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Energia elétrica, ICMS e o princípio da seletividade

Os avanços tecnológicos dos últimos séculos se mostraram de extrema importância para a sociedade moderna. Nos tempos atuais não há quem questione a importância da energia elétrica nos diversos setores da sociedade. Impossível imaginar a sociedade contemporânea sem a força motriz da energia elétrica. Difícil entender, nesse contexto, o porquê de um bem tão essencial ao cotidiano de todas as pessoas possuir a alíquota de ICMS similar à de cigarros, bebidas alcoólicas, jóias e outros tantos supérfluos.

5/11/2009


Energia elétrica, ICMS e o princípio da seletividade

Maurício Neumann*

Os avanços tecnológicos dos últimos séculos se mostraram de extrema importância para a sociedade moderna. Nos tempos atuais não há quem questione a importância da energia elétrica nos diversos setores da sociedade. Impossível imaginar a sociedade contemporânea sem a força motriz da energia elétrica. Difícil entender, nesse contexto, o porquê de um bem tão essencial ao cotidiano de todas as pessoas possuir a alíquota de ICMS similar à de cigarros, bebidas alcoólicas, joias e outros tantos supérfluos.

A Constituição Federal assegurou ao ICMS a aplicação do princípio da seletividade, facultando ao legislador infraconstitucional aplicar alíquotas diferenciadas de acordo com a imprescindibilidade das mercadorias à maioria da população. Ou seja, quanto maior a vinculação instrumental do bem à satisfação de direitos fundamentais – alimentação, moradia, tratamento médico, vestuário – das classes mais numerosas da população, tanto menores devem ser as alíquotas que incidem nessas mercadorias1. Portanto, o legislador constitucional no artigo 155, §2º, inciso III, reservou ao legislador estadual a faculdade de aplicar o princípio da seletividade, que se verifica diante da dificuldade em se aplicar o principio da capacidade contributiva àquelas mercadorias que circulam aos milhões e seu consumo é essencial para todas as classes e setores da sociedade.

Pois bem, diante essa norma programática prevista na Constituição Federal, o legislador do Estado da Bahia, ao promulgar a lei 7.014/96 (instituidora do ICMS) estabeleceu, dentro do seu campo de discricionariedade, no artigo 2º, §3º, que o ICMS devido nesse Estado será seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. Previu, ainda, para efeitos de aplicação do ICMS que energia elétrica enquadra-se no conceito de mercadoria, artigo 2º, §2º, assim como, o §4º, do artigo 1º do Decreto 6.284/97, que regulamenta o ICMS.

Após exercer o poder discricionário conferido pela Constituição, adotando o principio da seletividade para a incidência do ICMS, o legislador do Estado da Bahia graduou as alíquotas incidentes nas mercadorias e serviços, conforme seu entendimento, no que seria imprescindível ou não a todos. Nesse diapasão, a energia elétrica foi graduada a uma alíquota de 25% (vinte e cinco por cento) no artigo 16, inciso II, alínea “i” do dito diploma legal, da mesma forma que o cigarro, as bebidas alcoólicas, as joias e tantas outras mercadorias nitidamente supérfluas.

Alguns contribuintes (de fato) desse imposto se insurgiram contra a exação no Estado do Rio de Janeiro. Ali se instituíra o tributo com a mesma alíquota máxima sobre a energia elétrica, na mesma linha do Estado da Bahia. Os contribuintes do Rio de Janeiro ingressaram no Judiciário requerendo a redução da alíquota, tendo em vista a aplicação do principio da seletividade à energia elétrica, e obtiveram êxito2. Ora, a mesma situação pode ser perfeitamente transportada para o Estado da Bahia, pois não há como se conceber a aplicação de uma alíquota tão elevada e, pior, semelhante à graduada para cigarro, bebidas alcoólicas, joias, perfumes e muitas outras mercadorias nada essenciais.

Diante essa nova interpretação jurisprudencial é que se espera a correta aplicação dos princípios da seletividade e da essencialidade, promovendo uma graduação fidedigna à imprescindibilidade de algumas mercadorias, tomado como exemplo a energia elétrica. Tal graduação há de ser aplicada de forma condizente com a realidade e sem absurdos, tais como aplicar a mesma alíquota para a energia elétrica e mercadorias supérfluas e suntuosas. Ademais, figura-se ainda mais importante a correta interpretação e aplicação desse princípio tendo em vista que o consumo de energia elétrica tem por corolário a efetivação da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito (Constituição Federal, artigo 1º, inciso III). A energia elétrica é indispensável no cotidiano das pessoas, no seu trabalho e na sua residência, sendo impossível compreender-se alguma existência digna sem o acesso a tal bem a preços módicos.

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1 Conforme leciona Hugo de Brito Machado: "dizer-se que um imposto é seletivo é apenas dizer que ele incide de forma diferente sobre os objetos tributados. A razão dessa incidência diferenciada é o que denominamos critério da seletividade". O mesmo Hugo de Brito, agora citando Hugo de Brito Machado Segundo, afirma que "o caráter facultativo diz respeito apenas à seletividade, e não ao critério desta, se adotada". E mais, "na verdade o ICMS poderá ser seletivo. Se o for, porém, essa seletividade deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços, e não de acordo com critérios outros, principalmente se inteiramente contrários ao preconizado pela Constituição. Em outros termos, a Constituição facultou aos Estados a criação de um imposto proporcional, que representaria ônus de percentual idêntico para todos os produtos e serviços por ele alcançados, ou a criação desse mesmo imposto com caráter seletivo, opção que, se adotada, deverá guiar-se obrigatoriamente pela essencialidade dos produtos e serviços tributados. A seletividade é facultativa. O critério da seletividade é obrigatório" (Hugo de Brito Machado, Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988, 4ª edição, Dialética, São Paulo, 2001, p. 113).

2 Nesse sentido o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro declarou, em sede de arguição de inconstitucionalidade (nos 2005.017.00027 e 2008.017.00021) a inaplicabilidade do artigo 14, inciso VI, item 2 do Decreto Estadual 27.427/00 e artigo 14, inciso VI, alínea “b” da Lei nº 2.657/96, respectivamente, os quais fixavam a alíquota do ICMS em 25% (vinte e cinco por cento) no Estado do Rio de Janeiro. Ademais, diversos outros julgados já vêm reconhecendo a inaplicabilidade desse artigo.

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*Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados









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