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Concessões de liminares para liberar mercadorias retidas pela Alfândega. Alternativa na área administrativa

A lei 12.016/09, que consolida as regras relacionadas à utilização do mandado de segurança no País, introduziu restrições a concessões de liminares para liberação de mercadorias retidas pela Alfândega, em procedimento de despacho aduaneiro para consumo. Em verdade, a restrição existia desde a vigência da lei 2.770/56, mas era pouco observada pelos magistrados. Esta restrição acarretará pesados prejuízos para as empresas que necessitam, com urgência, da mercadoria retida, nos casos de flagrante ilegalidade ou abuso de poder das autoridades alfandegárias.

8/12/2009


Concessões de liminares para liberar mercadorias retidas pela Alfândega. Alternativa na área administrativa

Rubens Pellicciari*

A lei 12.016/09 (clique aqui), que consolida as regras relacionadas à utilização do mandado de segurança no País, introduziu restrições a concessões de liminares para liberação de mercadorias retidas pela Alfândega, em procedimento de despacho aduaneiro para consumo. Em verdade, a restrição existia desde a vigência da lei 2.770/56, mas era pouco observada pelos magistrados. Esta restrição acarretará pesados prejuízos para as empresas que necessitam, com urgência, da mercadoria retida, nos casos de flagrante ilegalidade ou abuso de poder das autoridades alfandegárias.

A justificativa do Governo, que patrocinou a adoção desta providência junto ao Legislativo, está relacionada ao argumento de que a eventual liberação da mercadoria, antes do trânsito em julgado da querela, pode causar danos irreversíveis ao mercado e à política de controle das importações.

A regra, entretanto, é considerada inconstitucional por esmagadora maioria de juristas, nos casos em que a liberação da mercadoria não está relacionada aos aspectos de falsificação, fraude, contrabando ou descaminho, ou ainda, quando o bem retido oferece inquestionável risco ao consumo.

Alegam os juristas, com razão, que a lesão (ou ameaça à lesão) a direito deve ser levada à apreciação do Poder Judiciário, sem qualquer limitação. O artigo 7º, § 2º da lei 12.016, entretanto, coloca um obstáculo inconstitucional a esta prática processual.

Além disto, o STF já pacificou o entendimento de que "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos" (súmula 323), fato que reforça o coro dos descontentes com a medida legislativa recentemente adotada.

Com efeito, expressiva parcela das retenções está relacionada à exigência de recolhimento de diferença de tributos incidentes na importação, fato vinculado, por exemplo, à divergência de classificação na TEC, ou indicação de valor aduaneiro considerado inadequado pelo agente da Alfândega, ou também à discordância das autoridades quanto ao enquadramento da mercadoria em Ex Tarifário, ou ainda alegado tratamento administrativo indevido, além de outros.

Estes casos, que indubitavelmente concorrem para o congestionamento do Judiciário, não se incluem nas hipóteses de dano irreparável e irreversível para o Governo, caso sejam as mercadorias liberadas imediatamente após a alegação fiscal de infração cometida pelo importador.

O mais estranho nisto tudo é que existe expediente administrativo editado pelo Ministro da Fazenda, que permite a liberação da mercadoria retida, nestas hipóteses acima citadas de disputa com o Fisco por diferença de tributos. Trata-se da Portaria MF 389/76, que determina no seu artigo 1º: "as mercadorias importadas, retidas pela autoridade fiscal da repartição de despacho, exclusivamente em virtude de litígio, poderão ser desembaraçadas, a partir do início da fase litigiosa do processo, (...), mediante depósito em dinheiro, caução de títulos da dívida pública federal ou fiança bancária, no valor do montante exigido".

O figurino é perfeito, operou-se a tipicidade para os casos de exigência de diferença tributária. Ocorre a subsunção do fato à norma.

Acontece que este dispositivo é pouco acionado tendo em vista, principalmente, dois obstáculos de difícil superação. Trata-se do tempo longo para se concluir o procedimento e alcançar a liberação da mercadoria, bem como a inaplicação do seguro como garantia do montante exigido pela fiscalização.

Com efeito, após o fiscal responsável pelo despacho aduaneiro comunicar o despachante sobre a divergência constatada pela Fiscalização, o importador, não concordando com a exigência tributária decorrente, manifesta-se pela lavratura do auto de infração, possibilitando, com isto, apresentar a sua impugnação, com o que estará instaurada a fase litigiosa, condição sine qua non para, simultaneamente à efetivação da garantia, liberar a mercadoria.

Este trâmite, que parece simples e rápido, em realidade é um tormento para os importadores. De início, o fiscal não tem prazo para lavrar o auto de infração, demorando muitos dias na maioria das vezes. Depois de protocolada a impugnação e efetivado o depósito da diferença tributária em disputa, a repartição exige, para a liberação da mercadoria, que o valor depositado (em geral a opção dos importadores, quando a importância é suportável) seja confirmado no Sistema interno da Receita Federal, fato que demanda de 4 a 5 dias. Conclusão, este trâmite todo não é concluído antes de 25 a 35 dias, a contar da comunicação fiscal a respeito da divergência apurada.

O importador não pode contar com este expediente, por demais lento. Além disso, a impossibilidade de utilizar o seguro como garantia, constitui cerceamento do direito de defesa, pois, muitas vezes a diferença tributária é expressiva, inviabilizando o depósito em dinheiro ou a contratação onerosa da fiança bancária.

Dessa forma, se a própria administração pública admite a liberação da mercadoria retida por diferença de tributos incidentes na importação, deveria atualizar esta legislação arcaica de 1976, tornando o expediente ágil, ainda que com imposição de garantia (incluindo o seguro), deixando a Fiscalização em condições de entregar rapidamente o bem ao importador.

Com isto, o dispositivo que vedou a concessão de mandado de segurança para entrega de mercadoria, em litígio com a Fiscalização, se aplicaria a reduzidas hipóteses fáticas, aliviando as tensões criadas, desafogando o judiciário, sem prejuízo do acionamento jurídico das poucas hipóteses que restariam. Nestes casos, fica a expectativa de que os juízes afastem a restrição recriada recentemente, por inequívoca inconstitucionalidade do dispositivo, quando se mostrar clara a violação a direito do importador.

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*Sócio do Mesquita Neto Advogados





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