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TJ/SC - PM é considerada polícia judiciária e pode fazer escuta telefônica

O TJ/SC confirmou sentença da Comarca de Itapoá que havia condenado Rafael Martins dos Santos à pena de cinco anos de reclusão, em regime fechado, pelo crime de tráfico de drogas.

29/9/2010


TJ/SC

PM é considerada polícia judiciária e pode fazer escuta telefônica

O TJ/SC confirmou sentença da Comarca de Itapoá que havia condenado R.l M. S. à pena de cinco anos de reclusão, em regime fechado, pelo crime de tráfico de drogas.

Conforme os autos, em janeiro do ano passado, naquela cidade, a polícia apreendeu na residência do réu 50 gramas de cocaína e 3,1 gramas de maconha, além de uma balança de precisão e das quantias de R$ 524,00 e US$ 30,00.

Em sua apelação, preliminarmente, o réu requereu a nulidade da interceptação telefônica autorizada judicialmente, sob o argumento de que ela havia sido realizada pela PM, incompetente para a ação.

No mérito, postulou absolvição por insuficiência de provas. Por fim, pleiteou a redução da reprimenda ou, ainda, sua substituição por restritivas de direitos. O relator da matéria, desembargador Irineu João da Silva, explicou que tanto a Constituição quanto a lei que rege as interceptações telefônicas não fazem menção a qualquer impedimento em relação à PM.

"Na tônica do que assentou o nobre parecerista, 'não há vedação constitucional ou legal na realização, pela polícia militar, de escutas telefônicas autorizadas judicialmente, considerando que a polícia judiciária não é exercida, exclusivamente, pela polícia civil no âmbito estadual. Tendo em mente que foram observados os ditames da (clique aqui), e que tal diploma não faz qualquer restrição à presença da polícia militar na condução dos procedimentos correlatos, é de se afastar a alegada eiva", anotou.

Quanto ao mérito, a 2ª câmara Criminal negou acolhimento, por conta de as provas testemunhais – policiais e de usuários – serem suficientes para alicerçar a condenação. A decisão foi unânime.

_______________

Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2010.047422-0, de Itapoá

Relator: Des. Irineu João da Silva

PRELIMINARES DE NULIDADE. ESCUTA TELEFÔNICA EFETUADA PELA POLÍCIA MILITAR, MEDIANTE DEFERIMENTO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE ÓBICE LEGAL. ATIVIDADE QUE SE INSERE NO "MUNUS" DE ZELAR PELA ORDEM E SEGURANÇA PÚBLICAS. COMPETÊNCIA, ADEMAIS, QUE NÃO É VEDADA PELA LEI N. 9.296/96, CUJO RITO FOI OBSERVADO. ALEGADO CUMPRIMENTO DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO FORA DO PRAZO ESTIPULADO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM COMPROVADAMENTE CUMPRIDA NO DIA SEGUINTE À EXPEDIÇÃO. AUTORIZAÇÃO QUE, ALIÁS, NÃO É EXIGIDA DIANTE DA OCORRÊNCIA DE DELITOS PERMANENTES. EIVAS AFASTADAS.

TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRÁTICA DELINEADA NO PROCESSO. MATERIALIDADE TECNICAMENTE ATESTADA. PORCIONAMENTO DAS DROGAS, ALIADO À APREENSÃO DE BALANÇA DE PRECISÃO, E INÚMEROS OBJETOS, EM QUANTIDADE E VALOR INCOMPATÍVEL COM A SITUAÇÃO FINANCEIRA DECLARADA PELO RÉU, QUE PATENTEIA A MERCANCIA ESPÚRIA PRATICADA PELO COMPANHEIRO VARÃO. IMPUTAÇÃO, ENTRETANTO, QUE NÃO ENCONTRA SUFICIENTE RESPALDO PARA CONDENAR A RECORRIDA.

DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DO REDUTOR PREVISTO PELO § 4º DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. ATIVIDADE PIONEIRA QUE NÃO SE REVELA NO PROCESSADO. DENÚNCIAS ANÔNIMAS E DIÁLOGOS INTERCEPTADOS QUE PATENTEIAM A CONTUMÁCIA E AFASTAM A BENESSE.

SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS OU "SURSIS". IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO EXPRESSA NO ART. 44, "CAPUT", DA LEI N. 11.343/2006. RECURSOS NÃO PROVIDOS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2010.047422-0, da comarca de Itapoá (Vara Única), em que são apelantes e apelados o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e R. M. dos S., e apelada J. P. R.:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público oficiante na Vara Única da Comarca de Itapoá ofereceu denúncia contra R. M. dos S. e J. P. R., como incursos nas sanções do art. 33 da lei n. 11.343/2006, pelos seguintes fatos descritos na proemial acusatória (fls. II/III):

No dia 9 de janeiro de 2009, conforme correção mediante aditamento de fl. 128, por volta das 14h, na Rua 1.810, n. 399, Balneário Palmeiras, na cidade de Itapoá, os denunciados R. M. dos S. e J. P. R. tinham em depósito, em sua residência, para fins de comercialização, (conforme depoimentos de fls. 38/55), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 50g (cinqüenta gramas) da droga popularmente conhecida como cocaína, substância entorpecente e capaz de causar dependência física ou psíquica (Laudo de Constatação de fl. 25) e 3,1g (três gramas e um decigrama) de substância entorpecente, capaz de causar dependência física ou psíquica, popularmente conhecida como maconha. Tinham, ainda, na residência, uma balança eletrônica de precisão, a quantia de R$ 524,00 (quinhentos e vinte e quatro reais), U$ 30 (trinta dólares) e demais objetos, conforme descrito no termo de apreensão de fl. 18.

Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada parcialmente procedente, para condenar R. M. dos S. ao cumprimento da pena de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime fechado, e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, cada qual no seu valor mínimo legal, nos termos da exordial acusatória, absolvendo J. P. R., forte no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal (fls. 208/232).

Inconformados com a prestação jurisdicional, apelaram:

- o representante do "parquet ad quo", requerendo a reforma da decisão, a fim de que a denunciada J. P. R. seja condenada nos termos da imputação, por entender que as provas dos autos são sobejas em seu desfavor (fls. 237/240).

- R. M. dos S., visando, em preliminar, ao reconhecimento da nulidade da interceptação telefônica, porquanto levada a efeito por autoridade incompetente, bem ainda, a invalidade do mandado judicial de busca e apreensão, por entendê-lo cumprido fora do prazo assinalado, o que cobriria de eiva todo o feito.

No mérito, busca a absolvição, ao argumento de insuficiência de provas para a condenação. Alternativamente, pleiteia a redução da pena aplicada, com o deferimento do benefício insculpido no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, em seu grau máximo, e substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos "sursis" (fls. 259/303).

Com as contra-razões (fls. 305/311 e 313/321), nesta Instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Demétrio Constantino Serratine, manifestou-se pelo provimento, tão somente, do apelo ministerial (fls. 346/353).

É o relatório.

VOTO

Preliminares

Insurge-se o apenado R. M. dos S. quanto à regularidade da interceptação telefônica, ao argumento de que a polícia militar não detinha competência para tanto, sendo o "munus" restrito à polícia judiciária.

Entretanto, na tônica do que assentou o nobre parecerista, cuja manifestação serve de embasamento para afastar a insurgência, "não há vedação constitucional ou legal na realização, pela polícia militar, de escutas telefônicas autorizadas judicialmente, considerando que a polícia judiciária não é exercida, exclusivamente, pela polícia civil no âmbito estadual" (fls. 349).

Discorrendo sobre o exercício da segurança pública, cujas competências estão fixadas na Constituição Federal, em seu art. 144, recolhe-se excerto de julgado desta Corte "ad quem":

A expressão "autoridade", conceituada como "aquele que tem por encargo fazer respeitar as leis; representante do poder público" (Dicionário Aurélio Eletrônico, versão 2.0) é utilizada pela legislação pátria para designar "o poder pelo qual uma pessoa ou entidade se impõe às outras, em razão de seu estado ou situação. É o poder de direito de uma pessoa em virtude de sua especial capacidade de fato" (GOFFREDO TELLES JÚNIOR, Enciclopédia Saraiva do Direito, SP: Saraiva, 1978, v. 9, p. 330).

Mas várias são as derivações que se pode dar ao conceito de "autoridade", de acordo com o prefalado "estado ou situação" e sua "especial capacidade de fato", dando origem, entre outras, à expressão autoridade policial, indicativa da "pessoa que ocupa cargo e exerce funções policiais, como agente do Poder Executivo, subordinado ao Ministério da Justiça. Tais agentes têm o poder de zelar pela ordem e segurança públicas, reprimir os atentados à lei, ao direito, aos bons costumes" (Enciclopédia Saraiva do Direito, SP: Saraiva, 1978, v. 9, p. 351).

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, dispõe quanto à segurança pública:

"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º. A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º. A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada ao parágrafo pela Emenda Constitucional nº 19/98)

§ 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º. As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º. Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

§ 9º. A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do artigo 39.

Daí os conceitos de polícia administrativa (preventiva e inerente aos órgãos da Administração Pública), polícia judiciária (Polícia Civil) e polícia de manutenção da ordem pública (Polícia Militar); enquanto a primeira incide sobre bens ou restringe direitos, as demais agem visando reprimir a criminalidade, auxiliando a "ação judiciária penal, de competência dos Juízos e Tribunais Criminais", como preleciona o Dr. ROGÉRIO LAURIA TUCCI (A Lei dos Juizados Especiais, Porto Alegre: Revista Unidade, ano XIV, n. 27, jul/set-96, p. 11) (Ap. Crim. N. 00.002909-2, de Blumenau, rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. 18.4.2000).

Dessarte, e tendo em mente que foram observados os ditames da Lei n. 9.296/96, que regulamenta a interceptação telefônica, e que tal diploma não faz qualquer restrição à presença da polícia militar na condução dos procedimentos correlatos, é de se afastar a alegada eiva.

Ainda, insurge-se o réu quanto à validade do mandado judicial de busca e apreensão, à guisa de que foi cumprido fora do prazo assinalado, o que inquinaria de nulidade todo o feito.

Todavia, aqui também não grassa a pretensão do recorrente, uma vez que integram os autos incidente de busca e apreensão deferido pela magistrada da Comarca de Itapóa, expedido em 5.10.2009, e recebido pela autoridade policial no dia imediatamente seguinte (autos de Busca e Apreensão, em anexo), deferindo o requerimento do "parquet", fixando o prazo para seu cumprimento em 20 dias.

Ora, fácil constatar, por intermédio das datas apostas nos termos de declaração do condutor e do policial militar que realizaram a prisão em flagrante, que a ordem foi cumprida em 9.10.2009, o que, aliás, determinou a contenção flagrancial do recorrente (fls. 2/5).

De toda sorte, sabe-se de sobejo que "não se faz necessária a prévia expedição de mandado judicial de busca e apreensão para que agentes policiais ingressem na casa em que se pratica o narcotráfico” (Ap. crim. n. 2004.015418-6, de Criciúma, rel. Des. Jânio Machado, j. 26.10.2004), razão porque, também, tal alegação merece ser arredada.

Mérito

Tratam os autos de delito de tráfico ilícito de entorpecentes, atribuído a R. M. dos S. e J. P. R., restanto, afinal, condenado apenas o primeiro acusado.

Revela o caderno processual que, após cerca de três meses de investigações, policiais militares, munidos de mandado de busca e apreensão e, logo em seguida à observação da compra de maconha por um usuário, na casa dos denunciados, efetivaram busca no local, logrando encontrar determinada quantidade de tal tóxico, bem como, de cocaína, prontos para o comércio.

A materialidade vem estampada no Boletim de Ocorrência n. 00456-2009-018863, Termo de Apreensão, Laudos de Constatação de Substância Tóxica, e Laudo Pericial n. 10216/09, onde os peritos registraram que a análise procedida no material - 3,2g (três gramas e dois decigramas) de erva e 49,2g (quarenta e nove gramas e dois decigramas) de pó branco - resultou na constatação da presença da substância ativa THC, da maconha" e "da substância química cocaína", respectivamente (fs. 16/18, 24/25 e 160/161).

Quanto à autoria, mister que se esquadrinhem as provas articuladas pelas partes.

Na delegacia, os agentes militares Francisco Antônio Bittencourt de Almeida e Darci Gil de Souza Júnior disseram que, ao longo de três meses, a ação do casal vinha sendo monitorada pela possível prática de tráfico de drogas. Então, naquele dia, enquanto permaneciam em campana nas proximidades da residência, observaram que uma motocicleta com dois ocupantes esteve no local, saindo, em seguida, logo após serem atendidos pelos réus. Assim, partiram em seu encalço, sendo com eles encontrada uma "bucha" de maconha, que afirmaram ter adquirido do acusado R.. Ato seguinte, foi cumprido mandado de busca e apreensão na residência dos recorrentes, onde foi encontrada uma porção pequena de maconha e uma "pedra" com cerca de 50g de cocaína, cinco celulares da marca Nokia, dois da marca Motorola, dois da marca Sony Ericsson, dois "Palm", três notas de R$ 50,00, dezoito de R$ 10,00, sete de R$ 20,00, cinco de R$ 5,00, nove de R$ 2,00, uma de R$ 1,00, totalizando R$ 514,00, além de U$ 30,00, uma balança de precisão da marca "Powerpack", um módulo da marca "Pigsound", um toca-fitas marca "Livstar", um aparelho de CD Britânia, três talões de cheques, em nome de R., um binóculo da marca "Sehfeld, dois "walk talkies" da marca Motorola, com carregador e uma carteira de identidade em nome de Edson Luiz da Silva. Acrescentaram que, durante a diligência, como se valiam de viatura descaracterizada, "vários usuários chegaram ao local com intuito de adquirir entorpecente, os quais confirmaram aos policiais que estavam alí para comprar 'pedra', maconha, e cocaína", conforme os termos de declaração anexados (fls. 3/5).

Seguem-se, então, as declarações dos usuários A. F. de O., G. O. de E., L. P. N. M., K. R. L. S. R. da C. F., E. de O., S. M. Z., I. M. A. e F. B. (fls. 38/51 e 54/55).

Os sete, em uníssono, assegurarem terem ido até "a casa de R." visando à compra de tóxicos; alguns, de maconha, outros, de "crack", alguns ainda, de ambos, e disseram já tê-lo feito em ocasiões pretéritas.

Destaca-se que E., nessa oportunidade, disse que "diversas vezes, já efetuou a compra de entorpecentes no local, sendo vendidos por R. e também por sua amásia, de nome J." (fl. 46).

Já J. M. de A. S., o "M.", informou que permaneceu hospedado na casa do apelante por cerca de doze dias, que sabia que "'R.' efetuava o tráfico de entorpecentes em casa", e que, durante esse período, "várias pessoas estiveram no local, perguntando se havia entorpecentes para vender, e sobre o paradeiro de R." (fl. 52).

Na presença da magistrada, os militares Francisco Antônio e Darci Gil detalharam a operação que culminou na custódia dos acusados, dizendo que as denúncias anônimas davam conta de que a droga estaria enterrada no quintal da residência e, de fato, localizaram-na "entre a casa e o muro, enterrada no solo, havendo brita por cima", e que a droga "estava no modo sólido, com fita adesiva" (fls. 130/131 e 134/135).

Salienta-se, do depoimento do primeiro, que ele, enquanto permaneceu ao lado da residência, junto ao carro do réu e, por estar à paisana, foi abordado por diversos usuários de drogas, que se dirigiam a ele, indagando "se tinha droga", e que "a maioria pedia 'crack'". Falou, ainda, que "mulheres viciadas foram ao local e pediram pela ré J.".

O apelante R. M. dos S., na presença do delegado, alegou que foi abordado quando chegava em sua casa, por agentes públicos, que estavam à paisana, enquanto outros adentraram a residência, onde se encontrava sua companheira, e de onde retornaram com uma balança e uma pedra semelhante à cocaína, negando, contudo, que tais objetos lhe pertencessem ou que praticasse a mercancia ilícita. Sobre as pessoas que se declararam compradoras de tóxico, afirmou que elas "foram abordadas na rua e obrigadas a confessar serem usuárias de drogas" e que os demais bens eram de sua propriedade (fls. 6).

Na mesma ocasião, a ré J. P. R. garantiu à autoridade policial que estava em casa "com seu marido, M. (filho de M.) e C.", este último, fazendo "um orçamento para construção de uma casa para o cavalo". Disse que, durante as buscas, foram encontradas uma pequena quantidade de maconha, cuja propriedade foi assumida por "M.", e "um pacote com pó branco". Disse, ainda, que "os policiais pegavam as pessoas que passavam na rua e as colocavam no interior da casa, mesmo antes de acharem a droga" e que gritavam perguntando onde encontrá-la Ao final, negou que comerciasse tóxicos ou que soubesse que seu companheiro desenvolvia tal atividade (fls. 7).

Sob o crivo do contraditório, R. persistiu negando a acusação, e assegurou que "a maconha era do M." e a cocaína e a balança de precisão não estavam em sua casa. Sobre os demais objetos, disse que apenas três aparelhos celulares funcionavam, mas guardava os demais "assim mesmo", que "usava o rádio de comunicação nos eventos de golfe", e que o binóculo havia emprestado para os salva-vidas, e que "eles o devolveram depois do término da temporada de 2008".

Contou, ainda, que, quando do flagrante, "já havia parado de comercializar drogas há três meses", e que deixou a balança "com uma pessoa", alegando que "os usuários continuam procurando droga mesmo quando a pessoa para de vender" e, como tinha acabado de chegar de viagem, talvez essas pessoas tenham pensado que tinha trazido droga" (fls. 141/143).

Por seu turno, a ré J., na mesma toada, negou a imputação e disse que os bens apreendidos pertenciam a R., sendo que quatro celulares funcionavam, e o binóculo era usado por ele no jogo de golfe. Contou, ainda, que, diante das dificuldades que enfrentaram, ao transferir residência para a cidade, R. passou a vender drogas, porém, diante de sua oposição, em janeiro de 2009, ele abandonou a atividade. Sobre a maconha, falou que foi encontrada "no chão da porta" e que "'M.' admitiu que era sua" (fls. 144/146).

Na etapa judicial, E. de O. negou seus dizeres pretéritos e justificou, dizendo que, na delegacia, após ler seu depoimento, mencionou que "aquilo não era verdade, mas os policiais Darcy e Bittencourt falaram que devia ajudar, pois, caso contrário, sobraria para ela também", afirmando, ainda, que os agentes públicos "pegavam os moleques na rua e davam tapa na cara". Indagada pela juíza, a testemunha disse que "foi usuária de drogas e que deixou de ser em janeiro de 2009", e que foi à casa de J. "pegar bijuterias e lingeries que havia comprado" (fls. 136/137).

Na presença da magistrada, J. M. de A. S., tentando atenuar sua versão, disse que, de fato, enquanto os réus estiveram viajando, "apareceram pessoas na casa, perguntando se tinha droga para comprar, mas ele as mandava embora", pois, "até onde sabia, os réus não tinham drogas em casa", sendo que "a única que havia era dele, ou seja, a maconha". Falou, ainda, que, em que pese reconhecer sua assinatura na declaração de fl. 52, "não é verdade que tenha dito que 'R.' efetuava tráfico de entorpecentes, tal qual consta", alegando que "o policial Darcy, deliberadamente, distorceu suas palavras" (fls. 132/133).

As testemunhas chamadas pela defesa nada sabiam sobre o ocorrido e se limitaram a abonar suas condutas (fls. 138/140).

Consolidando a efetiva prática do comércio espúrio, têm-se os dizeres da testemunha protegida pelo Provimento n. 05/2010, que descreveu para a magistrada a intenso fluxo de pessoas "entrando e saindo da casa dos réus, principalmente, entre 17 e 18 anos", e que "conhecia usuários que compravam drogas de R., mas preferia não revelar". Narrou, também, que ouviu de seu filho, com idade semelhante a de outros meninos usuários, que "R. vendia droga", fato que, segundo a testemunha, "ele não fazia muita questão de esconder", ressalvando, entretanto, que, quanto a J., não ouviu comentários que atuasse no comércio ilegal (fl. 155).

Diante do acervo probatório amealhado, cuja essência relevante se destacou, forçoso visualizar que se delineia, claramente, o envolvimento do acusado R. no comércio de entorpecentes, estando claro que sua atividade não foi interrompida, como ele pretendeu fazer crer.

O tóxico apreendido, nitidamente acondicionado para a venda, a balança de precisão, que, certamente, não foi "plantada" pelos agentes públicos, e a profusão de objetos, incompatível com a precária condição econômica declarada pelos réus, aliados ao afluxo de usuários que, durante a diligência, recorreram à residência deles, comprovadamente, para adquirir narcóticos, não deixam margem à dúvida.

A par disso, não apenas a testemunha protegida afirmou saber da mercancia, como, também, o próprio amigo do acusado R., não obstante tenha procurado abrandar suas declarações.

De outra parte, com relação à recorrida J., ao contrário do que sustenta o Órgão Acusador, tanta certeza não emana do processado, sendo visto que, tão somente, foi referida pela testemunha Eliane, que, por seu turno, se desdisse na fase judicial, restando isolado esse indicativo no processo.

Dessa forma, ainda que fosse companheira do acusado R., e com ele coabitasse, tal não implicaria, necessariamente, na adesão ao ilícito, porquanto, "em se tratando de imputação de crimes contra a saúde pública direcionada em face de cônjuges, a conduta análoga ao tráfico de drogas, consubstanciada em consentimento de uso de bem imóvel por terceiro como ponto de comércio proscrito de entorpecentes (Lei n. 11.343/2008, art. 33, §1º, III), deve ser analisado com reservas, notadamente quando a acusação recair estritamente sobre um casal – sem envolvimento de pessoa estranha, uma vez que referido preceito incriminador 'volve-se a recriminar terceiros, que por meio da disposição de local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, contribui para a prática daquela atividade proscrita'. (Ap. Crim. n. 2008.050156-8, de Gaspar, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 30.10.2008)' (Ap. Crim. n. 2008.073794-3, de Chapecó, rel. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 13.8.2009).

Nesse ponto, necessário consignar, em função dos argumentos do "parquet ad quo", que os diálogos destacados em suas razões foram obtidos em escutas não consideradas pela magistrada, que se valeu, apenas, daqueles obtidos da interceptação do n. 47-9981-9760 e no período compreendido entre 23.6.2009 e 8.7.2009, por entender que "o outro incidente de interceptação não restou apensado aos autos", além do que, "não foram juntadas as decisões que deferiram e prorrogaram as escutas, no outro incidente", concluindo que "tal prova afrontaria a princípio da ampla defesa e, por conseguinte, o devido processo legal" (fls. 223/224).

Dessarte, não havendo provas concretas que possam respaldar a condenação da apelada, "na hipótese de um dos cônjuges exercer o comércio proscrito e efetivamente ser condenado pela prática de tráfico de drogas dentro do imóvel em que residem ambos, tal fato, de 'per si', não induz à subsunção formal da conduta do cônjuge remanescente – que, por descoberta recente, tolera, por curto lapso, as ações do marido provedor – ao tipo previsto no art. 33, §1º, III, da Lei n. 11.343/2006, porquanto o uso das dependências da residência, por força de lei, está sob a ingerência de ambos" (excerto Ap. Crim. retro citada, da relatoria da Exma. Desa. Salete Silva Sommariva).

Por fim, remanesce a análise da pretensão do réu R. de ver a sanção reduzida pela aplicação do que dispõe o § 4º do art. 33 da lei de Drogas, além da substituição da reprimenda corporal por penas restritivas de direitos ou suspensão condicional da pena.

Registra-se, quanto à mitigação da pena, na esteira do que esclarecem LUIZ FLÁVIO GOMES, ALICE BIANCHINI, ROGÉRIO SANCHES CUNHA e WILLIAM TERRA DE OLIVEIRA (Nova Lei de Drogas Comentada; Lei 11.343, de 23.8.2006, SP: RT, 2006, p. 165), que "a simples leitura do parágrafo pode induzir o intérprete a imaginar que o benefício está na órbita discricionária do juiz. Contudo, parece-nos que, preenchidos os requisitos, o juiz não só pode, como deve reduzir a pena, ficando sua discricionariedade (motivada) ao 'quantum'".

Todavia, não é esse o caso, porquanto o apelante não preenche os requisitos legais. Embora primário e sem antecedentes criminais, as provas carreadas aos autos demonstram, claramente, a contumácia da ilegalidade, apontando a dedicação do réu ao comércio de droga ilícita, o que impede a concessão. Com efeito, os policiais que efetivaram a prisão em flagrante declararam, em juízo, que existiam denúncias anônimas informando a prática de tráfico pelo apelante, sendo apreendidos, em seus domínios, 50g (cinqüenta gramas) de cocaína, substância considerada extremamente nociva, não apenas pelo seu elevado grau de danosidade à saúde, diante da rapidez com que leva o usuário à dependência química, bem assim, pelas seqüelas provocadas pelo seu uso, além de uma porção de maconha.

Aliás, também fazem prova da contumácia delitiva os diálogos telefônicos interceptados, e integrantes do édito (fls. 223/224) e, dessa maneira, diante de sua persistente rotina, não merece ser agraciado com a benesse.

E, tocante à rogativa pela substituição da pena corporal por restritivas de direitos ou "sursis", tem-se que a proibição emana da próprio ordenamento legal, que veda, expressamente, tais possibilidades no art. 44, "caput", da Lei n. 11.343/2006, sendo inviável, portanto, o atendimento dos pleitos.

DECISÃO

Diante do exposto, decidiu a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Tulio José Moura Pinheiro e Robson Luz Varella, lavrando parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Demétrio Constantino Serratine.

Florianópolis, de 14 de setembro de 2010.

Irineu João da Silva

PRESIDENTE E RELATOR

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