Reminiscências
Cenas da infância marcam a vida de Joaquim Nabuco
Sua grande façanha de vida foi, sem dúvida, ter contribuído ativamente – como político, advogado, jornalista e escritor – para a abolição da escravatura que se deu em 1888, mudando radicalmente a economia e a estrutura social do país.
Joaquim Nabuco tinha quase 39 anos quando o Brasil se livrou definitivamente deste mal. Ao contrário do que se possa pensar, suas convicções abolicionistas e mesmo sua propensão à política, que tanto lhe foi útil em sua luta, não nasceram na alma do "homem" Joaquim Nabuco – já intelectual e conhecedor do mundo, como conseqüência de estudos, companhias ilustres e vivência em diversos países – mas na alma do "menino" Joaquim.
Em seu livro de memórias, "Minha Formação" (1900), Joaquim Nabuco registra com o cuidado que só o afeto pode imprimir as duas situações que mais marcaram sua formação pessoal e, consequentemente, suas atividades profissionais. O primeiro quadro imorredouro da infância remonta ao engenho da família. Nabuco nos conta:
"Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de dezoito anos, o qual se abraça aos meus pés suplicando-me, pelo amor de Deus, que o fizesse comprar por minha madrinha, para me servir. Ele vinha das vizinhanças, procurando mudar de senhor, porque o dele, dizia-me, o castigava, e ele tinha fugido com risco de vida..."
Joaquim afirmou muito tempo depois desse episódio que foi esse o traço inesperado que lhe fez descobrir a natureza da instituição com a qual ele convivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava.
Mas essa não foi a única imagem pueril a marcar profundamente a vida de Joaquim Nabuco, forjando para o glorioso futuro. Ele registra com emoção uma passagem dos tempos de colégio que evidencia como nasceu sua propensão à política :
"O inspetor do nosso ano me chamou à mesa (...) para dizer-me com grande mistério que meu pai tinha sido chamado a S. Cristóvão para organizar o gabinete. Filho de presidente do Conselho foi para mim uma vibração de amor-próprio mais forte do que teria sido, imagino, a do primeiro prêmio que o nosso camarada Rodrigues Alves tirava todos os anos. Eu sentia cair sobre mim um reflexo do nome paterno e elevava-me nesse raio: era um começo de ambição política que se insinuava em mim."
Naquela época (1864-1865), o pai de Joaquim Nabuco, o senador do império José Tomás Nabuco de Araújo Filho, tinha passado do campo conservador para o liberal (como muitos à época).
Enquanto os homens que haviam entrado na vida pública iam restringindo suas aspirações, aproveitando a experiência para estreitarem-se no círculo de pequenas ambições, no desejo de simples aperfeiçoamento relativo, num espírito conservador, o pai de Joaquim Nabuco, à medida que ia em direção contrária, conquistava na política um papel quase imparcial : o de oráculo. Ao ruir da escravidão, pressentia ele, não demoraria o ruir da monarquia, o que de fato aconteceu em 1889.
Joaquim Nabuco em seus quinze, dezesseis anos, não compreendia plenamente as marcações políticas que se faziam entre conservadores e liberais, mas conhecia as convicções de seu pai, e estas construíram boa parte das bases de suas próprias convicções.
Essas cenas de âmbito doméstico destacam-se na memória e na formação de Joaquim Nabuco.
E é somente quando buscamos essas reminiscências, e verificamos o quão fortemente elas tomaram o espírito da criança, que entendemos o homem idealista que ele se tornou.
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