Discrionariedade administrativa
Sérgio Roxo da Fonseca*
Afirmou-se que tais expressões contém conceitos jurídicos indeterminados em oposição a outras que são extraídas das ciências exatas como, por exemplo, a ordem numérica. No Brasil, os servidores públicos são compulsoriamente aposentados aos setenta anos, não mais que um, nem menos do que um, mas setenta.
A primeira questão a responder é saber se há duas maneiras de enfrentar o problema, ou melhor, dizendo, se há ou não um método para aplicar regras imprecisas e outro para as regras precisas.
Salta aos olhos que a linguagem normativa é composta mais por conceitos imprecisos do que por precisos, ainda que, sempre quando podem, os legisladores optem ou devem optar sempre pela precisão.
A doutrina clássica da metade do século XX afirmava que os conceitos precisos deveriam ser aplicados mecanicamente. Setenta é setenta e não é sessenta e nove, nem setenta e um. Ao contrário, os conceitos imprecisos refletem o reconhecimento de poderes mais amplos outorgados pela Legislação à Administração que assim avaliaria a questão segundo seu juízo subjetivo.
Ao se reconhecer o poder da Administração revelar a extensão do direito no caso concreto, identificou-se então o que conhecemos pelo nome de discricionariedade, em oposição à arbitrariedade. No domínio discricionário, a Administração teria mais amplos poderes, porém poderes outorgados pela lei. No domínio da arbitrariedade a Administração agiria independentemente de qualquer lei, criando direito novo, como se fosse o legislador, o que contrariaria os princípios básicos do Estado de direito.
A doutrina identificou a existência de uma avaliação administrativa livre das regras legais. Houve e há quem sustente a existência de uma "margem de livre apreciação".
É escusado dizer que tanto lá como aqui, vozes importantíssimas sempre negaram qualquer "margem de livre apreciação", sustentando que o Estado de direito é aquele no qual a Administração somente age sob e conforme a lei, não podendo, portanto, preencher qualquer lacuna possivelmente encontrada, por mais relevante que possam ser os interesses postos em jogo.
O grande mestre português Afonso Rodrigues Queiró inicialmente alinhou-se ao lado daqueles que dividiam a competência em duas esferas, uma resultante da precisão, outra resultante da imprecisão de conceitos. O mestre de Coimbra escreveu pouco e muito bem. Os seus últimos documentos refletem o seu afastamento de suas antigas visões e a adesão à corrente monista.
Tal corrente sustentou e sustenta que não há discricionariedade quando a norma espelha conceitos precisos ou imprecisos. Cabe ao administrador obedecer rigidamente à precisão ou à imprecisão, sem pretender encontrar qualquer brecha ou margem de livre apreciação. Tal é a corrente monista sustentada pelo espanhol Eduardo Garcia de Enterría.
Mas então não existiria mais discricionariedade? A doutrina afirma que o regime democrático esforça-se em restringir ao máximo a discricionariedade que, contudo, dificilmente poderá ser eliminada.
Onde então estaria a discricionariedade? Estariam na inserção de conceitos da ciência da Administração no contexto da norma, conceitos, portanto, que não habitam o domínio da ciência jurídica, como, por exemplo, quando o legislador autoriza o administrador a contratar servidores sem concurso público, sempre por prazo determinado, para atender a excepcional interesse público. Cabe ao administrador dizer o que é "excepcional interesse público". Não ao jurista.
Tal visão, contudo, não exclui o controle judicial da discricionariedade que se faz pelas cinco vias de acesso reveladas pela jurisprudência do Conselho de Estado francês:
a) controle de norma de fundo;
b) controle de norma de forma;
c) controle de competência;
d) controle de existência ou inadequação de motivos;
e) controle de desvio de finalidade.
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*Advogado, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor da Faculdades COC
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