Jornalismo e poder
STJ extingue recurso de Franklin Martins contra Mainardi por texto publicado na Veja
Em 19 de abril de 2006, o colunista Diogo Mainardi publicou na revista coluna intitulada "Jornalistas são brasileiros", em que sugere uma promiscuidade entre esses profissionais e o poder.
Na matéria, Mainardi afirmou que o irmão do jornalista fora nomeado ao cargo de diretor da Agência Nacional do Petróleo por influência política. Sugeriu, também, que outros parentes de Franklin Martins exerciam cargo público pela proximidade dele com o poder. O jornalista se defendeu com o argumento de que o irmão tinha vida profissional própria e a esposa, também citada, já exercia cargo público há mais de vinte anos.
No julgamento de mérito, o TJ/RJ considerou que a matéria não tinha conteúdo ofensivo, mas relatos jornalísticos com emissão de opinião. O TJ/RJ apontou também o aparente conflito entre direitos constitucionais : o do direito à informação e manifestação do pensamento e à inviolabilidade da honra e imagem da pessoa.
Para o tribunal local, a atividade da imprensa não consiste apenas em noticiar fatos, mas também expor opinião, mesmo que de forma irônica ou reticente. Franklin Martins recorreu ao STJ, apontando violação a artigos do CC (clique aqui), que impõem o dever de indenizar quando alguém age com negligência ou imperícia e fere a moral.
Segundo Vasco Della Giustina, a indicada contrariedade a esses artigos demandaria uma análise de provas pelo STJ, o que é vedado em recurso especial. O desembargador convocado assinalou, ainda, que dispositivos infraconstitucionais invocados pela defesa também não foram analisados pelo tribunal de origem, o que impede sua apreciação neste Tribunal.
O advogado Alexandre Fidalgo, do escritório Lourival J. Santos - Advogados, representou a Editora neste caso.
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Processo Relacionado : REsp 1168967 - clique aqui.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.168.967 - RJ (2009/0235063-2)
RELATOR : MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)
RECORRENTE : FRANKLIN DE SOUZA MARTINS
ADVOGADO : ANDRÉ DE SOUZA MARTINS
RECORRIDO : EDITORA ABRIL S/A E OUTRO
ADVOGADO : ALEXANDRE FIDALGO E OUTRO(S)
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por FRANKLIN DE SOUZA MARTINS, com fundamento no art. 105, inc. III, alínea "a" da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cuja ementa é do seguinte teor, verbis:
I. Ação de reparação por dano moral. Autor que se diz ofendido em sua honra, em razão de artigos escritos pelo primeiro réu e publicados pela segunda ré. Sentença de procedência. Apelação de ambas as partes.
II. Intempestividade da primeira apelação não caracterizada. Alegada nulidade da sentença que se afasta, visto que, apesar de patente a irregularidade apontada, nenhum prejuízo houve para as partes. Preliminares rejeitadas.
III. Aparente conflito entre direitos constitucionalmente garantidos: o da informação e livre manifestação e o da inviolabilidade da honra e imagem da pessoa. Harmonização. - IV. A atividade da imprensa não consiste apenas em noticiar fatos, mas também expor sua opinião sobre eles, mesmo que de forma irônica ou reticente.
V. O homem público está mais exposto à violação da sua intimidade, honra, imagem e vida privada, do que o cidadão comum que goza de mais proteção, daí que a emissão de opiniões críticas sobre aquele, feitas pela imprensa, por si só, não enseja dano moral.
VI. Matéria jornalística, ademais, que não possui conteúdo ofensivo, apenas relatando fatos não negados pelo autor, acrescida da opinião do articulista, esta de seu desagrado. - VII.
Acresça-se a situação inusitada: ação de um jornalista, defensor da liberdade de imprensa, contra outro jornalista, que usou de tal liberdade de imprensa. Dano moral não configurado. Reforma do julgado. - VIII. Antecedentes jurisprudenciais. IX. Provimento do primeiro recurso, dos réus, prejudicado o segundo, do autor (fl. 178).
Opostos embargos de declaração, foram acolhidos, sem modificação do julgado, em acórdão com a seguinte ementa:
I)- Embargos de declaração ofertados por ambos os litigantes, apontando omissões no julgado. Provimento dos recursos. - II)- Ao primeiro, para declarar o direito/dever da imprensa informar ao público aquilo que está acontecendo ou ao menos o que se diz estar acontecendo, não se
vislumbrando no trecho citado pelo embargante a alegada prática do crime de calúnia nem mais um ataque gratuito e pessoal à sua pessoa. - III)- E ao segundo para aclarar o termo inicial da correção monetária e dos juros incidentes sobre os honorários advocatícios. Incidência da Súmula 14 – STJ e do art. 397, NCC. IV)- Recursos providos, sem modificação do julgado (fl. 189).
Em suas razões, o recorrente aponta violação dos artigos 186, 927 e 953 do Código Civil, sustentando, em síntese, que os fatos narrados constituem ato ilícito, ensejando dano moral e o conseqüente dever de indenizar.
Com as contrarrazões, o recurso foi admitido por meio de agravo de instrumento.
É o relatório.
DECIDO.
Inicialmente, no tocante à indicada contrariedade dos artigos 186, 927 e 953 do Código Civil, verifica-se que o acolhimento da pretensão recursal demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos do enunciado da Súmula 7 do STJ, porquanto o aresto combatido, ao analisar as questões suscitadas, assim consignou, verbis :
"Trata-se do já conhecido, debatido e aparente conflito entre o direito à informação e à livre manifestação do pensamento e o direito à inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, ambos garantidos em sede constitucional (artigos 5º, X e 220, da Constituição Federal), situação em que deve o intérprete procurar as recíprocas implicações existentes entre eles até chegar a uma conclusão harmoniosa, pois, diante do princípio da unidade constitucional, não se é de admitir conflito da Constituição consigo mesma, não obstante a diversidade de normas.
A atividade da imprensa consiste não apenas em veicular informação, mas também em promover críticas em relação a determinados fatos e pessoas, sendo comum os jornais, revistas e outros meios de comunicação possuírem espaços onde os profissionais da escrita ou da fala expõem suas opiniões sobre determinados fatos e pessoas, muitas vezes até de forma irônica e reticente, estas inclusive características marcantes do autor quando atuando como jornalista.
Acrescente-se que "a crítica jornalística não se confunde com a ofensa; a primeira apresenta ânimo exclusivamente narrativo conclusivo dos acontecimentos em que se viu envolvida determinada pessoa, ao passo que a segunda descamba para o terreno do ataque pessoal'', conforme leciona o sempre lembrado Des. Sergio Carvalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil- Malheiros- 3º edição- 2002 - pág. 113).
De outro lado, é do interesse geral não somente a difusão de fatos de artistas e políticos, como de qualquer pessoa que desperte o interesse público em outras áreas de atividades, como era o caso do autor, na época dos fatos narrados, um jornalista conceituado e que, por isso, está mais exposto à violação da sua intimidade, honra, imagem e vida privada, do que o cidadão comum que, indiscutivelmente, goza de mais proteção.
Não pode um homem público, principalmente o autor, homem da imprensa, pretender usar um escudo de proteção em sua volta contra a própria imprensa ou a crítica de algum colega de profissão. Isto não quer dizer que tais pessoas não têm conservados seus direitos personalíssimos; apenas ocorre uma diminuição na sua tela, dada especificamente à notoriedade. Por isso, elas devem se submeter à crítica, mesmo que mordaz, irônica, cruel e até mesmo aquelas que parecem injustas.
Como até aqui visto, a emissão de opiniões expropriatórias acerca da conduta de determinada pessoa, ainda mais se tratando de um homem público, não configura, por si só, conduta ilícita a ensejar uma reparação por danos morais, considerando que as idéias e opiniões também são livres e garantidas constitucionalmente, exigindo, para tanto, que se comprove o animus injuriandi vel difamandi.
E tal não se vislumbra no caso destes autos. Registre-se que o próprio prolator da sentença foi bastante claro ao afirmar que "as matérias citadas têm salvo melhor juízo nítido interesse público" e "são 'apresentadas' de forma objetiva e ('clara') ", não havendo " prova sequer indiciária de que a parte ré agiu livre e conscientemente com o 'propósito' deliberado de 'macular a honra' do autor como se a 'notícia' fosse 'totalmente irrelevante' e a 'mácula' ao nome do autor fosse o único objeto de tais 'manifestações do pensamento' " (sic - fls. 101).
Acrescente-se, ainda, o julgador: "Não há dúvida de que em relação ao 'relato' levado a efeito pela parte ré, não se vislumbra na espécie, salvo melhor juízo (até então), qualquer adminículo de prova, hábil a revelar a conduta inadequada do 'criador' das obras, não havendo assim falar-se em ilícito, como 'alega' a parte autora, argumento ofertado de forma vaga, genérica e inconsistente "(fls. 102).
Tais assertivas merecem ser ratificadas pelo colegiado, mormente se os fatos afirmados pelo primeiro réu em sua conduta devem ser tidos como verdadeiros, principalmente porque não negados pelo autor, além de públicos e notórios. Efetivamente, parentes seus (um irmão, uma irmã, e a esposa), exercem ou exerceram funções públicas de confiança no governo, não por força exclusiva de concurso, mas também por livre nomeação dos dirigentes do país.
As matérias em foco, rotuladas de ofensivas à honra e à imagem do autor, no meu entender, não contém o ânimo de ofender, injuriar ou difamar, mas apenas de informar uma situação realmente estranha, acrescida da opinião do articulista.
Assim posta a questão, não se verifica no conteúdo dos artigos em análise qualquer ilicitude ou ofensa praticada contra a honra do autor e que pudesse configurar o alegado dano moral, razão pela qual não há que falar em responsabilidade civil nem do jornalista primeiro réu nem da editora segunda ré.
[...]
No caso dos autos a situação ainda é até inusitada, como já dito, pois temos a ação de um jornalista, defensor da liberdade de imprensa, contra outro jornalista, que usou de tal liberdade de imprensa." (fls. 525 a 529.)
Com efeito, conforme destacado no julgamento do REsp 336.741/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 07/04/2003, "(...)se, nos moldes em que delineada a questão federal, há necessidade de se incursionar na seara fático-probatória, soberanamente decidida pelas instâncias ordinárias, não merece trânsito o recurso especial, ante o veto da súmula 7-STJ" .
Nesse mesmo sentido, destacam-se os precedentes assim ementados:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. DANO MORAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 07/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO.
(...)
2. Para análise de eventual cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado da lide é imprescindível o revolvimento do acervo fático-probatório delineado nas instâncias ordinárias, providência vedada em sede especial nos termos da súmula 7 desta Corte. Precedentes.
(...)
5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 979.374/RS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJe 20.10.2008).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA. REGISTRO NO CREA. ATIVIDADE BÁSICA. ENGENHEIRO-AGRÔNOMO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL.
1. A decisão pela necessidade ou não da produção de prova é uma faculdade do magistrado, a quem caberá avaliar se há nos autos elementos e provas suficientes para formar sua convicção.
2. É inviável a discussão sobre cerceamento de defesa e possibilidade de julgamento antecipado da lide quando o aresto recorrido fundamenta seu convencimento em elementos constantes nos autos do processo, conforme o enunciado da Súmula 7/STJ.
(...)
6. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1.020.819/SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 09.05.2008).
Outrossim, verifica-se que os aludidos dispositivos infraconstitucionais invocados não foram analisados pelo Tribunal de Origem, revelando-se ausente o necessário prequestionamento, o que inviabiliza sua apreciação por esta Corte Superior.
Com efeito, constatando-se que os artigos indicados nas razões recursais não foram debatidos pela Corte a quo, encontra o recurso, nesse ponto, obstado pelas Súmulas 282/STJ e 356 do STF, uma vez que a análise da matéria não dispensa o requisito do prequestionamento.
Nesse sentido, o seguinte precedente:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREQUESTIONAMENTO. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - É firme o entendimento desta c. Corte no sentido de que mesmo as questões de ordem pública não dispensam o prequestionamento, salvo se o recurso especial houver sido conhecido por outros fundamentos.
Precedentes.
II - In casu, o mérito do apelo especial diz respeito apenas à prescrição, matéria que não foi debatida na instância a quo, razão por que, ausente o necessário prequestionamento, o recurso não logra conhecimento.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1058641/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 02/03/2009)
De outra borda, a despeito do recorrente não ter indicado a alínea "c" no apelo excepcional, o recurso também não comportaria conhecimento pelo possível dissídio jurisprudencial aventado, porquanto, constata-se que a divergência não restou caracterizada na forma exigida pelo artigo 255, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno deste Superior Tribunal, uma vez que o recorrente limitou-se a transcrever uma única ementa, sem observar a exigência da demostração analítica do dissenso.
Esclareça-se que o devido cotejo analítico se dá mediante a juntada das certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos paradigmas, ou pela citação de repositório oficial, não bastando a simples transcrição de ementas e votos, assim como através da descrição da similitude fática e da indicação do ponto divergente entre as decisões paradigmas e o aresto a quo.
A corroborar tal entendimento, a Terceira Turma desta Corte firmou orientação no mesmo sentido, como se extrai do precedente ora trazido à colação, verbis :
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 458 E 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RAZÕES RECURSAIS QUE CONTRARIAM PREMISSAS FÁTICAS FIRMADAS NO ACÓRDÃO. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL APONTADO.
1 – (...)
2 - (...)
3. Alegações que contrariam as premissas firmadas no acórdão recorrido não ensejam recurso especial, pois não cumpre ao Superior Tribunal de Justiça a desconstituição do suporte fático delineado no tribunal de origem. Inteligência da Súmula 7/STJ.
4. A interposição do recurso especial exige técnica específica na comprovação do dissídio, não bastando para a abertura da via especial pela alínea "c" do permissivo constitucional, a mera transcrição de excertos de julgados, sem, contudo, proceder à argumentação de como tais casos se identificam com a moldura fática delineada no seu, e como o feito reclama a solução pretendida.
5. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AG 1.142.022/DF, Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS).
Por fim, verifica-se que o recurso especial não restou devidamente fundamentado, incidindo, na espécie, o disposto na Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia ".
Destarte, não merece reparos o acórdão hostilizado, ante os óbices das Súmulas 282, 284 e 356 do Supremo Tribunal Federal e do Enunciado nº 07, deste Superior Tribunal de Justiça.
Assim, sob qualquer ótica, afigura-se descabida a pretensão do recorrente, razão pela qual, nego seguimento ao recurso especial.
Intimem-se.
Brasília (DF), 27 de setembro de 2010.
MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)
Relator
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