Visita indigesta
Maristela Basso*
Outra justificativa seria o incremento do comércio entre os dois países, haja vista que, nos últimos anos, o comércio Brasil-Irã aumentou. Dados de 2008 revelam que o Brasil exportou para o Irã (US$ FOB) 1.133.379,111 e importou (US$ FOB) 14.782.915, especialmente frutas, peles e tapetes. O saldo corrente de comércio a favor do Brasil, naquele mesmo ano, foi de (US$ FOB) 1.148.162.026. Como se vê, o resultado nos é favorável e os ventos, com ou sem a visita de Ahmadinejad, sopram em favor do Brasil.
O comércio petroquímico tem sido fundamental na recente agenda comercial dos dois países. O Brasil já exporta para o Irã gorduras, óleos e ceras animais e vegetais, veículos motores, cereais, açucares e produtos de confeitaria e minérios. Além desses produtos, os empresários brasileiros pretendem exportar etanol, aviões e crédito (dinheiro), na tentativa de ajudar os Aiatolás a sobrevir às sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos. Contudo, para esquentar essas discussões não era necessária a vinda de Ahmadinejad, porque em dezembro próximo desembarca aqui uma delegação comercial iraniana com os mesmos propósitos.
O Irã possui cerca de 70 milhões de habitantes, produz petróleo em abundância e juntamente com a Venezuela e demais países membros da OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo controlam 75% das reservas do mundo. Contudo, o petróleo vem, historicamente, perdendo forças e com ele a OPEP, frente às energias limpas.
A terceira e última razão para a visita do Presidente do Irã é estender-lhe a mão firme em apóio à sua penetração na América Latina.
Desde a primeira eleição de Ahmadinejad, em 2005, o foco da política externa do Irã mudou da África para a América Latina. Tem sido impressionante a invasão política e econômica iraniana no continente em um curto espaço de tempo – de dois ou três anos. E isto porque, se os Estados Unidos isolam o Irã política e economicamente, Teerã responde agressivamente no quintal dos EUA, fazendo alianças com governos contrários à política de Washington e desestabilizando seus aliados.
A América Latina passa a ser usada, e ingenuamente deixa-se manipular, pelo Irã em sua política de conter as pressões americanas e européias para que cessem suas experiências nucleares. Tanto isto é verdade que Venezuela e Cuba (ao lado da Síria) foram os únicos países do continente que apoiaram o programa nuclear iraniano durante importante votação, em 2006, na Agência Internacional de Energia Atômica da Organização das Nações Unidas.
Depois disto, sabe-se que Ahmadinejad fez várias viagens "diplomáticas" à América Latina buscando alianças com os "países (ditos) revolucionários". Visitou e fez acordos comerciais e militares com Venezuela (seu padrinho na região), Nicarágua, Equador e Bolívia. Ahmadinejad foi anfitrião, em inúmeras oportunidades, de Chavez, Ortega, Correa e Morales no Irã. Se não bastasse, já abriu embaixadas no Chile, Colômbia, Equador, Nicarágua e um escritório comercial na Bolívia. Com todos eles celebrou tratados que ainda não cumpriu.
Em absoluto retrocesso de muitas décadas, pelo menos àquelas nas quais reinavam os conflitos ideológicos, e solapando todas as conquistas de consolidação da paz, Ahmadinejad e Chavez declararam o que eles chamam de "Eixo de União" contra os Estados Unidos. Bilhões de dólares migraram do Irã para pseudos projetos sociais (que ninguém viu ou participou) na América Latina e para a criação do bloco antiamericano com Venezuela, Bolívia e Nicarágua. Chavez já declarou o "fim ao imperialismo" e tem defendido que "uma nova ordem se levantaria de suas cinzas".
O novo G2, criado pelo grupo Irã-Venezuela, dá medo. Eles ameaçam "chegar a grandes conquistas", inclusive com a criação de um banco binacional capaz de substituir o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
Enquanto toda essa movimentação acontecia acima de nossas cabeças, e envolvia personagens que não nos dizem respeito, era possível não pensar nos riscos e custos de tamanha bravata. Mas quando o Brasil entra em cena e nosso Presidente recebe Ahmadinejad com honras de chefe de Estado, não é possível que nos conformemos e aceitemos as respostas acima.
Por que receber um governante que se mantém no poder fraudando acintosamente as eleições? Por que receber um homem que submete seu povo a um dos regimes mais totalitários e despóticos da atualidade? Que tipo de agenda de discussões o Lula pode ter com um governante que faz valer seu poder sobre seu povo por meio do uso da força de uma "Guarda Revolucionária"? Que patrocina o Hamas e o Hezbollah? Que defende a extinção do Estado Judeu e nega o mais elementar dos princípios de direito internacional que é o da “autodeterminação dos povos”? Por que Receber um governante que nos ameaça a todos e torna o mundo ainda mais inseguro?
Eu quero dizer, Senhor Presidente, que nos brasileiros estamos perplexos, desapontados e desorientados. Nosso timoneiro abre os braços a um igual seu, chefe de outro Estado, que tem planos nucleares e acalenta sonhos de destruição de países amigos. Nós brasileiros, gente de bem, não entendemos as razões desta visita. Estamos envergonhados perante as nações amigas e constrangidos perante nossos irmãos judeus.
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*Advogada. Professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP
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