, sem que fosse exigida a exibição de certidões negativas de tributos.

O BB recorreu ao TJ/SP, mas não teve sucesso. Para o relator do recurso no tribunal Estadual, o inadimplemento das obrigações tributárias é "a primeira consequência da crise econômico-financeira enfrentada pela devedora". Assim, disse ele, mantida a exigência das certidões negativas, "a devedora não terá condições de obter a liberação do câmbio e, em consequência, aumentará o risco de sua quebra".

Mesmo recorrendo da decisão do tribunal paulista, o BB pediu à Secretaria do Tesouro Nacional que liberasse os valores para poder cumprir a ordem judicial, o que levou a União a requerer sua admissão no processo como parte interessada.

Ao analisar o pedido de suspensão da liminar, o presidente do STJ afirmou que a lei 11.101/05 (clique aqui) "não contempla entre os meios de recuperação judicial a utilização incondicionada de incentivos ou benefícios creditícios". Ao contrário, apontou o ministro Ari Pargendler, o artigo 52, inciso II, da referida lei dispensa a empresa submetida a esse regime de apresentar certidões negativas para o exercício de suas atividades, "exceto para contratação com o poder público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios".

O ministro afirmou que, a pretexto de facilitar a recuperação judicial da empresa, não se pode obrigar o credor a financiar o devedor, acrescentando que ao juiz cabe aplicar as normas legais. "Constitui um truísmo que o juiz só pode deixar de aplicar a lei se declará-la inconstitucional – e a interpretação da lei tem um limite : onde a norma legal diz sim, o juiz está inibido de dizer não, e vice-versa", assinalou o ministro.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

______________

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 1.301 – SP (2010/0177854-3)

REQUERENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : ALISSON FABIANO ESTRELA BONFIM E OUTRO(S)

REQUERIDO : DESEMBARGADOR RELATOR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NR 990103676203 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

INTERES. :F N C E FÁBRICA DE CONDUTORES ELÉTRICOS LTDA

ADVOGADO : ROBERTO CARLOS KEPPLER E OUTRO(S)

DECISÃO

1. Nos autos de sua recuperação judicial, F.N.C.E - Fábrica de Condutores Elétricos S/A requereu o que se segue:

"... com vistas a dar eficácia à decisão proferida por esse MM. Juízo, e em face da negativa do Banco do Brasil em fechar o câmbio e bem assim liberar valores de titularidade da recuperanda, os quais, como predito, decorrem de exportação já realizada, requer seja oficiada à referida instituição financeira, em caráter de urgência, comunicando a decisão proferida nesta sede, notadamente para dispensar a recuperanda da exibição das certidões fiscais para a liberação dos créditos que lhe assistem, sob pena de desobediência à ordem judicial" (fl. 76).

O pedido foi deferido para determinar "a expedição de ofício ao Banco do Brasil com urgência para que sejam liberados os valores de titularidade da recuperanda referentes à exportação para Cuba, independentemente da exibição de certidão negativa de tributos" (fl. 79).

Interposto agravo de instrumento, o Relator Desembargador Boris Kauffmann negou a atribuição de efeito suspensivo nestes termos:

"O art. 52, II, da Lei nº 11.101/2005, ao dispensar o devedor da apresentação de certidões negativas para o exercício de suas atividades, excepcionou a contratação como Poder Público e o recebimento de benefícios e incentivos fiscais e creditícios.

Estas exceções estão intimamente vinculadas com a exigência, para o deferimento da recuperação judicial, das certidões negativas de débitos tributários (art. 57) que, em atenção à própria finalidade da recuperação judicial e ao fato notório de ser o inadimplemento das obrigações tributárias a primeira consequência da crise econômico-financeira enfrentada pela devedora, vem sendo dispensada pela Câmara Reservada à Falência e Recuperação.

Neste contexto, e em face do exame preliminar que se faz nesta oportunidade, constata-se a ausência de relevância do fundamento exposto no recurso, uma vez que a se exigir tais certidões, a devedora não terá condições de obter a liberação do câmbio e, em consequência, aumentar o risco de sua quebra. Acrescenta-se que não poderia o agravante ser responsabilizado pela liberação posto que decorrente de determinação judicial, assumindo o Estado esta responsabilização" (fl. 125/126).

O Banco do Brasil então interpôs agravo regimental (fl.136/142), e solicitou à Secretaria do Tesouro Nacional a liberação dos valores para cumprimento da ordem judicial (fl.143/146), informando tal procedimento ao juízo de primeiro grau.

À vista disto, a União requereu junto à 2ª Vara Judicial da Comarca de Embu, SP, "sua intervenção no feito, na qualidade de interessada" e "a anulação da r. decisão de folhas 415/418, que determinou ao Banco do Brasil a liberação de recursos que são do Tesouro Nacional, porque a pretensão da recuperanda deve ser deduzida perante a Justiça Federal para a preservação de direito público indisponível, garantidos à Fazenda Pública a ampla defesa e o contraditório insculpidos na Constituição Federal" (fl. 207/209).

2. Sem que o pedido fosse examinado, a União requereu aqui a suspensão dos efeitos da medida liminar, destacando-se nas respectivas razões os seguintes trechos:

“... a decisão hostilizada atinge diretamente a requerente, obrigando-a a suportar os seus nefastos efeitos. Isso porque os créditos a serem liberados, no valor de mais de US$ 400.000,00 (quatrocentos mil dólares americanos), são oriundos do PROEX, cujos recursos advém do orçamento da União, por meio da STN, sendo o Banco do Brasil o prestador de serviços, na qualidade de agente financeiro, com vistas à realização das operações de equalização de taxas de juros e de financiamento e à exportação de bens e serviços nacionais, e de programas de computador.

Consoante registrado anteriormente, os recursos do PROEX são provenientes do Orçamento da União e geridos pela STN, participando o Banco do Brasil como mandatário ou preposto. Em razão, portanto, dos recursos pertencerem ao Tesouro Nacional, há evidente interesse da União na questão. Sucede, porém, que a liminar concedida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Judicial da Comarca de Embu/SP e mantida pelo TJSP, determinando a liberação de quantia superior a US$ 400.000,00 (quatrocentos mil dólares americanos) é nula, seja em razão da incompetência do juízo estadual, seja pela ausência de intimação da União para se manifestar sobre a questão.

O crédito objeto da universalidade do juízo na recuperação judicial é aquele que um credor pode exigir de um devedor a obrigação desse último na prestação de determinada quantia. No PROEX, a credora é a União que, por intermédio do Banco do Brasil, financia a exportação de uma empresa, que passa a ser devedora do Tesouro Nacional. É evidente, portanto, que a empresa não detém um crédito em face da União ou do Banco do Brasil, não se podendo falar, portanto, em habilitação no plano de recuperação judicial ou na falência. Existindo interesse da União, deveria o juízo da Justiça Estadual encaminhar a questão à Justiça Federal, que se manifestará sobre sua própria competência.

Evidencia-se, desse modo, a incompetência do MM. Juízo da 2ª Vara Judicial da Comarca de Embu/SP para a apreciação da questão incidental apresentada, ensejando a nulidade da decisão proferida.

Não fosse o bastante, entendendo o juízo por sua competência, deveria, obrigatoriamente, ter promovido a intimação da União.

Isto porque, caso a empresa em recuperação judicial houvesse optado pelo ajuizamento de ação judicial, afim de pleitear a liberação dos créditos do PROEX, a União seria, no mínimo, litisconsorte passivo necessário. Então, também no mínimo, deveria ter sido a União intimada a se manifestar nos autos da recuperação judicial como interessada, frente ao pedido formulado pela empresa.

Assim, tem-se que a decisão proferida não tem aptidão para a produção de efeitos, tendo em vista a não-intimação da União para se manifestar sobre a questão.

Acaso mantida a ilegal e inconstitucional liminar, com absoluta certeza pode-se afirmar, dezenas de ações/pedidos idênticos serão propostos, em busca dos mesmos privilégios. Tal fato per se apresenta-se bastante e suficiente para que seja suspensa a liminar, por trazer em seu bojo a ameaça de grave lesão à economia pública.

De fato, a decisão impugnada traz em seu bojo potencial risco de grave lesão à ordem pública, tendo feito tabula rasa do princípio da legalidade previsto no artigo 37, da Constituição Federal, na medida em que pretende obrigar o Banco do Brasil a praticar ato administrativo contrário à lei. Ora, o inciso II do artigo 52 da Lei nº 11.101/2005 preconiza que, estando em termos a documentação exigida no artigo 51 da mesma Lei, o juiz deferirá o processamento de recuperação judicial e, no mesmo ato, determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Daí se pode concluir que a apresentação de certidões negativas, no caso dos autos, é imprescindível.Diante disso, afigura-se patentemente contrária à lei a liminar que aqui se pretende suspender.Vê-se, assim, sem muito esforço de interpretação, que a liminar não pode obrigar o Banco do Brasil a praticar ato administrativo contrário à lei. Além disso, a decisão sub examen contraria frontalmente o princípio inserto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal consoante o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Desse modo, por qualquer ângulo que se analise e sob todos os aspectos, a sentença hostilizada, repise-se, causa grave lesão à ordem pública, merecendo por isso ser suspensa de plano, na forma e para os fins de direito" (fl. 02/25).

3. Nos termos do art. 47 da Lei nº 11.101, de 2005, "a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica".

"Constituem meio de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I -concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III – alteração do controle societário; IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social; VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens; XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII – usufruto da empresa; XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários; XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor" (Lei nº 11.101/05, art. 50).

A Lei nº 11.101, de 2005, não contempla entre os meios de recuperação judicial a utilização incondicionada de incentivos ou benefícios creditícios. Pelo contrário, o art. 52, II, dispensa a empresa sujeita à recuperação judicial de apresentar certidões negativas para o exercício de sua atividade, "exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios" .

À parte o fato de saber se o juízo da recuperação judicial pode obrigar terceiros fora das hipóteses previstas no art. 50 da Lei nº 11.101, de 2005, constitui um truísmo que o juiz só pode deixar de aplicar a lei se declará-la inconstitucional - e a interpretação da lei tem um limite: onde a norma legal diz sim, o juiz está inibido de dizer não (REsp nº 180.939, RS, de minha relatoria, DJ, 01.10.2001), e vice-versa.

Nem se diga, como fez a decisão impugnada, que o disposto no art. 52, II da Lei nº 11.101, de 2005, está vinculado à "exigência, para o deferimento da recuperação judicial, das certidões negativas de débitos tributários (art. 57) que, em atenção à própria finalidade da recuperação judicial e ao fato notório de ser o inadimplemento das obrigações tributárias a primeira consequência da crise econômico-financeira enfrentada pela devedora, vem sendo dispensada pela Câmara Reservada à Falência e Recuperação" (fl. 126). Uma coisa é facilitar a recuperação judicial; outra coisa é obrigar o credor a financiar o devedor.

Sendo, salvo melhor juízo, manifesta a ilegitimidade da decisão impugnada, porque no julgamento da lide cabe ao juiz aplicar as normas legais (CPC, art. 126), defiro o pedido de suspensão dos respectivos efeitos.

Comunique-se, com urgência. Intimem-se.

Brasília, 26 de outubro de 2010.

MINISTRO ARI PARGENDLER

Presidente

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