Da relação homo-afetiva e seus reflexos no mundo jurídico
Priscilla Bitar D'Onofrio*
A homossexualidade, historicamente descrevendo, é tão antiga quanto a própria heterossexualidade. A rigor, em diversas culturas e civilizações encontram-se manifestações que revelam a sua existência em lendas, mitos, relatos e encenações. No entanto, apesar dessa aceitação histórica nas duas mais importantes civilizações da antiguidade: Roma e Grécia - houve uma mudança nos preceitos mundiais que são carregadas de preconceitos e restrições.
O maior preconceito contra o homossexualismo é o de cunho religioso. Em última análise, cultura e religião se entrelaçam para censurar os chamados pecados da carne. A Igreja Católica considera o homossexualismo uma perversão - uma transgressão. É esse, na maioria das vezes, o escudo usado como justificativa para o preconceito em relação aos homossexuais.
Porém, a situação começou a mudar no século XX, pois o enlace Estado e Igreja enfraqueceu e o afeto passou a ocupar lugar de destaque na sociedade. Os homossexuais, com o apoio da imprensa e de organizações não governamentais, iniciaram uma luta pelos seus direitos e ganharam espaço para que a discussão fosse ampla e atingisse toda a população. Essa discussão diminuiu o preconceito e inseriu o "novo modo de família" na sociedade.
Importante é destacar, contudo, a não existência de legislação correspondente em nosso ordenamento jurídico, mas diante da situação fática é necessário o posicionamento dos tribunais.
Especificamente destacamos dispositivos que não permitem a descriminação dos homossexuais.
(i) Na Constituição Federal
A Carta Magna de nosso país (clique aqui) traz proteção ao Princípio da Igualdade, da Dignidade da Pessoa Humana e da Isonomia, que conflitam com o preconceito em relação às Uniões Homo-afetivas de qualquer espécie, dentre outros que serão analisados a seguir.
O Princípio da Igualdade garante a todos os brasileiros tratamento igualitário, independente de cor, raça, crença e opção sexual.
O Princípio da Isonomia nivela os indivíduos em direitos e deveres.
O principio da dignidade da pessoa humana, insculpido no inciso III do artigo 1º da Magna Carta é eleito como fundamento do Estado Democrático de Direito, e aliado ao caput do artigo 5º do mesmo diploma legal, não permite a conclusão, de qualquer distinção de um individuo para outro, tendo como escopo a sua orientação sexual.
(ii) Na declaração dos direitos humanos
O Brasil é signatário da Declaração de Direitos Humanos, a qual abriga certos valores que deveriam ser buscados e respeitados por todos os povos. Estes valores, por sua vez, permeiam toda a Declaração Universal dos Direito Humanos.
São estes: Igualdade e Fraternidade, Liberdade, Dignidade da Pessoa Humana, Paz e Solidariedade Universal, Proteção legal dos Direitos, Justiça, Democracia e Dignificação do Trabalho.
Os valores decorrentes da igualdade são similares aos explicitados no Princípio da Igualdade, ou seja, todos os cidadãos devem ser tratados de modo igual diante da lei de seus países, independente de cor, raça, religião e sexualidade.
A fraternidade e a liberdade conceitualmente ligam-se diretamente com a igualdade, pois tratam da relação entre essas pessoas e da liberdade que as mesmas tem de ter suas opções.
A dignidade da pessoa humana é o outro grande valor entre os conceitos apresentados na Declaração dos Direitos Humanos, que engloba todos as outras ideias destacados acima. Tal essência determina que o indivíduo tem a liberdade de fazer tudo aquilo que não esbarre no direito do outro.
Importante para esse artigo é o último valor extraído da Declaração dos Direitos Humanos: a dignificação do trabalho- pois, incluindo os parceiros de funcionários homossexuais nos benefícios concedidos aos cônjuges e aos companheiros heterossexuais, a empresa concessora estaria entre aquelas que demonstram modernidade em seu pensamento e não necessitam de legislação específica para cumprir pactos internacionais e a tendência nacional, como se verá em seguida.
(iii) Posição do STF
O assunto em pauta vem sendo trazido aos Tribunais de todo o país e como já foi exaustivamente dito no presente artigo, não existe norma específica para resolver a situação processual.
Investida a questão de status constitucional, pronunciou-se o STF acerca da legitimidade dos reflexos legais da união homoafetiva:
"Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades. Posturas preconceituosas ou discriminatórias geram grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas com questões de caráter moral ou de conteúdo meramente religioso. Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetiva - como já fez a maioria dos países do mundo civilizado - incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente-transformador dos estagnados conceitos da sociedade (...)." (ADI 3300/MC - DF, Mm Rei. Celso de Mello, DJ 9/2/06, pág. 174)
Tal posição é uma prévia dos julgamentos que caberão a esse Superior Tribunal, e como se pode notar, uma prévia favorável a relação afetiva em questão.
(iv) Concessão de decisão permitindo segurado Homossexual de incluir parceiro em Plano De Saúde
Individualmente os parceiros homossexuais estão conseguindo, através de decisões judiciais em primeira instância- confirmadas nos Tribunais dos estados, e nos Tribunais Superiores- inserir os parceiros homossexuais nos seus planos de saúde, conforme se demonstra através de jurisprudência abaixo.
"Processo Civil e Civil - Prequestionamento - Ausência - Súmula 282/STF - União Homoafetiva - Inscrição de Parceiro em Plano de Assistência Médica - Possibilidade - Divergência Jurisprudencial Não-Configurada. - A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. - O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humanana". (Rec. Esp. 238.715/RS, 3ª Turma, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, em 7/3/06, DJ 2/10/06 p. 263).
Importante destacar que, caso exista alguma reivindicação nesse sentido, ou seja, individualmente ante ao plano de saúde a mesma será procedente diante da justiça.
(v) Concessão de decisão reconhecendo o direito do Companheiro Homossexual do Segurado do INSS à receber Pensão por Morte
O direito a receber pensão por morte do INSS foi reconhecido judicialmente para todos aqueles casais homossexuais que mantêm relações afetivas similares a Uniões Estáveis, destacando que todos os requisitos que devem ser preenchidos pelos companheiros heterossexuais, devem ser também obedecidos pelos companheiros homossexuais.
Já a possibilidade do recebimento da Pensão por Morte vem a se constituir um avanço significativo na luta pelos direitos dos homossexuais. E dentre as inúmeras decisões nesse sentido destaca-se a decisão abaixo pela mesma ser simples, clara e objetiva.
"Deve ser reconhecido o direito à pensão por morte do companheiro homossexual, em atenção aos princípios constitucionais do respeito à dignidade da pessoa humana, da isonomia e da proibição da discriminação por motivos sexuais." (REsp. 395.904/RS, Rei. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 6ª Turma, publ. 6/2/06)
Repercussão da decisão de aceitar os parceiros homossexuais nos benefícios empresariais.
As repercussões da aceitação dos parceiros dos funcionários homossexuais para as Empresas de pequeno ou grande porte não são apenas econômicas, mas podem ser publicitárias, pois há repercussão na imprensa trazendo matérias sobre a questão e tal assunto traz um ar moderno e atual aquele que aceitar essa condição.
(i) Conseqüências econômicas
Ressalta-se que para obter o benefício o empregado deverá comprovar o relacionamento, assim como o companheiro homossexual deve fazê-lo. Logo, são necessárias provas contundentes de sua relação afetiva com pessoa do mesmo sexo.
Desse modo, e conforme estudos elaborados no Banco do Brasil, divulgados pela imprensa - após aceitação dos parceiros homossexuais como beneficiários nos contratos de trabalho, desde 2005 só foram feitas 100 requisições de adesão em um universo de mais de 83 (oitenta e três) mil funcionários.
Concluí-se, portanto, que a inclusão dos parceiros homossexuais nos benefícios de natureza trabalhistas dos funcionários nas empresas, mesmo que de grande porte, não tem um impacto econômico significativo.
(ii) Consequências na imprensa
A decisão de aceitar a inclusão dos parceiros homossexuais leva a empresa a participar do grupo de poucas empresas que têm essa atitude, como por exemplo IBM, Microsoft, Banco do Brasil, Radiobras, Caixa Econômica Federal, além de governos, prefeituras e sindicatos de classe.
Tal atitude é vista pela imprensa e por todos aqueles que defendem os Direitos Humanos como corajosa e correta. Surgiria como notícia com facilidade tornando-se assim propaganda sem custo.
(iii) Consequências jurídicas
Conforme descrito no presente artigo não existe nenhuma norma que obrigue as empresas a incluir os parceiros de trabalhadores homossexuais em seu quadro de benefícios, mas foram apresentados argumentos suficientemente fortes para que tal inclusão seja feita, antes que pedidos individuais sejam feitos no judiciário.
Necessário destacar que existe a possibilidade de se solicitar a inclusão dos parceiros homossexuais nos benefícios dos trabalhadores da empresa, através de processos judiciais individuais em face do local onde laboram ou mesmo das seguradoras envolvidas.
Conclusão
Diante dos estudos, da pouca influência econômica, e da repercussão pública favorável, além da proteção das empresas para não sofrer ação judicial individual de Obrigação de Fazer visando a equiparação de parceiro do mesmo sexo com relação a benefícios dados à outros parceiros heterossexuais de seus empregados, pois existe embasamento jurídico para tal pedido, entende-se ser interessante aceitar a ideia de incluir os parceiros homossexuais de seus funcionários nos benefícios dados aos parceiros heterossexuais.
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*Advogada do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados
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