Original
Para o magistrado, em que pese, de fato, a segurança que documentos originais inspira a todos os personagens do processo, "certo é que a exigência de que a inicial seja instruída com os documentos originais só se faz indispensável quando a própria lei assim o exigir".
Conhecido por defender o uso da tecnologia no combate a morosidade da Justiça, o des. cita, para ilustrar o caso, artigo do magistrado Sansão Saldanha intitulado "Justiça Instantânea".
No texto, o des. diz que "é urgente a atenção que devemos dar ao fator morosidade da justiça. Dispomos de meios e instrumentos bastantes para fazer com que o processo tenha no mínimo uma duração razoável. Precisamos apenas da iniciativa do julgador de usar a tecnologia jurídica disponível".
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Veja abaixo o despacho na íntegra :
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Despacho DO RELATOR
Agravo de Instrumento nº 0003215-49.2010.8.22.0000
Agravante: Banco Itaucard S. A.
Advogado: Luciano Mello de Souza (OAB/RO 3519)
Advogada: Lia Dias Gregório (OAB/SP 169557)
Agravado: K. P. R.
Relator:Des. Roosevelt Queiroz Costa
Vistos
Trata-se de agravo de instrumento tirado da seguinte decisão:
“Intime-se a parte autora para emendar a inicial, trazendo aos autos o original do contrato.
Na mesma oportunidade, comprove a parte autora a constituição em mora, pois o documento de Notificação Extrajudicial veio desacompanhado da assinatura da parte ré e, além disso, foi expedida por cartório de outra unidade da federação.
Prazo: 10 dias. Pena: Indeferimento da inicial.”
Recorre a parte autora alegando que a decisão merece reparo, em suma, porque “não há necessidade de juntada do contrato original para a ação de busca e apreensão, bastando, para tanto, a cópia”, e bem assim, porque “nada há na lei que justifique a exigência da notificação ter que ser realizada por cartório local”, pedindo, nestes termos, o provimento do recurso.
Pois bem.
Tem razão a parte recorrente.
A exigência contida na decisão que a determinou, não pode prevalecer, porque, em verdade, não se tratando de processo de execução, mas de Busca e Apreensão, não se justifica a exigência dos documentos originais, notadamente quando a parte traz aos autos cópia, que sequer foi objeto de impugnação pela parte contrária.
Nesse sentido, diz expressamente o Código Civil, dentro do Título V, Da Prova:
Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:
I – confissão;
II – documento;
III – testemunha;
IV – presunção;
V – perícia. (gn)
Quanto aos documentos, diz o Código, entre os artigos 216 a 226, primeiramente, quanto à cópia autenticada, e, posteriormente, quanto à cópia simples, que:
Art. 223. A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá como prova de declaração da vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser exibido o original. (gn)
Parágrafo único. A prova não supre a ausência do título de crédito, ou do original, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à sua exibição.
Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão. (gn)
Também a lei processual, na Seção V (Da Prova Documental), Subseção I (Da Força Probante dos Documentos), artigos 364 a 385, trata do tema em questão.
Em relação à matéria, síntese muito feliz foi feita por Rodrigo da Cunha Lima Freira, nestes termos:
“No art. 365 do CPC, que dispõe sobre utilização no processo de certidões, reproduções e traslados fazedores da mesma prova dos originais, além dos novos incisos V e VI, incluídos pela Lei 11.419/2006 - e que oportunamente serão comentados -, a Lei 11.382/2006 acrescentou um inciso IV, para incluir entre essas as cópias reprográficas do próprio processo judicial, independentemente de autenticação da serventia judicial, desde que declaradas autênticas pelo próprio advogado e não lhes seja, com fundamento, impugnada a autenticidade.
Mas antes mesmo da Lei 11.382/2006 entrar em vigor, o próprio CPC já admitia expressamente que o advogado declarasse a autenticidade das cópias reprográficas das peças processuais que instruem: a) o agravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial ou de recurso extraordinário, conforme o § 1º do art. 544, incluído pela Lei 10.352/2001 (...); e b) a execução provisória, conforme § 3º do art. 475-O, incluído pela Lei 11.232/2005 (...).
E o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, na alínea a do § 1º do art. 255, cuja redação foi modificada pela Emenda Regimental 6 de 2002, também permitia que o advogado declarasse a autenticidade das cópias dos acórdãos paradigmas, para a comprovação do dissídio jurisprudencial no recurso especial fundado na alínea c do inciso III do art. 105 da CF (...).
Tanto esses últimos, quanto o novo dispositivo, parecem subordinar a presunção de autenticidade das cópias reprográficas a três requisitos cumulativos: a) o advogado deve declarar expressamente a autenticidade da reprodução, sob sua responsabilidade; b) as peças reproduzidas devem pertencer aos autos do próprio processo judicial (...); e, c) a ausência de impugnação (...).
Mas é preciso fazer algumas ponderações a respeito.
Se “o advogado é indispensável à administração da Justiça”, conforme dispõe o art. 133 da CF; e se “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público”, conforme o disposto no art. 6º da Lei 8.906/1994, afronta a advocacia presumir a falta de autenticidade das cópias reprográficas juntadas aos autos do processo pelo advogado, ou mediante requerimento deste, sem expressa declaração de autenticidade.
Por outro lado, presumir a falta de autenticidade de uma cópia reprográfica juntada aos autos do processo pelo advogado, ou mediante requerimento deste, com ou sem declaração expressa de autenticidade, é presumir a á-fé e, como é cediço em doutrina e em jurisprudência, a má-fé não se presume.
Além do mais, o advogado é - e qualquer outro também seria - responsável pela juntada de cópia reprográfica que não for autêntica, independentemente de declarar ou de não declarar a autenticidade da reprodução. Portanto, absolutamente desnecessária a expressão “sob sua responsabilidade pessoal”, contida na parte final do inciso IV do art. 365.
A declaração de autenticidade do advogado, exigida como requisito para a “presunção de boa-fé , é um resquício evolutivo da burocracia cartorial, despido de sentido prático na sociedade contemporânea da informação.
A prova mais contundente da inutilidade dessa declaração expressa é a exigência legal da ausência da impugnação para se perfazer a presunção de autenticidade da cópia reprográfica juntada aos autos. Ora, a parte contrária pode perfeitamente impugnar a autenticidade da reprodução, acompanhada ou desacompanhada da declaração expressa de autenticidade do advogado; e se não impugna é porque aceita a autenticidade da reprodução, acompanhada da declaração expressa de autenticidade do advogado.
Aliás, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, antes da Lei 11.382/2006, já entendia como desnecessária a necessidade da declaração expressa de autenticidade do advogado até para os agravos de instrumento contra as decisões interlocutórias proferidas em primeira instância:
[...]
Portanto, a declaração prevista no inciso IV do art. 365 pode ser expressa ou tácita: quem junta ou requer a juntada de cópias reprográficas aos autos de um processo judicial, evidentemente declara a autenticidade das mesmas, respondendo pela falta desta, desde que haja impugnação fundada.
De qualquer sorte, querendo o advogado, por cautela, declarar expressamente a autenticidade das cópias, não precisará fazer declaração “folha por folha”, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
[...]
Examinando a norma contida no § 3º do art. 475-O, GLAUCO GUMERATO RAMOS faz a seguinte sugestão de redação: “O signatário declara, sob responsabilidade pessoal, que todas as cópias das peças processuais integrantes deste pedido de cumprimento provisório da sentença são absolutamente autênticas”.
Por outro lado, permanece a presunção de autenticidade das cópias de outros documentos que não se encontram nos autos do próprio processo judicial, pois: a) as cópias reprográficas não podem ser consideradas, a priori, como provas ilícitas, ilegais ou moralmente ilegítimas (...); b) o art. 225 do Código Civil determina que “as reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão”; c) o caput do art. 372 do CPC não foi revogado e assim dispõe: “Compete à parte, contra quem foi produzido documento particular, alegar no prazo estabelecido no art. 390, se lhe admite ou não a autenticidade da assinatura e a veracidade do contexto; presumindo-se, com o silêncio, que o tem por verdadeiro”; d) o caput do art. 385 também não foi revogado e estabelece que “a cópia de documento particular tem o mesmo valor probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder à conferência e certificar a conformidade entre a cópia e o original”; e) como se viu anteriormente, mesmo antes da Lei 11.382/2006 a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça já dispensava a autenticação ou a declaração de autenticidade das cópias reprográficas que instruíam os agravos de instrumento contra as decisões interlocutórias proferidas em primeira instância, e a Lei 11.187/2005 alterou a redação do inciso V do art. 527, substituindo a expressão “facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes” por “facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente”, para permitir ao agravado - e ao agravante, por isonomia - a juntada de cópias de documentos que não constam nos autos do processo.
E, aliás, o que já dizia a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, até mesmo antes do Código Civil de 2002:
“Processual. Petição inicial. Fotocópias não autenticadas. Indeferimento Liminar - I - Não é lícito ao juiz estabelecer, para as petições iniciais, requisitos não previstos nos artigos 282 e 283 do CPC. Por isso, não lhe é permitido indeferir liminarmente o pedido, ao fundamento de que as cópias que o instruem carecem de autenticação. II - O documento ofertado pelo autor presume-se verdadeiro, se o demandado, na resposta, silencia quanto à autenticidade (CPC, art. 372)” (STJ, Cortes Especial, EResp 179147/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 30.10.2000, p. 118)
Por fim, ressalte-se que a simples impugnação, despida de fundamento, não é suficiente para eliminar a presunção de autenticidade das cópias reprográficas juntadas aos autos do processo, como já decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:
Embargos de declaração. Omissão. Acolhimento sem alterar o resultado do julgamento - I - A simples impugnação de uma parte não obriga necessariamente a autenticação de documento oferecido pela outra. Faz-se mister que esta impugnação tenha relevância apta a influir no julgamento da causa, como, por exemplo, não espelhar o documento o verdadeiro teor do original. 2. Omitida no acórdão a circunstância da impugnação da parte e sua rejeição na origem pela falta de relevância, recebe-se o recurso integrativo, sem, contudo, alterar o resultado do julgamento” (STJ, Corte Especial, Edcl nos EResp 278766/MG, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 16.11.2004, p. 173)”
(ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim, et al., in “Reforma do CPC 2: nova sistemática processual civil”, São Paulo: RT, 2007, p. 52-57) (gn)
Logo, em que pese, de fato, a segurança que documentos originais inspira não só ao magistrado, mas a todos os personagens do processo, certo é que a exigência de que a inicial seja instruída com os documentos originais só se faz indispensável quando a própria lei assim o exigir, como se dá, por exemplo, com os títulos de crédito, que encerram em si mesmos o direito conferido a quem o possui (princípios da cartularidade, da literalidade, da autonomia e da abstração).
No caso dos autos, como visto, a exigência está a se revelar indevida, como, aliás, já decidiu esta Corte inúmeras vezes.
Nesse sentido, ademais, são as decisões do e. STJ, como mencionado pela doutrina supracitada, cuja tese foi acolhida por esta c. Câmara no julgamento de várias apelações, na sessão do último dia 1º/7/2009, assim ementados provisoriamente:
Petição inicial. Contrato. Via original. Desnecessidade.
Salvo exigência legal, pode a inicial ser instruída com cópia não autenticada de documentos, incumbindo à parte contrária a eles se opor, fundamentadamente. Assim inocorrendo não justifica o indeferimento da exordial. (Apelação Cível nº 100.001.2009.002255-5, Rel. Des. Roosevelt Queiroz Costa, v.u.)
A propósito, colho da página principal desta Corte na rede mundial de computadores, artigo que bem ilustra o caso em tela:
Artigo: Justiça Instantânea - desembargador Sansão Saldanha
O que se ouve com mais freqüência nas corregedorias e ouvidorias dos tribunais são reclamações de que a justiça é lenta, muito lenta mesmo. A esperança é de que um dia se torne mais rápida.
Diariamente está sendo inculcada em nós a prática de que aconteceu virou notícia. O desenvolvimento dos meios de comunicação tem facilitado essa sensação, graças à tecnologia que já foi colocada à disposição do consumidor comum. Recentemente tivemos um exemplo de tal imediatidade. De lá do oriente médio, a milhares de quilômetros daqui, milhões de pessoas assistiram ao vivo a agonia da morte de uma jovem que falecia atingida no coração por uma bala, durante protesto político. O caso não é inusitado. Todo dia estamos vendo os fatos acontecendo no mundo inteiro. Cada cidadão, cada transeunte virou um repórter com seu telefone celular, que, além do fim específico, também são máquinas de fotografar e filmar. Eles o levam na pasta, bolsa ou sacola. Capturado o fato, para a divulgação da notícia estão ai na web os sites à profusão: Youtube, FaceBook, Flicker, Orkut, Twitter, Blogs e incontáveis jornais on-line.
É essa prontidão que pretendem as partes no processo judicial. Decisão brevíssima. Todos querem que apresentada a petição ao juiz ele logo dê a sentença.
É urgente a atenção que devemos dar ao fator morosidade da justiça. Dispomos de meios e instrumentos bastantes para fazer com que o processo tenha no mínimo uma duração razoável. Precisamos apenas da iniciativa do julgador de usar a tecnologia jurídica disponível. Não são poucas as mudanças que se tem feito nos procedimentos e códigos de processo, para o julgamento rápido das causas e chegar logo à solução dos litígios entre cidadãos. Muitos são os programas da informática desenvolvidos e disponibilizados até mesmo gratuitamente com o fim de serem usados nos processos e procedimentos judiciais. Podemos usar as súmulas vinculantes, os precedentes dos tribunais superiores, os procedimentos e julgamentos virtuais e à longa distância, as decisões monocráticas e a supressão de sessão nos tribunais; é bom que os juízes abandonem a idéia das sentenças desnecessariamente longas, os votos doutrinários e a linguagem rebuscada; as partes ganharão muito procurando os juizados que dispensam o acompanhamento de advogado e optem por se submeter à conciliação, mediação e negociação processual.
O judiciário está pronto para servir ao cidadão. Queremos é uma justiça instantânea.
(Desembargador Sansão Saldanha, do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia - mailto:sansao@tj.ro.gov.br) (gn)
Em face do exposto, com fundamento no § 1º do art. 557 do CPC, dou provimento ao recurso para reformar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento do feito, tal como pedido.
Intime-se, publicando.
Porto Velho, 19 de março de 2010
Des. Roosevelt Queiroz Costa
Relator
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