Ação de restauração
Banco desaparece com processo e é obrigado a indenizar credor
O juiz de Direito Cláudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva, de SC, em ação de restauração de autos, condenou um banco a arcar com custas e honorários da ação movida por sua responsabilidade, pagar multa de 1% sobre o valor da causa, em razão da litigância de má-fé reconhecida na sentença, e ainda arcar com a indenização pelo dano processual causado ao credor pelo desaparecimento dos autos na fase de cumprimento da sentença em mais 20% sobre o valor da causa.
Segundo o juiz "tal atitude extrapola os limites do contraditório na ação de restauração de autos, por pretender restabelecer a instância, quando reconhece que já tinha sido intimado para cumprimento da sentença transitada em julgado. Ofereceu, portanto, resistência injustificada ao andamento do processo e procedeu de modo temerário ao extraviar documentos públicos (art. 17, incisos IV e V do CPC), pelo que arcará com os ônus do art. 18 e §2º do mesmo estatuto".
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Confira abaixo a íntegra da sentença :
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Autos n° 023.07.131062-5
Ação: Restauração de Autos/Especial de Jurisdição Contenciosa
Autor: Banco do Brasil S/A
Réu: Alcídio Vieira
Vistos, etc.
BANCO DO BRASIL S/A, qualificado e por procurador habilitado, propôs Restauração dos autos de Ação Ordinária de Cobrança n. 023.05.038238-4, movida por ALCÍDIO VIEIRA, alegando que o processo se encontrava em fase de cumprimento de sentença, tendo o banco sido intimado para efetuar o pagamento do suposto débito. Requereu a juntada dos documentos que possuía em seu poder, a concessão de prazo para a juntada dos cálculos e a citação da demandada para contestar.
Deferida a citação, contestou a demandada alegando que o autor omite o fato que foi o próprio banco que desapareceu com o processo (sic – fl. 46), requerendo o prosseguimento do feito no estado em que se encontrava, ou seja, na fase de cumprimento da sentença transitada em julgado, com a atribuição do valor de R$ 21.466,28 à causa e a condenação do autor nos encargos sucumbenciais, bem como na litigância de má-fé, e na multa do art. 475-J, do CPC.
É o breve relato. Decido.
A princípio, não houve litígio entre as partes quanto à restauração dos autos (CPC, art. 1065, §1º). O objetivo é o prosseguimento do feito no estágio em que se encontrava, como determinado no art. 1067 do Estatuto Adjetivo.
É exatamente isso que leciona a doutrina de Humberto Theodoro Júnior acerca dos limites do contraditório estabelecido na restauração de autos:
- A ação visa tão-somente a restauração ou recomposição dos autos desaparecidos (art. 1.063, caput). Trata-se, é certo, de procedimento contencioso, mas a questão de mérito limita-se à pesquisa e definição do conteúdo dos diversos documentos que compunham os autos originais. A controvérsia que se pode suscitar entre as partes e sobre a qual terá de pronunciar-se o juiz é apenas em torno da idoneidade das peças e elementos apresentados, ou da inexeqüibilidade da restauração por falta de peça essencial do processo.- (Curso de Direito Processual Civil, 17ª ed., p. 348)
Não se discute, portanto, que a ação de cobrança n. 023.05.038238-4 encontrava-se em fase de cumprimento da sentença transitada em julgado, liquidada pelos cálculos de fls. 81/99, trazidos pelo credor já atualizados a fl. 103, e incontestes pelo devedor, fixando-se o valor da causa em R$ 21.466,28 (vinte e um mil, quatrocentos e sessenta e seis reais e vinte e oito centavos), valor do débito atualizado até 31/08/2008.
Resta ainda apurar a responsabilidade pelo dano processual, devendo o requerente Banco do Brasil S/A sob cuja responsabilidade os autos foram levados em carga (fl. 102), arcar com os ônus sucumbenciais conforme a recomendação da doutrina de Humberto Theodoro Júnior:
- Segundo dispõe o art. 1.069, o causador do desaparecimento dos autos deve responder pelas custas da restauração e pelos honorários advocatícios despendidos pela parte contrária. O procedimento da restauração corresponde a uma nova ação e a um novo processo, onde, portanto, haverá sucumbência distinta da do processo principal. Provada a culpa pelo extravio, os encargos a que alude o art. 1.069 serão sempre da parte culpada, mesmo que seja ela a que tome a iniciativa de requerer a restauração, em face da natureza dúplice da ação.- (idem, p. 351)
Foi requerida também sua condenação como litigante de má-fé. Além de desaparecer com os autos por longo período prejudicando o credor, só promovendo a restauração quando intimado pessoalmente da busca e apreensão em outubro de 2007, o Banco do Brasil S/A ainda pretende questionar a sua condenação por sentença transitada em julgado, como se vê a fl. 03: - após efetuar os cálculos cabíveis e corretos o Banco do Brasil verificou não estar em débito com o Sr. Alcídio Vieira, vez que inexiste data-base até o dia 15, inclusive, sendo este o motivo de não ter efetuado o pagamento conforme determinado - (SIC).
Tal atitude extrapola os limites do contraditório na ação de restauração de autos, por pretender restabelecer a instância, quando reconhece que já tinha sido intimado para cumprimento da sentença transitada em julgado. Ofereceu, portanto, resistência injustificada ao andamento do processo e procedeu de modo temerário ao extraviar documentos públicos (art. 17, incisos IV e V do CPC), pelo que arcará com os ônus do art. 18 e §2º do mesmo estatuto.
Finalmente, deixo de aplicar a multa do art. 475-J do CPC, por ter sido indeferida sua aplicação por decisão prolatada em 20/03/2007, verbis: -R. H. Intime-se o banco executado para, no prazo de 15 (quinze) dias, pagar os valores devidos (fl. 81), devidamente atualizados, sob pena de expedição de mandado de penhora e avaliação (art. 475-J, §1º, CPC). Não cabe, porém, imposição da multa de 10% (dez por cento), em vista da sentença ser anterior à vigência da Lei 11.232/05, pois referida multa se trata de direito material e não processual.
- ISTO POSTO, e pelo que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido de restauração dos autos da ação de cobrança 023.05.038238-4, na forma do art. 269, I, do CPC, para restabelecer o andamento do feito no estado em que se encontrava, em fase de cumprimento do seguinte dispositivo de sentença transitada em julgado:
- Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na exordial para condenar o réu ao pagamento da diferença entre o que foi creditado (18,02%) e o que deveria ter sido pago (26,06%), referente ao IPC no mês de junho de 1987, sobre o saldo existente nas poupanças de titularidade do autor; bem como o correspondente da diferença entre o percentual que foi creditado (22,36%) e o que deveria ter sido pago (42,72%), referente ao INPC do mês de janeiro de 1989, sobre o saldo das referidas poupanças.
Ressalte-se que as importâncias acima devem ser atualizadas monetariamente pelos índices oficiais remuneratórios da caderneta de poupança, com inclusão dos índices expurgados, referentes aos meses de janeiro de 1989 (42,72%); março (84,32%), abril (44,80%) e maio (7,87%) de 1990 e fevereiro de 1991 (21,87%) (STJ RESP 455079, Ministro Luiz Fux; TJSC ACV 96004377-2, Des. Nelson Schaefer Martins), acrescidos de juros de mora na base legal a partir da data do descumprimento da obrigação. Face ao princípio da sucumbência, condeno a ré a pagar as custas processuais e honorários do patrono da autora, os quais fixo em 15% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do §3º do art. 20 do Código de Processo Civil. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Arca o autor com custas e honorários da ação de restauração movida por sua responsabilidade, conforme já estabelecido na fundamentação, sendo estes fixados em R$ 2.146,00 (dois mil, cento e quarenta e seis reais) diante da natureza não condenatória da sentença e levando em conta o local e a forma da prestação dos serviços, na forma do § 4o do art. 20 do CPC, tudo a teor do art. 1.069 do CPC: - A responsabilidade por custas e honorários, na restauração de autos, é de quem deu causa ao desaparecimento, por expressa previsão legal (art. 1.069, CPC). - (Ap. Cível 50.038, de Rio Negrinho, Rel. Des. Eder Graf).
Arca ainda o autor com multa de 1% sobre o valor da causa (fixado em R$ 21.466,28 – vinte e um mil, quatrocentos e sessenta e seis reais e vinte e oito centavos), em razão da litigância de má-fé reconhecida nesta sentença; e ainda com indenização pelo dano processual causado ao credor pelo desaparecimento dos autos na fase de cumprimento da sentença em mais 20% sobre o valor da causa, tudo na forma do art. 18, § 2o, do Código de Processo Civil.
Oficie-se com cópia integral e autenticada do presente processo ao Ministério Público para os fins do art. 40 do Código de Processo Penal, diante do disposto no art. 356 do Código Penal; bem como para o Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de Santa Catarina, para eventual apuração de responsabilidade profissional diante do disposto no art. 34, XXII da Lei 8.906/94.
Providencie também o Sr. Escrivão a juntada de cópia autenticada da sentença transitada em julgado em 20/06/2006 e registrada no livro 22/2006, às fls. 90/92, que valerá como título o original na forma do art. 1066, §5o do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Florianópolis (SC), 8 de fevereiro de 2010.
Cláudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva
Juiz de Direito
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