Despedida "em massa" e negociação coletiva
Norton Augusto da Silva Leite*
Cortes estes que, em grande parte, significaram os "cortes" de alguns postos de trabalho. Um caso de dispensa significativa de empregados que ficou conhecido nacionalmente foi o de uma empresa, que em fevereiro deste ano (2009), demitiu mais de quatro mil empregados, número equivalente a aproximadamente 20% do efetivo que a empresa possuía.
No caso em comento, o Sindicato da categoria, ajuizou Dissídio Coletivo onde reivindicou prévia da negociação coletiva com o fim de possibilitar o debate acerca da utilização de medidas alternativas às demissões
Após a decisão, em primeiro grau (TRT – competência originária), o TST, pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST, entendeu, basicamente, como legítimas, as demissões ocorridas, no entanto, trouxe consigo a perigosa e polêmica premissa de que "a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores".
Neste ponto, cumpre esclarecer que, quanto ao tema, já havia entendimentos anteriores e isolados de alguns Tribunais Regionais, no sentido da exigência da negociação coletiva prévia para "dispensas coletivas", no entanto, após a decisão do caso em comento, por ser uma decisão de um Tribunal Superior, é que a exigência requer análise e consideração.
No entanto, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos não fixou o conceito do que vem a ser "dispensa em massa".
Neste sentido, pergunta-se:
"_ Poderia ser considerada dispensa em massa a demissão de 10 empregados em uma empresa com efetivo de 100 empregados, já que esses demitidos representariam 10% do efetivo total?"
"_ E em uma empresa com 10 empregados? A dispensa de 1 empregado, o equivalente a 10% do efetivo total, para ser efetivada, deveria ser negociada anteriormente com a entidade sindical?"
Neste mesmo caso a dispensa de 2 empregados, equivalente a 20% do efetivo, poderia ser entendida como dispensa coletiva, "em massa"?
Analisando-se a legislação, verifica-se que, a priori, não há a obrigatoriedade das empresas seguirem as Súmulas, Orientações Jurisprudenciais e muito menos exigências fixadas pelos E. Tribunais. Também analisando friamente a questão, a Convenção 158 da OIT - clique aqui, (aquela que veda a chamada "dispensa arbitrária") não é aplicável ao Ordenamento Jurídico Brasileiro. Aliás, em tese, entendimento contrário feriria direta e literalmente o disposto no inciso II do art. 5º da CF/88 (clique aqui), que dispõe que: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Ademais o empregador tem o direito de admitir e demitir empregados sem precisar dar os motivos, já que a CLT (clique aqui) traz uma série de direitos trabalhistas rescisórios a serem satisfeitos pelo empregador que não motivar a rescisão, tais como: aviso prévio e multa de 40% do FGTS, por exemplo.
Contudo, a jurisprudência, tem entendido pela necessidade da negociação coletiva quando se tratar de dispensa "em massa", mesmo sem definir o que seria a atualmente "famigerada" dispensa "em massa".
Mesmo antes da decisão citada a Desembargadora, Dra. Ivani Contini Bramante, do TRT da 2ª região - fazendo uma comparação entre a demissão individual e a coletiva, destacava:
"No ordenamento jurídico nacional a despedida individual é regida pelo Direito Individual do Trabalho, e, assim, comporta a denúncia vazia, ou seja, a empresa não está obrigada a motivar e justificar a dispensa, basta dispensar, homologar a rescisão e pagar as verbas rescisórias. Quanto à despedida coletiva é fato coletivo regido por princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, material e processual. Portanto, deve ser tratada e julgada de acordo com os princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho (...) O direito do trabalho vem vocacionado por normas de ordem pública relativa com regras de procedimentalização. Assim, a despedida coletiva não é proibida, mas está sujeita ao procedimento de negociação coletiva. Portanto, a dispensa coletiva deve ser justificada, apoiada em motivos comprovados, de natureza técnica e econômicos e, ainda, deve ser bilateral, precedida de negociação coletiva com o Sindicato, mediante adoção de critérios objetivos (...) Os fatos apurados nos autos revelam que os atos praticados pela empresa são ofensivos aos valores, princípios e regras constitucionais e legais, eis que descompromissados com a democracia na relação trabalho-capital, com os valores humanos fundamentais e com função social da empresa (...)". (Dissídio Coletivo de Greve 20281200800002001)
A decisão supra mencionada foi acolhida por unanimidade e, consequentemente, diante dos argumentos, foi declarada nula a demissão "em massa", ante à inobservância do procedimento de negociação coletiva.
Em suma, no caso, os Tribunais têm entendido que as dispensas coletivas são regidas pelo Direito Coletivo do Trabalho, que contém normas de ordem pública, na exata medida em que se refere a direitos que extravasam a esfera meramente individual, ou seja, interesses coletivos e difusos, já que atingem simultaneamente grupos de empregados e, de certa forma, de forma indireta, toda a sociedade.
Considerando então o entendimento jurisprudencial, pode-se dizer que, com tal premissa, além da questão já posta, referente à definição do que seria dispensa "em massa", surge outra pergunta que gera ainda mais insegurança jurídica aos empresários:
"_ Considerando-se a indisponibilidade do Direito do Trabalho, bem como considerando que a negociação coletiva visa precipuamente a "melhoria das condições de trabalho", qual seria a legitimidade dos sindicatos para negociar demissões, já que a demissão não pode significar a "melhoria em qualquer condição"?
Ou seja, a premissa firmada pelo TST recentemente, e que já vinha sendo adotada por alguns Tribunais Regionais, gerou grande insegurança jurídica, pois, na prática, a premissa em comento gera um verdadeiro entrave no exercício do poder potestativo/diretivo do empregador e, também gera o questionamento de até que ponto a entidade sindical poderia negociar demissões.
Ademais, é de se ressaltar que é necessário estar preparado para conversar ou negociar com as entidades sindicais. Desta forma, é recomendável que:
a) antes de qualquer possibilidade de demissão, a empresa conte com uma assessoria/consultoria que estude, em conjunto com ela, as possibilidades para a não ocorrência da demissão, tais como, negociação coletiva para redução da jornada, banco de horas, redução salarial, dentre outras opções;
b) caso não haja possibilidade alguma de manter os empregados e a empresa pretenda diminuir o efetivo "em massa", poderiam ser negociados "pacotes de benefícios" a serem aplicados aos demitidos ou outras espécies de acordo.
Portanto, um meio de diminuir ou até acabar com a insegurança jurídica causada pelas decisões do TST, seria a definição legal, do que viria a ser considerada demissão "em massa". No entanto, enquanto isso não ocorre, é recomendável que as empresas, antes de tomarem quaisquer decisões que envolvam o assunto "crise econômica" e/ou "demissão", se preparem para resolver o problema da melhor forma possível, evitando-se assim o risco da anulação das eventuais demissões em juízo e outras questões afetas ao contrato de trabalho e sua rescisão.
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*Sócio do escritório Piazzeta e Boeira Advocacia Empresarial
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