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O futuro na mão dos onze

Nas últimas semanas, um tema debatido no Supremo Tribunal Federal teve uma enorme repercussão no mundo jurídico.

28/1/2005

O futuro na mão dos onze


Carlos Miguel Castex Aidar*

Robertho Sebastião Peternelli Neto*

Um tema debatido no Supremo Tribunal Federal teve uma enorme repercussão no mundo jurídico. Trata-se este de um episódio que envolve os fetos anencéfalos. Neste estão implícitas garantias ligadas aos Direitos Humanos Fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana, a legalidade, liberdade, ou mesmo a autonomia da vontade. Entra em discussão a capacidade de uma pessoa poder escolher se deve ou não deixar que uma vida, mesmo sem futuro prolongado, seja gerada.

A anencefalia é uma doença que afeta os bebês ainda em sua formação, ocasionando a falta ou a existência de apenas pequenos vestígios do cérebro. Segundo a Confederação Nacional de Trabalhadores na Saúde, a anencefalia é fatal em 100% dos casos e o feto nasce morto ou tem apenas alguns minutos de vida. E é exatamente sobre o direito da mãe poder escolher o futuro do filho anencéfalo que está baseada esta controvérsia que tanto nos faz pensar sobre o direito de viver. Vale mais diminuir o sofrimento da gestante ou obrigá-la a gerar alguém onde não há nada que se possa fazer para o seu salvamento?

Um advogado viu feridos os direitos individuais acima mencionados e resolveu ingressar em Juízo, defendendo os interesses de Gabriela de Oliveira Cordeiro. O caso aconteceu em Teresópolis – RJ, e, percorrendo todas as possíveis formas de recurso, tais como TJRJ e STJ, obteve decisões divergentes, culminando com a instigação do Supremo Tribunal Federal (HC 84.025-6/RJ). Porém, antes que a ação fosse julgada, a gravidez chegou a seu fim e apenas sete minutos após o parto, a criança veio a falecer, confirmando o já esperado laudo médico.

Parecia que tinha terminado mais um caso com o pedido de poder realizar a antecipação do parto, ou simplesmente o aborto, mas toda esta discussão veio à baila quando outro advogado (Luis Roberto Barroso), decidiu propor uma ação em que nunca antes se havia testado integralmente suas potencialidades. Esta é a ADPF, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. O direito de propô-la é muito limitado e está elencado no artigo 103 da Constituição Federal, sendo os possíveis autores, basicamente, entidades ou órgãos políticos ou estatais. E após serem pesquisadas as mais diversas partes que eram consideradas legítimas, foi escolhida a CNTS, supra mencionada.

Protocolada no dia 17 de junho e identificada como ADPF 54. O pedido principal requeria fossem declarados ilegais os artigos 124, 126, caput, e 128, incisos I e II do Código Penal, os quais tipificam o aborto como sendo crime, não devendo, por conseguinte, os mesmos serem aplicados, nos casos que envolvem fetos anencéfalos, nem aos médicos ou profissionais que antecipam o aborto, nem à própria gestante. Possuía uma forte argumentação baseada na violação das liberdades fundamentais, tais como a interferência na dignidade da pessoa da mãe, direito de liberdade da gestante e o direito à saúde desta última, que era obrigada a levar até as últimas conseqüências um nascimento inviável, gerando angústia, dor e frustração.

Eis que para a felicidade dos autores da ADPF, bem como de todos os terceiros envolvidos com a autoria, o Ilustre Ministro Marco Aurélio decidiu liminarmente dar procedência ao pedido, alegando em sua decisão interlocutória, que, levar uma gestação desta a termo, poderia resultar “em violência às vertentes da dignidade humana – a física, a moral e a psicológica – e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade”.

Com esta decisão liminar, o que mudou consideravelmente foi que, tanto os médicos quanto as gestantes que realizaram o aborto não responderiam a processo criminal e estariam suspensos todos os processos contra quem realizou este tipo de antecipação do parto. O que foi preliminarmente decidido, foi posteriormente revogado. O STF cassou por 7 (sete) votos a 4 (quatro) a decisão do relator deste Habeas Corpus impetrado pela CNTS. Segundo o endereço eletrônico do STF, a decisão colegiada referendou, por maioria, a primeira parte da liminar concedida (sobrestamento de feitos) e revogou a segunda (direito ao aborto).

Agora, mister se faz saber a definição de morte para a mais pura das acepções jurídicas. Esta consiste na cessação da vida de uma pessoa e acontece quando são terminadas as funções cerebrais, ou em outras palavras, quando o cérebro deixa de responder ao corpo. E é neste exato momento que é posto termo à capacidade jurídica da pessoa, quando ela mesma não pode responder por si própria. Agora, a pergunta que não quer calar: se um feto anencéfalo não tem funções cerebrais, não pode este ser considerado morto, mesmo vindo a desempenhar as demais funções do corpo humano? E, se a resposta acima for afirmativa, não podemos deixar que a pessoa responsável por este ser humano decida sobre o seu futuro? As mães, mais do que ninguém, sabem o que vem a ser o fato de gerar um filho. E, sendo este filho considerado alguém sem vida, a mãe deve ter o direito de optar sobre se deve levar a gestação até o fim ou se deve por termo à mesma.

O que devemos ter em mente é que nada está consolidado. Apenas uma liminar foi cassada. O mérito será julgado em breve e caberá aos nossos Ilustres Ministros, com todo o saber jurídico que possuem, sentenciar esta questão que leva a tantas opiniões diferentes. Temos do lado a favor da procedência da ação os médicos e gestantes que devem conviver com tão doloroso acontecimento e de outro, totalmente oposto, a Igreja, com todos os seus argumentos de que o único que pode ou não escolher entre a vida e a morte é Deus, acompanhada por um grande jurista da atualidade, tal como é o Dr. Ives Gandra, que em sua coluna do Jornal da Tarde, redigiu um artigo a favor de levar esta criança à sua concepção, valorizando assim, a vida, ou mesmo o Dr. Cláudio Fonteles, Procurador-Geral da Republica.

Não sabemos o que está por vir, e dificilmente a população pode influenciar na decisão que os Ministros iram tomar. Sabemos, através do conhecimento de Afonso Arinos de Mello Franco, que “sem respeito à pessoa humana não há justiça e sem justiça não há direito”, e resta-nos esperar que seja alcançado o bem jurídico máximo, a Justiça!
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*Advogados do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais









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