Concessões de liminares para liberar mercadorias retidas pela Alfândega. Alternativa na área administrativa
Rubens Pellicciari*
A justificativa do Governo, que patrocinou a adoção desta providência junto ao Legislativo, está relacionada ao argumento de que a eventual liberação da mercadoria, antes do trânsito em julgado da querela, pode causar danos irreversíveis ao mercado e à política de controle das importações.
A regra, entretanto, é considerada inconstitucional por esmagadora maioria de juristas, nos casos em que a liberação da mercadoria não está relacionada aos aspectos de falsificação, fraude, contrabando ou descaminho, ou ainda, quando o bem retido oferece inquestionável risco ao consumo.
Alegam os juristas, com razão, que a lesão (ou ameaça à lesão) a direito deve ser levada à apreciação do Poder Judiciário, sem qualquer limitação. O artigo 7º, § 2º da lei 12.016, entretanto, coloca um obstáculo inconstitucional a esta prática processual.
Além disto, o STF já pacificou o entendimento de que "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos" (súmula 323), fato que reforça o coro dos descontentes com a medida legislativa recentemente adotada.
Com efeito, expressiva parcela das retenções está relacionada à exigência de recolhimento de diferença de tributos incidentes na importação, fato vinculado, por exemplo, à divergência de classificação na TEC, ou indicação de valor aduaneiro considerado inadequado pelo agente da Alfândega, ou também à discordância das autoridades quanto ao enquadramento da mercadoria em Ex Tarifário, ou ainda alegado tratamento administrativo indevido, além de outros.
Estes casos, que indubitavelmente concorrem para o congestionamento do Judiciário, não se incluem nas hipóteses de dano irreparável e irreversível para o Governo, caso sejam as mercadorias liberadas imediatamente após a alegação fiscal de infração cometida pelo importador.
O mais estranho nisto tudo é que existe expediente administrativo editado pelo Ministro da Fazenda, que permite a liberação da mercadoria retida, nestas hipóteses acima citadas de disputa com o Fisco por diferença de tributos. Trata-se da Portaria MF 389/76, que determina no seu artigo 1º: "as mercadorias importadas, retidas pela autoridade fiscal da repartição de despacho, exclusivamente em virtude de litígio, poderão ser desembaraçadas, a partir do início da fase litigiosa do processo, (...), mediante depósito em dinheiro, caução de títulos da dívida pública federal ou fiança bancária, no valor do montante exigido".
O figurino é perfeito, operou-se a tipicidade para os casos de exigência de diferença tributária. Ocorre a subsunção do fato à norma.
Acontece que este dispositivo é pouco acionado tendo em vista, principalmente, dois obstáculos de difícil superação. Trata-se do tempo longo para se concluir o procedimento e alcançar a liberação da mercadoria, bem como a inaplicação do seguro como garantia do montante exigido pela fiscalização.
Com efeito, após o fiscal responsável pelo despacho aduaneiro comunicar o despachante sobre a divergência constatada pela Fiscalização, o importador, não concordando com a exigência tributária decorrente, manifesta-se pela lavratura do auto de infração, possibilitando, com isto, apresentar a sua impugnação, com o que estará instaurada a fase litigiosa, condição sine qua non para, simultaneamente à efetivação da garantia, liberar a mercadoria.
Este trâmite, que parece simples e rápido, em realidade é um tormento para os importadores. De início, o fiscal não tem prazo para lavrar o auto de infração, demorando muitos dias na maioria das vezes. Depois de protocolada a impugnação e efetivado o depósito da diferença tributária em disputa, a repartição exige, para a liberação da mercadoria, que o valor depositado (em geral a opção dos importadores, quando a importância é suportável) seja confirmado no Sistema interno da Receita Federal, fato que demanda de 4 a 5 dias. Conclusão, este trâmite todo não é concluído antes de 25 a 35 dias, a contar da comunicação fiscal a respeito da divergência apurada.
O importador não pode contar com este expediente, por demais lento. Além disso, a impossibilidade de utilizar o seguro como garantia, constitui cerceamento do direito de defesa, pois, muitas vezes a diferença tributária é expressiva, inviabilizando o depósito em dinheiro ou a contratação onerosa da fiança bancária.
Dessa forma, se a própria administração pública admite a liberação da mercadoria retida por diferença de tributos incidentes na importação, deveria atualizar esta legislação arcaica de 1976, tornando o expediente ágil, ainda que com imposição de garantia (incluindo o seguro), deixando a Fiscalização em condições de entregar rapidamente o bem ao importador.
Com isto, o dispositivo que vedou a concessão de mandado de segurança para entrega de mercadoria, em litígio com a Fiscalização, se aplicaria a reduzidas hipóteses fáticas, aliviando as tensões criadas, desafogando o judiciário, sem prejuízo do acionamento jurídico das poucas hipóteses que restariam. Nestes casos, fica a expectativa de que os juízes afastem a restrição recriada recentemente, por inequívoca inconstitucionalidade do dispositivo, quando se mostrar clara a violação a direito do importador.
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*Sócio do Mesquita Neto Advogados
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