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TRF da 4ª região nega recurso que pedia censura ao filme Madagascar

A 4ª turma do TRF da 4ª região negou recurso da Associação Mais Regional Mais Vida – MAREMAVI que requeria a vedação da exibição, venda e locação no país do filme Madagascar sob o argumento de que faria apologia ao uso de drogas ilícitas. A decisão foi publicada quarta-feira, 6/10, no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª região.

8/10/2010

Sem censura

TRF da 4ª região nega recurso que pedia censura ao filme Madagascar

A 4ª turma do TRF da 4ª região negou recurso da Associação Mais Regional Mais Vida – MAREMAVI que requeria a vedação da exibição, venda e locação no país do filme Madagascar sob o argumento de que faria apologia ao uso de drogas ilícitas. A decisão foi publicada quarta-feira, 6/10, no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª região.

O filme Madagascar foi exibido no Brasil em maio de 2005 com a classificação livre, posteriormente, foi reclassificado para 12 anos, pois o Ministério da Justiça observou que havia cenas de uso de drogas lícitas. No filme, a personagem girafa é hipocondríaca e consome remédios.

A associação alega que haveria estímulo ao uso de drogas como o ecstasy, pois ocorre uma "festa rave" na história na qual são citados os termos "balas de graça", "balinhas" e "liberou geral". Dessa forma, ocorreria um sugestionamento das crianças.

Após analisar a apelação, o relator do processo, juiz Federal Jorge Antônio Maurique, convocado para atuar no tribunal, teve o mesmo entendimento do juiz de 1ª grau, reproduzindo trecho da sentença : "Os modernos filmes de animação são destinados tanto a adultos quanto a crianças, sendo que algumas das piadas e alusões musicais e cinematográficas não são compreendidas pelas crianças, posto que destinadas ao público adulto (...) deve ser considerado que as crianças muito dificilmente interpretariam as cenas referidas como alusivas ao consumo de ecstasy".

Maurique concluiu seu voto dizendo que após análise dos enfoques sobre a questão e tendo conhecimento do teor do filme, entendeu que inexiste a alegada apologia ao uso de drogas ilícitas, no caso, ecstasy, sendo acompanhado, por unanimidade pela turma.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

_____________

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.01.004012-6/SC

RELATOR : Juiz Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE

APELANTE : ASSOCIACAO MAIS REGIONAL MAIS VIDA MAREMAVI

ADVOGADO : George Alexandre Rohrbacher

APELADO : UNITED INTERNATIONAL PICTURES DISTRIBUIDORA DE FILMES LTDA/ UIP e outros

ADVOGADO : Emerson Souza Gomes

APELADO : AGENCIA NACIONAL DO CINEMA - ANCINE

ADVOGADO : Eduardo de Sampaio Soares

APELADO : UNIÃO FEDERAL

ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXIBIÇÃO E PRODUÇÃO DO FILME "MADAGASCAR". VEDAÇÃO. APOLOGIA AO USO DE DROGAS ILÍCITAS. INOCORRÊNCIA. ANCINE. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

A ANCINE tem por objetivos o fomento, a regulação e a fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica, não possuindo a função de efetuar a classificação indicativa dos filmes e demais atrações televisivas, tampouco poder fiscalizatório sobre essas atividades, razão pela configurada sua ilegitimidade passiva ad causam.

O filme Madagascar não faz apologia ao uso de drogas ilícitas, havendo tão-somente referência a drogas lícitas, consubstanciadas em medicamentos utilizados pelo personagem hipocondríaco de nome "Melvin". Inexistindo elemento ensejador à proibição de apresentação do referido filme, improcedente o pedido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de setembro de 2010.

Juiz Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE

RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública ajuizada pela Associação Mais Regional Mais Vida - MAREMAVI visando a impedir a exibição e a produção do filme Madagascar em toda e qualquer sala de apresentação no país, bem como seja vedada a locação, venda, exposição e outras forma de apresentação, no todo ou em parte, do referido filme, além de todos os materiais publicitários e promocionais alusivos ao filme Madagascar, ou, subsidiariamente, seja alterada a classificação do filme, a fim de anunciar ao público a classificação indicativa. Requereu, também, a condenação da distribuidora a ressarcir os danos morais e materiais acarretados pelo ato lesivo.

Regularmente processado o feito, o MM. Juízo a quo reconheceu a ilegitimidade passiva ad causam da ANCINE e julgou improcedente o pedido de vedação da exibição da produção Madacasgar em toda e qualquer sala de cinema do país, bem como da locação, venda, exposição e apresentação de toda e qualquer mídia ou meio contendo a animação, sobretudo DVD e VHS, e de todo e qualquer material promocional ou produto associado ao referido filme, e o pedido de dano moral coletivo, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC e, havendo reconhecimento do pedido subsidiário de reclassificação indicativa do referido filme, extinguiu o processo com fundamento no artigo 269, inciso II, do CPC.

A parte autora interpôs apelação sustentando a legitimidade passiva ad causam da ANCINE e reiterando os argumentos expendidos na inicial.

Com parecer do Ministério Público Federal pela manutenção da sentença, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Ilegitimidade Passiva da ANCINE

Nos termos do que dispõem os arts. 6º e 7º da Medida Provisória nº 2.228-1/01, atualmente em vigor por força da EC nº 32/01, a ANCINE tem por objetivos o fomento, a regulação e a fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica, não possuindo a função de efetuar a classificação indicativa dos filmes e demais atrações televisivas, tampouco poder fiscalizatório sobre essas atividades, o que incumbe à Secretaria Nacional de Justiça, mediante seu Departamento de Classificação, Justiça, Títulos e Qualificação, consoante o artigo 74 do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Portaria nº 1.220/07, do Ministério da Justiça.

Portanto, mantida a sentença no que se reconheceu a ilegitimidade passiva ad causam da ANCINE.

Quanto ao mérito, a sentença inquinada dá perfeito deslinde ao fato-objeto posto em julgamento, além de não padecer de nenhum vício formal ou de fundamentação, pelo que deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos, cujo excerto ora trago à colação:

(...)

Embora o modelo constitucional adotado em 1988 preveja, como garantia fundamental, a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura e licença, de acordo com o art. 5º, inciso IX, e art. 220, caput e §2º, da Constituição Federal, é certo que esta liberdade não é absoluta a ponto de ferir outros preceitos e objetivos visados pela própria Constituição, que no art. 21, XVI, também estipula que à União compete a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão.

No espírito que anima a Constituição, não só o Estado é responsável pela educação e formação da criança e do adolescente, com políticas públicas de educação, saúde e assistência social, é também papel da família o acompanhamento da educação, a formação e a proteção dos filhos, o que compreende também, dentro das prerrogativas do poder familiar conferido aos pais, o dever de verificar a adequação do conteúdo das diversões e leituras a que os menores têm acesso.

A Constituição Federal, firme no seu propósito de proteger a infância e a adolescência, conferiu à União o desígnio de proceder à classificação indicativa diversões públicas e de programas de rádio e televisão, de acordo com os seus arts. 21, inciso XVI, e 220, § 3º, inciso I. Também o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 75, confere ao público infanto-juvenil o acesso às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária, dispondo acerca do papel do Poder Público neste tema:

Art. 75. O poder público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.

Parágrafo único. Os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos deverão afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, informação destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no certificado de classificação. (Grifou-se).

Especificamente no que concerne à programação televisa, dispõe o artigo 3º da Lei nº 10.359, de 2001:

Art. 3o Competirá ao Poder Executivo, ouvidas as entidades representativas das emissoras especificadas no art. 1o, proceder à classificação indicativa dos programas de televisão.

Parágrafo único. A classificação indicativa de que trata o caput abrangerá, obrigatoriamente, a identificação dos programas que contenham cenas de sexo ou violência.

Das disposições constitucionais e legais referidas, infere-se a atuação reguladora do Estado nesta seara, no sentido de classificar as diversões e espetáculos públicos, informando sobre sua natureza, a faixa etária adequada, indicando os horários em que sua apresentação se mostre inadequada, com o objetivo de efetivar a proteção das crianças e adolescentes.

Nos termos da Portaria MJ n.º 1.220, de 11 de julho de 2007, no procedimento para a classificação indicativa deve haver obediência ao princípio democrático, com a participação da sociedade no processo, para bem atender aos fins a que foi concebida, verbis:

Art. 3º. A classificação indicativa possui natureza informativa e pedagógica, voltada para a promoção dos interesses de crianças e adolescentes, devendo ser exercida de forma democrática, possibilitando que todos os destinatários da recomendação possam participar do processo, e de modo objetivo, ensejando que a contradição de interesses e argumentos promovam a correção e o controle social dos atos praticados.

Art. 4º. Cabe ao Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, vinculado à Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça - DEJUS/SNJ, exercer a classificação indicativa dos programas e obras audiovisuais regulados por esta Portaria.

Nesta esteira, as obras audiovisuais, e, portanto, as cinematográficas, passam por este processo, embora, repito, a informação sobre a natureza e o conteúdo de obras audiovisuais, suas respectivas faixas etárias e horários indicados para exibição é meramente indicativa aos pais e responsáveis, pois a pura e simples proibição de exibição por parte do Estado configuraria censura, atitude vedada desde o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, IX e 220, § 2º).

(...)

Da liberdade de expressão

O princípio constitucional que garante a liberdade ao cidadão irradia-se em vários pontos, tais como: locomoção, crença, exercício profissional expressão intelectual, artística e científica (art. 5º, XV, VI, VIII, IX, da Constituição Federal, para citar alguns exemplos). Como visto acima, nenhum princípio constitucional é absoluto e no caso concreto é que se poderá realizar a ponderação entre aqueles princípios que se encontrem em conflito.

Como exemplo de ponderação entre princípios, cito a decisão do STF no julgamento do Habeas Corpus n.º 82.424, que enfrentou os limites à liberdade de expressão, entendendo vedadas pelo ordenamento jurídico manifestações que contenham apologia ao racismo e ao anti-semitismo:

[...]

Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.

As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. STF, HC n.º 82.424, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 19-03-2004.

Para que se configure abuso da liberdade de expressão, são necessárias propagação de idéias com real potencial lesivo aos demais interesses tutelados pela Constituição, não sendo possível sequer cogitar de supressão de protestos em relação a ato governamental, situação já enfrentada pelo TRF 4ª Região, que entendeu descabida tal conduta no julgamento do Agravo de Instrumento n.º 1998.04.01.064429-8/RS, cujo trecho da ementa colaciono abaixo:

[...] Impedir ou tolher a liberdade de expressão e manifestação de qualquer grupo de interesses fere cardeais princípios constitucionais. Tanto os grupos e lideranças dos denominados sem-terra ou assentandos, como a associação e sindicatos de ruralistas, devem ficar em posição de equilíbrio ao que respeita à possibilidade de manifestarem os seus pontos de vista, quer em grupos, quer isoladamente, fazendo-se presentes aos atos vistoriais ou executórios de medidas administrativas. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1998.04.01.064429-8/RS, publicado na Revista TRF 4ª Região n.º 33.

No que se refere à propaganda comercial, inserida dentro do contexto de liberdade de expressão, deve ser exercida dentro dos limites estabelecidos pela própria Constituição, que, no art. 220, visou proteger e alertar a população acerca dos malefícios do fumo, bebidas, medicamentos e agrotóxicos.

Em respeito às produções artísticas, nosso sistema constitucional respeita a ampla liberdade de criação, sempre, é claro, dentro dos princípios supra referidos, por serem tais manifestações, em parte, expressão de momentos culturais, políticos e sociais de um povo.

Na lição de José Afonso da Silva, "determinadas expressões artísticas gozam de ampla liberdade, como as das artes plásticas, a música e a literatura. Certas manifestações artísticas, contudo, ficam sujeitas a uma regulamentação especial, consoante prevê o art. 220, § 3º, que declara competir à lei federal tal encargo". (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 246-247).

É o caso do cinema, cujas produções não sofrem restrição quanto a sua criação, passando somente pelo crivo do órgão competente do Ministério da Justiça, que fará a classificação indicativa para poder informar previamente o público destinatário acerca do conteúdo que da produção, não proibindo que os cidadãos tenham acesso às obras.

Do caso concreto:

A associação autora deduz pedido em juízo visando obter provimento jurisdicional a fim de impedir a exibição e a produção do filme Madagascar em toda e qualquer sala de apresentação no país, bem como seja vedada a locação, venda, exposição e outras formas de apresentação, no todo ou em parte, do referido filme, além de todos os materiais publicitários e promocionais alusivos à produção cinematográfica, ou, subsidiariamente, seja alterada a classificação do filme, a fim de anunciar ao público a correta classificação indicativa.

Inicialmente, quando a distribuição do filme foi realizada no país, obteve classificação indicativa no Ministério da Justiça e recebeu o conceito LIVRE, tendo em vista a análise da película legendada (27.05.2005). Posteriormente, a classificação do filme foi refeita e, em 14.10.2005, o Ministério da Justiça passou a considerá-lo inadequado para menores de 12 anos, nos termos do despacho publicado no DOU (fl. 155), eis que, ao ter contato com a obra dublada, observou que no filme havia cenas de uso de drogas lícitas (fl. 156).

Nesse contexto, oportuno ressaltar, mais uma vez, a natureza jurídica da classificação indicativa, a qual se consubstancia em um procedimento constitucionalmente previsto visando proceder à adequação dos princípios da proteção à infância e adolescência versus liberdade de expressão. A Constituição prevê que deverá ser realizada de forma democrática, com a participação da sociedade, isto é, famílias, associações, ONG's, etc., seguindo um conjunto de regras a fim de atender ambos direitos constitucionais. Por exemplo: exibição de filme com muitas cenas de nudez deve ser indicada para o período noturno e da madrugada, para que as crianças não tenham contato com o conteúdo do mesmo. Assim, tanto a liberdade de expressão fica assegurada, dentro dos limites constitucionais e legais, bem como fica atendido o objetivo do poder público de evitar que tais produções cheguem à vista daqueles com discernimento ainda não amadurecido.

Embora seja um processo administrativo, sua conclusão final não é imutável, pois pode ser alterado/revisto por intermédio da participação popular, a qual tem a prerrogativa de, ao longo das exibições dos programas, filmes, etc., opinar, recomendar, sugerir, protestar pela a indicação feita pela Secretaria Nacional de Justiça. Alguns casos envolvendo programas de humor e reality shows passaram por nova análise mediante representação da sociedade. Com estes exemplos, é possível concluir que a classificação inicialmente extraída de uma obra artística, pode ser alterada com o decorrer da exibição, que tanto poderá elevar a idade recomendada, como é o caso dos autos, quanto diminuí-la, por exemplo de 16 (dezesseis) para 14 (catorze) anos, caso a intensidade das cenas que não seriam recomendadas (sexo, nudez, uso de drogas, violência, agressões domésticas, etc.) estejam de acordo com a idade do público infanto-juvenil destinatário.

À vista disso, o fato de o filme ter sido inicialmente exibido com a classificação LIVRE e, meses depois, ter sido objeto de reclassificação pelo Ministério da Justiça, não caracteriza, por si só, ação ou omissão danosa às crianças que com ele tiveram contato.

Diga-se, por oportuno, que o contexto em que são consumidas drogas lícitas diz respeito à personagem girafa, que é hipocondríaca, e não é vista de uma forma positiva propriamente. Ao que parece a circunstância de ser hipocondríaca demonstra a fragilidade da personagem, que é satirizada no filme. Assim, tenho que as crianças não se espelhariam na girafa, que não detém atributos normalmente admirados por elas, como coragem e astúcia.

Assim, assentado que da mera reclassificação administrativa não se presume que os menores de doze anos que porventura assistiram ao filme sofreram danos, passo a analisar as demais alegações da autora.

A associação autora alega que o filme faz apologia ao uso de drogas ilícitas, pois as cenas, e, sobretudo, as falas na versão dublada citam os termos "balas de graça", "balinha," "liberou geral", havendo cena de uma "festa rave", de forte embalo musical, com a participação bichinhos na ilha de Madagascar (lêmures). Este fato demonstraria a alusão ao uso de entorpecentes, mormente ao psicotrópico ecstasy, que popularmente é conhecido como "bala" ou "balinha", o que sugestionaria as mentes das crianças, podendo induzi-las ao uso do entorpecente.

A autora acosta diversos documentos, a transcrição da versão em Inglês e a transcrição da versão em português, nos quais tais expressões estariam fazendo referência aos entorpecentes ou a situações que circundam o consumo, dentre eles:

1) notícia veiculada no Diário de Natal/RN, no qual um traficante estaria vendendo entorpecentes via internet, utilizando o termo "balinha", em referência ao ecstasy (fl. 62),

2) álbum de figurinhas que rememora imagens veiculadas no filme, tais como a girafa com um objeto azul na língua (segundo a autora, referência ao ecstasy e, conforme a ré, desodorizador sanitário),

3) mensagem descrita na fl. 96 com os dizeres: "o tranquilizante proporciona sonhos coloridos a Alex, mas ele vai ter uma surpresa quando acordar" fl. 114,

4) fotos de imagens veiculadas na televisão demonstrando apreensão policial da droga ecstasy (algumas de cor azul, fls. 145-148),

5) parecer firmado por psicóloga, que refere haver no filme "desde aspectos comportamentais, considerados desviantes, inclusive poderosíssimos interesses econômicos de enfoques legais, como por exemplo este filme de tão expressiva venda de bilheteria";

6) cópia da decisão judicial prolatada na Justiça Estadual, que proibiu a exibição do filme nas salas de cinema deste Município (Shopping Mueller, Shopping Cidade das Flores e Shopping Americanas), que está proibido o acesso de crianças e adolescentes, mesmo acompanhadas, ao filme, devendo-se afixar cópia desta decisão na bilheteria, sob pena de multa, por cada criança ou adolescente, em R$500,00 (quinhentos reais). Ação 038.05.036162-4, da Vara da Infância e Adolescência, que se declarou incompetente, remetendo o conhecimento do feito a este Juízo Federal;

Conforme restou decidido em sede liminar, o atendimento dos pedidos de proibição de exibição do filme constituiria censura, motivo pelo qual mostram-se manifestamente improcedentes.

Da referida decisão liminar (fls. 161/168) extraio: "Com efeito, a Constituição Federal assegura liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX, CF), bem como que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observadas apenas as limitações impostas pela própria Constituição (art. 220 da CF), entre as quais figura a possibilidade de o poder público informar a natureza das diversões e espetáculos públicos, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada (§ 3º, I, do art. 220 da CF). Assim, não é o caso de vedar a distribuição, comercialização ou exibição do referido filme, como requerido no pedido liminar principal, mas apenas de limitar-lhe o acesso à faixa etária adequada, como requerido no pedido liminar subsidiário".

Feitas essas considerações, analisando as transcrições, as demais provas deduzidas e as imagens veiculadas no filme, é possível observar desenho animado de alta tecnologia produzido em outro país, cujas falas foram vertidas para o português.

É sabido que toda a tradução ou versão de um idioma para outro não é tarefa simples, pois demanda grande atenção à semântica tanto do idioma original quanto para o idioma a ser vertido. Por maior que seja o cuidado da tradução, é possível ocorrer divergências de interpretação das imagens e falas correspondentes, pois um termo que pode ser da máxima inocência num idioma, em outro, pode tomar uma conotação absolutamente imprópria para o público a que se destina.

Não é o caso de se observar a qualidade e a adequação de todas as falas constantes no filme, eis que já foram analisadas pelo órgão competente e readequadas pela distribuidora com o fito de evitar quaisquer mal-entendidos no sentido da apologia ao uso da droga, em especial ao termo "bala" ou "balinha".

Conforme já explicitado no relatório da presente sentença, o item 'b' da liminar reconheceu a perda do objeto do pedido liminar subsidiário para alteração da classificação indicativa do filme Madagascar por ter a Secretaria do Ministério da Justiça procedido à reclassificação da indicação etária da obra em tela. Entretanto, tenho que no ponto houve efetivo reconhecimento do pedido, eis que, embora não tenha a União admitido que o filme faz apologia de drogas ilícitas, entendeu que há menção a uso de drogas lícitas, procedendo à reclassificação indicativa do referido filme.

Desta maneira, o ponto controverso do presente feito residiria no interregno compreendido entre o momento em que o filme começou a ser exibido, isto é, desde a data do lançamento em território nacional, ocorrido provavelmente nas férias escolares de julho de 2005, até o mês de outubro do mesmo ano, mês em que a classificação indicativa elevou para 12 anos a faixa etária mínima recomendada, devendo ser considerado também que em setembro do mesmo ano a distribuidora readequou algumas falas da versão dublada.

Assim, levando em consideração as nuances do presente caso, observa-se que algumas indagações dele decorrem, quais sejam: A liberdade de expressão foi abusivamente utilizada para alcançar um fim vedado pela lei (consumo de entorpecentes)? As crianças e pré-adolescentes que assistiram ao filme (com a indicação livre) entre julho e outubro de 2005 foram prejudicadas? Poderiam ter incorrido nas condutas sugeridas pelas mensagens, subliminares na visão da autora, apresentadas pelo filme? É possível observar o potencial grau de lesividade entre as imagens/diálogos do filme repercutindo na vida do público que teve contato com a obra cinematográfica?

Quanto à primeira pergunta, cabe lembrar que mensagens subliminares normalmente estão associadas à propaganda de produtos lícitos, não sendo razoável crer na existência de uma associação entre o estúdio cinematográfico e traficantes de ecstasy, com a finalidade de formar uma nova geração de consumidores desse tipo de droga ilícita. Assim, não é possível concluir que a distribuidora se utilizou da liberdade de expressão para alcançar um fim vedado pelo ordenamento jurídico.

Embora entenda não haver uma alusão proposital ao ecstasy, tenho que a primeira versão dublada do filme efetivamente incorreu em falta de cuidado.

Com efeito, os modernos filmes de animação, como o da espécie, são destinados tanto a adultos e quanto a crianças, sendo que algumas das piadas e alusões musicais e cinematográficas não são compreendidas pelas crianças, posto que destinadas ao público adulto. Em razão dessa particularidade o responsável pela obra deve tomar cuidados redobrados para que as piadas e alusões feitas com vistas ao público adulto não ofendam o legítimo interesse do público infanto-juvenil de não ser exposto a conteúdo inadequado.

 

A primeira versão dublada de Madagascar, divorciada do original em inglês, foi veiculada com falas do tipo "bala de graça", "liberou geral" e "por que não trouxe uma balinha", as quais podem ser interpretadas por alguns como alusivas ao ecstasy.

No entanto, deve ser considerado que crianças muito dificilmente interpretariam as cenas referidas pela autora como alusivas ao consumo de ecstasy. Aliás, até mesmo para adultos essa associação não transparece tão clara, como quer fazer crer a autora.

A ré UIP informa que em setembro de 2005 procedeu à readequação de algumas poucas falas dos personagens para evitar que qualquer diálogo carregasse conotação não pretendida pelos produtores do filme, o que obviamente não significa que tenha admitido que a primeira versão dublada fazia apologia ao uso de drogas. Assim, as expressões "bala de graça", "liberou geral" e "por que não trouxe uma balinha" foram substituídas por "drops de graça", "ponto final" e por que não trouxe um salgadinho", respectivamente (fls. 200-201).

É de se ter em mente também que o acesso a cinema é restrito, em vista do preço proibitivo dos ingressos, tendo, portanto, a obra cinematográfica atingido parcela pequena da população.

Desse modo, apesar de constatar que a primeira dublagem não foi muito adequada, não é razoável admitir que alguém, criança ou mesmo adulto, tenha passado a consumir ecstasy estimulado pelo filme Madagascar.

Quanto à versão legendada, de se observar que não apresenta os mesmos problemas da versão dublada. As cenas da girafa com um objeto azul na boca, dos animais no metrô e na festa "rave", desacompanhadas das falas da versão dublada, não são passíveis de serem interpretadas como alusivas ao ecstasy. Aliás, quanto à cena da girafa, fica bastante claro que ela tem um desodorizador sanitário na boca.

Em conclusão, depois de analisar todos os argumentos expostos pelas partes e de assistir ao filme por inúmeras vezes, entendo que falta ao filme Madagascar o potencial lesivo aludido na inicial, sendo improcedente o pedido de indenização por danos morais.

 (...)

Com efeito, após a análise dos enfoques sobre a questão trazidos por ambas as partes, e conhecedor do teor do filme ora impugnado, entendo que inexistente a alegada apologia ao uso de drogas ilícitas, no caso, ecstasy, razão pela qual deve ser mantida a muito bem lançada sentença.

Ademais, em reforço à tese suso-exposta, o representante do Parquet Federal que oficia perante esta Corte opinou pela manutenção da sentença, verbis:

 (...)

2. DO MÉRITO PROPRIAMENTE:

(...)

Nó caso em exame, deve-se verificar se o controle da exibição do filme se encontra nos limites assegurados pela Constituição Federal ou se tal pratica importaria em censura, esta abolida e sempre odiosa.

Sobre o tema, é de se dizer que toda' censura é controle, mas nem todo controle -administrativo, social ou judicial - é censura. Aliás, se tomarmos a palavra '''censura'' em sua versão mais inocente, posta nas páginas do "Dicionário Aurélio", veremos que ela é definida como sendo:

"1. Ato ou efeito de censurar. 2. Cargo ou dignidade de censor. 3. Exame crítico de obras literárias ou artísticas; crítica. 4. Exame de qualquer texto de caráter artístico ou informative, feito por censor a fim de autorízar sua publicação, exibição ou divulgação. 5. P. ext. Corporação encarregada de exame de obras submetidas à censura. 6. Condenação, reprovação, crítica. 7. V. repreensão (1). 8. Rel. Condenação. eclesiástica de certas obras". (FERREIRA. Aurélio. Buarg.ue de Holanda. "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", 2ª ed., ver e aum., RJ, Nova Fronteira, 1~86, p. 380).

Em qualquer das oito acepções arroladas pelo consagrado estudioso de nosso idioma percebe-se, com maior ou menor intensidade, a presença da idéia de controle, quer na perspectiva da qualidade (exame crítico, terceira acepção), como na perspectiva de condenação encontrada na sexta, na sétima e na oitava acepções.

Porém, a que melhor expressa o sentido de controle é aquela que guarda relação mais direta com o objeto desse estudo. Censura é o controle feito como condição para a exteriorização de idéias, sejam elas expressas no texto escrito, sejam veiculadas por qualquer outra forma de divulgação (quarta figura do verbete). Portanto, censura sempre será uma forma de controle.

Ainda, sobre o tema, a doutrina tem divergido acerca dos critérios para se definir a censura, sendo de se ressaltar, aqui, os doutrinadores mais conhecidos, para fins de perceber quais os elementos comuns, que são possíveis de serem encontrados nas diversas definições do ato de censurar, para que possamos tentar compreender os limites que o sistema autoriza para o controle da mídia.

Nessa linha, para JOSÉ AFONSO DA SILVA, censura "consiste na interferência do censor no conteúdo da manifestação, ou no modo de ser de sua apresentação intrínseca, ou no modo de ser do veículo de sua divulgação". ("Direitos da Criança e Liberdade de informação. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Renovar, nº 188, abr-ju/1992, p. 387-8, com grifo no original).

JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, comentando a atual Constituição Federal, sustenta que "restrição e/ou censura é qualquer exame que agentes especializados do governo -os censores -, exercendo o poder de polícia que dispõem, examinam as formas, processos ou veículos de comunicação social, para permitir, ou não, a transmissão da mensagem ao público". ("Comentários à Constituição de 1988" ,vol.VIII, 2ª edição, Rio de Janeiro, 1993, p. 4502, com grifo no original).

 Por sua vez, CELSO RIBEIRO BASTOS afirma que "a censura se expressa por atos de fiscalização do material a ser transmitido (censura prévia), ou já posto em processo de comunicação (censura a posteriori ou repressiva), tendentes à frustração dos intuitos ínsitos à transmissão. Para nós, ao contrário do que sustentam alguns autores, a censura a posteriori não deixa de pertencer a uma das modalidades sob as quais se pode enquadrar o procedimento censório" ("Comentários à Constituição' do Brasil", 20 Volume, Saraiva: São Paulo, 1989, p. 82, com grifo no original).

 (...)

Surge como característica comum às diversas definições de censura que esta se caracteriza (1) pelo sujeito que a realiza (agente da administração pública); (2) pelo caráter incontrastável, ou seja, típico exercício de faculdade discricionária; (3) pela finalidade, vedar ou permitir a comunicação de obra do espírito; (4) tendo em vista critérios vagos, como a ordem moral e política. A anterioridade ou não, para a maioria, cuida-se de elemento acidental do conceito, podendo ou não estar presente.

A essa altura, a indagação que se impõe é: quando o controle não é censura? No caso em exame, estaríamos diante de controle ou censura?

"In casu", a Associação Autora postula seja proibida a exibição do filme "Madagascar" em todas as salas de apresentação do país, bem como seja vedada a sua venda, locação, exposição e outras formas de apresentação do referido filme, condenando os Demandados ao pagamento de indenização por danos morais e materiais causados pelo ato lesivo consistente na permissão para a . veiculação da referida obra, ao argumento de que a película contêm mensagens subliminares . no sentido. de incentivar o uso de drogas ilícitas, mais especificamente a droga "ecstasy".

No entanto, não merece guarida tal argumento, uma vez que, da análise dos documentos acostados aos autos, não se depreende alusão alguma a drogas ilícitas na aludida obra, havendo, isso sim, referência tão-somente a drogas lícitas, consubstanciadas em medicamentos utilizados pelo personagem hipocondríaco de nome "Melvin", sendo que qualquer ato no sentido de proibir a exibição do filme importaria, no meu sentir, em censura.

De fato, no caso concreto, tenho que os argumentos trazidos pela Associação Autora são insuficientes para fazer com que seja vedada a exibição, de forma geral, do filme "Madagascar". Isso porque não se verifica, da farta documentação acostada aos autos, qualquer elemento ensejador à proibição de apresentação do referido filme, pois que as únicas drogas mencionadas nele são os remédios utilizados pela personagem "Melvin", uma girafa hipocondríaca, sendo que, em razão disso, após o ajuizamento desta lide, a Secretaria do Ministério da Justiça inclusive procedeu à reclassificação indicativa do filme.

 (...)

ISSO POSTO, voto por negar provimento à apelação.

 É o voto.

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/09/2010, na seqüência 159, disponibilizada no DE de 23/09/2010, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

_________________

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