Juizados Especiais
TJ/RJ - Tribunal pode exercer o controle da competência dos JEs quanto à complexidade da matéria
O caso diz respeito a um processo impetrado no JEC do Rio de Janeiro, em que o autor sustenta ter sofrido danos materiais e morais devido a uma falha no acionamento do equipamento de airbag de seu veículo na ocasião de uma colisão.
A ré, Peugeot Citröen do Brasil Automóveis Ltda., alegou em sua defesa que o Juizado era incompetente para julgar o caso, uma vez que haveria a necessidade de realização de perícia para a produção de provas técnicas sobre o possível defeito de fabricação.
Porém, juízo sentenciante afastou tal alegação, considerando desnecessária a realização de perícia técnica e condenando a ré ao pagamento de R$ 8 mil por danos morais e R$ 3.964,50 por danos materiais.
A empresa interpôs recurso, contudo, a Turma Recursal manteve a decisão, o que levou a Peugeot a impetrar MS pedindo a cassação da decisão do JEC.
De acordo com o artigo 51, III da lei 9.099/95 (clique aqui), extingue-se o processo, "quando for reconhecida a incompetência territorial". E, de acordo com o artigo 3º da lei, o JEC tem competência para o processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, o que não caracteriza o caso em virtude da necessidade da perícia.
E era justamente esse o argumento da empresa ao impetrar MS contra o juiz de Direito da 3ª turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais do RJ, que refutou a argumentação da empresa de incompetência do juízo.
No mandado, a empresa alegou que o JEC é "absolutamente incompetente para processar e julgar a demanda em tela diante da complexidade da causa e da necessidade de produção de prova pericial para dirimir a controvérsia".
E, na decisão do MS, o relator Ronaldo Rocha Passos evidencia : "refoge à competência do Juizado Especial Cível, matéria, cujo deslinde exija a produção de perícia de natureza complexa, eis que incompatíveis com os princípios de celeridade e simplicidade norteadores dos Juizados".
Apesar do que determina a súmula 376 do STJ (clique aqui) : "Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial", o relator destacou que "excepcionalmente é possível interpor perante o Tribunal de Justiça mandado de segurança com o fito de promover controle de competência de decisão proferida por Juizado Especial Cível".
Assim sendo, o relator assegurou a extinção do processo, com a "declaração de incompetência dos Juizados Especiais Cíveis, tendo em vista a imprescindibilidade de realização de perícia técnica".
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Leia abaixo a íntegra da decisão do MS 2009.004.00836.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2009.004.00836
IMPETRANTE: PEUGEOT CITROEN DO BRASIL AUTOMÓVEIS LTDA
IMPETRADO: EXMO. SR. JUIZ COMPONENTE DA EGRÉGIA 3ª TURMA DO CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RELATOR: Des. RONALDO ROCHA PASSOS
EMENTA
MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO DA E. 3ª TURMA DO CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, QUE, MANTENDO A SENTENÇA RECORRIDA, AFASTOU A PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. ENTENDIMENTO DO E. STJ NO SENTIDO DE
CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA DIRIGIDO AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NA HIPÓTESE DE CONTROLE DE COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS.
AÇÃO INDENIZATÓRIA. COLISÃO DE VEÍCULO EQUIPADO COM AIR BAG. ALEGAÇÃO DO AUTOR DE FALHA NO DISPOSITIVO DE SEGURANÇA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. ENTENDIMENTO DO JUÍZO SENTENCIANTE DE DEFEITO DO PRODUTO, TENDO EM VISTA O NÃO ACIONAMENTO DO ITEM DE SEGURANÇA, APESAR DA VIOLÊNCIA DA COLISÃO. ALEGAÇÃO DO RÉU, ORA IMPETRANTE, DE IMPRESCINDIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA, NO CASO CONCRETO, E CONSEQUENTE INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL.
RÉU, EM SUA DEFESA, ALEGA QUE O DISPOSITIVO DE SEGURANÇA SOMENTE É ACIONADO EM CASO DE CHOQUE FRONTAL E QUANDO INSUFICIENTE O SISTEMA REPRESENTADO PELOS CINTOS DE SEGURANÇA.
INCONTESTE A OCORRÊNCIA DO ACIDENTE E OS DANOS MATERIAIS SOFRIDOS. NO ENTANTO, NÃO HÁ CERTEZA SE OS DANOS FORAM CAUSADOS POR FALHA NO FUNCIONAMENTO DO DISPOSITIVO DE SEGURANÇA, ISTO É, SE A COLISÃO FOI SUFICIENTE PARA QUE O EQUIPAMENTO FOSSE ACIONADO. PARA TANTO, É IMPRESCINDÍVEL PERÍCIA TÉCNICA QUE AVALIE AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO.
REFOGE À COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, MATÉRIA, CUJO DESLINDE EXIJA A PRODUÇÃO DE PERÍCIA DE NATUREZA COMPLEXA, EIS QUE INCOMPATÍVEIS COM OS PRINCÍPIOS DE CELERIDADE E SIMPLICIDADE NORTEADORES DOS JUIZADOS.
CONCESSÃO DA ORDEM.
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Mandado de Segurança nº 2009.004.00836, em que é Impetrante PEUGEOT CITROEN DO BRASIL AUTOMÓVEIS LTDA, sendo Impetrado EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO COMPONENTE DA EGRÉGIA 3ª TURMA DO CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
A C O R D A M os Desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em, por ___________________ de votos, conceder a segurança, nos termos do voto do Relator.
Cuida-se de mandado de segurança impetrado por PEUGEOT CITROEN DO BRASIL AUTOMÓVEIS LTDA, contra o Exmo. Sr. Juiz de Direito Componente da Egrégia 3ª Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Rio de Janeiro, que confirmou a sentença proferida pelo juízo do Juizado Especial Cível, afastando a arguição do impetrante de incompetência absoluta do juízo.
Alega a impetrante que o Juizado Especial Cível é absolutamente incompetente para processar e julgar a demanda em tela diante da complexidade da causa e da necessidade de produção de prova pericial para dirimir a controvérsia. Decisão de indeferimento do efeito suspensivo pretendido, fl. 203. Ofício do juízo, fls. 209/215. Parecer da i. Procuradoria de Justiça, fls. 220/224.
É o relatório.
VOTO
Por esta via mandamental pretende a impetrante seja extinto o processo sem resolução do mérito, com a declaração de incompetência dos Juizados Especiais Cíveis, tendo em vista a imprescindibilidade de realização de perícia técnica.
Na hipótese vertente, foi ajuizada ação indenizatória em face da impetrante perante o II Juizado Especial Cível da Comarca de Niterói, em que o autor sustenta ter sofrido danos materiais e morais pelo não acionamento do equipamento de air bag de seu veículo por ocasião de colisão frontal e violenta.
O impetrante, em sua defesa, preliminarmente, suscitou a incompetência do juízo, sob o argumento de que só poderia se defender do alegado defeito de fabricação por meio da realização de perícia.
Ocorre que o juízo sentenciante afastou tal alegação, entendendo que, diante dos fatos narrados, desnecessária qualquer perícia técnica, condenando o impetrante ao pagamento de R$ 8.000,00 por danos morais e R$ 3.964,50, a título de danos materiais.
Irresignado, o réu, ora impetrante, interpôs recurso à Turma Recursal, a qual manteve a decisão recorrida.
Pretende, portanto, o impetrante, por meio do p. mandado de segurança, seja cassada a decisão atacada, extinguindo-se o feito nos termos do art. 51, II da Lei 9.099/95, com o reconhecimento da incompetência absoluta do juízo.
Como bem salientou a i. Procuradoria de Justiça, nada obstante o contido na Súmula nº 376 do STJ, excepcionalmente é possível interpor perante o Tribunal de Justiça mandado de segurança com o fito de promover controle de competência de decisão proferida por Juizado Especial Cível.
Precedente:
Processo
RMS26665/DF RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2008/0073018-3
Relator(a)
Ministro HERMAN BENJAMIN
Órgão Julgador
T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento
26/05/2009
Data da Publicação/Fonte
DJe 21/08/2009
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE MEMBRO DE TURMA RECURSAL DEFININDO COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE DEMANDA. CONTROLE PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPETRAÇÃO DO WRIT. POSSIBILIDADE.
1. A questão posta nos autos cinge-se ao cabimento do Recurso em Mandado de Segurança para os Tribunais de Justiça controlarem atos praticados pelos membros ou presidente das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
2. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é pacífico no sentido de que a Turma Recursal dos Juizados Especiais deve julgar Mandados de Segurança impetrados contra atos de seus próprios membros.
3. Em que pese a jurisprudência iterativa citada, na hipótese sub judice, o Mandado de Segurança não visa à revisão meritória de decisão proferida pela Justiça especializada, mas versa sobre a competência dos Juizados Especiais para conhecer da lide.
4. Inexiste na Lei 9.099/1996 previsão quanto à forma de promover o controle da competência dos órgãos judicantes ali referidos.
5. As decisões que fixam a competência dos Juizados Especiais – e nada mais que estas - não podem ficar absolutamente desprovidas de controle, que deve ser exercido pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais e pelo Superior Tribunal de Justiça.
6. A Corte Especial do STJ, no julgamento do RMS 17.524/BA, firmou o posicionamento de que é possível a impetração de Mandado de Segurança com a finalidade de promover controle da competência dos Juizados Especiais.
7. Recurso Ordinário provido.
Cabe transcrever trecho do voto da E. Ministra Nancy Andrigy:
"Com efeito, um Juiz, atuando no âmbito do Juizado Especial, poderia, equivocadamente, considerar-se competente para julgar uma causa que escapa de sua alçada e, caso tal decisão fosse confirmada pela Turma Recursal, à parte prejudicada restaria apenas a opção dediscutir a questão no Supremo Tribunal Federal, por meio de Recurso Extraordinário. Dadas as severas restrições constitucionais e regimentais ao cabimento desse recurso, em muitos casos a distorção não seria passível de correção, em prejuízo de todo o sistema jurídicoprocessual.
Tudo isso conduziria a uma grande contradição: o Juizado Especial, a quem é atribuído o poder jurisdicional de decidir causas de menor complexidade , mediante a observância de um procedimento simplificado , ficaria dotado de um poder descomunal, podendo fazer prevalecer suas decisões mesmo quando proferidas por Juiz absolutamente incompetente. A manutenção de tal discrepância não pode, de forma alguma, ser admitida, sob pena de implicar desprestígio de todo o sistema processual: dos juizados especiais, porquanto poderiam vir a ser palco de abusos, e do juízo comum, porquanto teria ilegitimamente usurpada parte de sua competência". (RMS 17524 / BA - Data do Julgamento 02/08/2006)
Logo, tratando-se de mandado de segurança que visa o controle de competência dos juizados especiais, deve ser este interposto perante os Tribunais de Justiça, como no caso presente.
A respeito da produção de prova pericial no âmbito dos Juizados Especiais, assim leciona Humberto Theodoro Júnior:
“A prova técnica é admissível no Juizado Especial, quando o exame do fato controvertido a exigir. Não assumirá, porém, a forma de uma perícia, nos moldes habituais do Código de Processo Civil. O perito escolhido pelo Juiz, será convocado para a audiência, onde prestará as informações solicitadas pelo instrutor da causa (art. 35, caput). Se não for possível solucionar a lide à base de simples esclarecimentos do técnico em audiência, a causa deverá ser considerada complexa. O feito será encerrado no âmbito do Juizado Especial, sem julgamento do mérito, e as partes serão remetidas à justiça comum. Isto porque os Juizados Especiais, por mandamento constitucional, são destinados apenas a compor ‘causas cíveis de menor complexidade’ (CF, art. 98, inc. I).”
Com efeito, refoge à competência do Juizado Especial Cível, matéria, cujo deslinde exija a produção de perícia de natureza complexa, eis que incompatíveis com os princípios de celeridade e simplicidade norteadores dos juizados.
Na demanda em comento, o autor busca indenização por alegado vício de produto adquirido como item de segurança de seu veículo automotor. Afirma o autor que sofreu colisão frontal violenta e que o componente de segurança - “air bag” - não foi acionado, acarretando-lhe danos materiais e morais.
Trata-se, portanto, de ação indenizatória, cuja causa de pedir exige a demonstração da responsabilidade do réu pelos danos sofridos pelo autor. Indubitavelmente, faz-se necessária a produção de prova do alegado vício do equipamento de segurança, com base na dinâmica dos fatos, isto é, se a colisão justificaria o acionamento do “air bag”, para aí, então, vislumbrar-se o nexo de causalidade e a responsabilidade do réu.
Inconteste a ocorrência do acidente e os danos materiais sofridos. No entanto, não há certeza se os danos foram causados por falha no funcionamento do dispositivo de segurança, isto é, se a colisão foi suficiente para que o equipamento fosse acionado. Para tanto, é imprescindível perícia técnica que avalie as peculiaridades do caso concreto.
Diante disso, torna-se evidente a imprescindibilidade de instrução complexa incompatível com o sistema dos juizados, impondo-se, portanto, que se reconheça a incompetência do juízo, com a anulação da sentença e extinção do feito, com fulcro no art. 51, II, da Lei 9.099/95, cabendo ao autor, se assim o quiser, ingressar com a ação no juízo próprio.
Ante o exposto, vota-se pela concessão da segurança.
Rio de Janeiro,
Desembargador RONALDO ROCHA PASSOS
Relator
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