Habent sua sidera lites
Existem várias maneiras de exercer o nobre mister do jornalismo. Uma delas é de modo analítico. Neste caso, o profissional faz a leitura (literal e metaforicamente falando) de tudo o quanto se diz acerca de um assunto, informa-se um pouco mais, e transmite ao leitor não fatos frescos, mas um outro prisma. Exemplo típico, e dos melhores, deste naipe de profissionais é Dora Kramer. E, no passado, como não citar Carlos Castelo Branco, o saudoso Castelinho. Outra vertente da arte da informação, no entanto, é a factual, que encerra novidade. Exemplo dessa cepa é Mônica Bergamo que, a despeito de assinar uma coluna social, traz invariavelmente novidades da política. Às vezes, como é bem de ver, flana-se bem nos dois mundos. Eis aos domingos Elio Gaspari que não nos deixa mentir, produzindo um misto de novidades com sapientes análises. Há também outras categorias, cada qual com seu valor. Pois bem, feito o nariz de cera, é hora de entrar no ponto. E o ponto é que quando um profissional atua de um jeito, fatalmente faz besteira quando se envereda por outra senda. Na próxima nota, nomes aos bois.
Crimine ab uno disce omnes
Laudari a bonis et vituperari a malis unum atque idem est
Ontem, tão logo saiu pela manhã a decisão de Teori afastando Cunha, pipocaram suposições acerca do porquê da liminar, uma vez que estava na pauta uma ADPF, a qual, caso fosse procedente, daria o mesmo efeito sem que fosse preciso um ato drástico como suspender o mandato. Surgiu de tudo. E a jornalista Eliane Cantanhede assinou às pressas um texto em seu blog do Estadão dando uma versão, com o peso que sua caneta carrega. Dizia ela que Teori deu a decisão para "desativar uma bomba preparada pelos ministros Lewandowski e Marco Aurélio que, segundo análises de juristas, poderia implodir o processo de impeachment". Dizia ela que a ADPF que estava na pauta pretendia anular os atos de Cunha, e, por conseguinte, o acatamento do pedido de impeachment. Cita como fonte "outros ministros". E, por fim, diz que "ao perceberem a manobra – ou "golpe", segundo um deles –, ministros se mobilizaram para neutralizar a aprovação da ADPF". Na próxima nota, as conclusões.
Amicus certus in re incerta cernitur
De duas uma, ou a fonte ("outros ministros") não leu a ADPF e está vivendo uma suprarrealidade na qual há perseguição por todos os lados, ou a misteriosa fonte falou em alemão e a jornalista, sem fluência na língua de Goethe, não entendeu patavina. Como ela não deu nome à fonte, vamos ficar com a segunda hipótese, pois não se concebe que "outros ministros" tenham feito tal pirueta exegética. Como sabe o leitor, a ADPF é uma ação sem partes. Um processo objetivo, que não se presta a anular atos. E a 402, no caso, pedia algo até lógico: que se observasse, aos sucessores da presidência da República, os mesmos requisitos que se exigem para o titular do cargo. Simples assim. Daí a dizer que se quer anular atos, há uma distância invencível. Mas o pior é que, partindo dessa premissa estulta, de que se pretendia anular o impeachment, a jornalista sugeriu um conluio entre os ministros Lewandowski e Marco Aurélio. Juntando a fantasia com a realidade (a ADPF entrou, de fato, na pauta rapidamente – mas há exemplos disso à farta) estava feita a armadilha para o leitor. E, infelizmente, muitos foram pegos nessa arapuca. Queira Deus que tudo não tenha passado de uma confusão de informações: a fonte ter falado em alemão, e ela ter entendido em javanês. Oxalá! Na próxima nota, a verdade.
Lupum auribus tenere
Multos timere debet, quem multi timent
Sobreveio, no entanto, a ADPF, que foi distribuída por sorteio ao ministro Marco Aurélio. E nem venha se alegar que deveria ter ido ao ministro Teori, porque não é possível falar em prevenção. Como já se disse, a ADPF não tem partes, é um processo objetivo. A cautelar, um processo subjetivo. Caminham, portanto, separadamente. E não há, por mais inventivo que se seja, conexão pelo futuro resultado que circunstancialmente outra ação, com outro ministro, possa vir a ter. Enfim, com a relatoria da ADPF, e vislumbrando urgência na tutela, o ministro Marco Aurélio pediu pauta e o ministro Lewandowski abriu o espaço. O ministro Teori, preocupado porque o resultado prático era o mesmo da ação que ele tinha em mãos, e que, ele sabia, possuía elementos mais sólidos, e tratava especificamente do indigitado personagem, achou por bem se antecipar. E a leitura de sua decisão deixa claro que não há uma nesga sequer de rusga ou ressentimento. Por fim, a antecipação do ministro Teori é sinal de que a urgência existia, corroborando o pedido de pauta de Marco Aurélio e a inclusão feita por Lewandowski. E, o que verdadeiramente importa, o resultado, todos já sabem, 11 a 0. E, com o placar, a prova matemática de que não há a aludida divisão na Corte. Na próxima nota, outro assunto, porque esse está encerrado.