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Contratos bancários

Tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana, na qual é assegurado ao trabalhador o recebimento de salário proveniente do seu esforço e manutenção da sua subsistência e da sua família, gostaríamos de indagar: o que justifica a prática habitual e lesiva das instituições financeiras em reter a integralidade do saldo depositado em conta do correntista, para pagamento de créditos rotativos, empréstimos ou limite de cheque especial?

21/10/2009


Contratos bancários

A retenção de salário para pagamento de empréstimo e limite de cheque especial

Janaína Rosa Guimarães*

Tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana, na qual é assegurado ao trabalhador o recebimento de salário proveniente do seu esforço e manutenção da sua subsistência e da sua família, gostaríamos de indagar: o que justifica a prática habitual e lesiva das instituições financeiras em reter a integralidade do saldo depositado em conta do correntista, para pagamento de créditos rotativos, empréstimos ou limite de cheque especial?

Nos termos do inciso IV do artigo 649 do CPC (clique aqui), são absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal.

A própria CF (clique aqui), em seu artigo 7º, inciso X, garante a proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa.

Pois bem, em decisão proferida na Apelação Cível 2008.01.1.027163-5, publicada no Diário da Justiça da União em 4 de junho de 2009, sob a relatoria de Leila Arlanch, a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal entendeu que o cancelamento de cheque especial e consequente retenção de verbas salariais para quitação do débito são medidas legítimas, eis que configuram exercício regular do direito do banco.

Não obstante a farta jurisprudência, em especial pelos acórdãos proferidos pelo STJ no tocante a ilegalidade de tal prática, vemos que algumas decisões proferidas por alguns tribunais estaduais vem referendando práticas comuns celebradas por instituições bancárias, abrindo assim precedentes e discussões.

Em linhas gerais, com o objetivo de justificar a retenção de qualquer crédito existente em conta-corrente, os bancos alegam que quando efetivado o depósito, tal verba deixa de ser caracterizada como salário, sendo, portanto, suscetível de ser utilizada para pagamento de dívidas.

Neste sentido, pinçamos os seguintes julgados:

DIREITO CONSUMERISTA – DANOS MORAIS – CANCELAMENTO DE CHEQUE ESPECIAL - RESTITUIÇÃO DE PROVENTOS DEPOSITADOS EM CONTA CORRENTE – IMPOSSIBILIDADE – EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. (...) Demonstrado que os fatos que ensejaram a ação decorrem de relação de consumo, porquanto o banco recorrido é fornecedor de produtos e serviços dos quais se utilizou a autora como destinatária final, devem ser observadas as normas do sistema de proteção e defesa ao consumidor. No caso vertente, o acervo probatório coligido evidencia que a autora firmou contrato de conta corrente com cheque especial e que, em razão de diversas restrições cadastrais (CCF/Bacen e SERASA), teve o limite de seu cheque especial cancelado, sendo que a autora estava ciente da iminência da suspensão do seu limite de crédito. Dessa forma, não se verifica qualquer ilicitude na conduta do banco, que não está obrigado a manter linha de crédito para os clientes cujas restrições cadastrais não recomendam a contratação. No que tange a retenção dos salários depositados nas contas correntes, desde que o referido procedimento esteja autorizado por meio do contrato não há irregularidade. (...) Desta feita, havendo vultosa dívida contraída pela autora a ser paga, não há falar em ilegalidade cometida pelo banco em efetuar os descontos dos créditos lançados em sua conta corrente para a quitação dos débitos. Ausente a conduta ilícita, não há que se falar em reparação de dano extrapatrimonial. (TJ/DF - Ap. Cív. 2008.01.1.027163-5 - Relª Leila Arlanch – Publ. em 4/6/2009).

DESCONTO DE DÉBITO EM CONTA CORRENTE - USO DE CHEQUE ESPECIAL - RETENÇÃO DE SALÁRIO DEPOSITADO - AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO CORRENTISTA – LEGALIDADE - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DOS DESCONTOS. Se o correntista autorizou o banco a debitar em sua conta corrente os débitos decorrentes do uso do cheque especial, não procede a alegação de que a instituição financeira cometeu ilegalidade ao reter salário que foi depositado em sua conta corrente, para quitação dos débitos. Em face da autorização expressa pelo correntista no contrato entabulado, o banco não ofendeu o inciso X do artigo 7º da Constituição Federal, que garante a proteção ao salário, nem violou o inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil, que trata da impenhorabilidade do salário. Correta, assim, a sentença que julgou improcedente o pedido de suspensão dos descontos formulado pelo correntista ao entendimento de que o banco não praticou qualquer conduta ilícita, reconhecendo que o correntista encontrava-se inadimplente com relação aos débitos decorrentes do uso do cheque especial. (...) (TJ/DF – Ap. Civ. 2001.01.1.124778-8 – Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati – Publ. em 10/10/2006)

RETENÇÃO DE VERBA SALARIAL EM CONTA DE LIVRE MOVIMENTAÇÃO - AMORTIZAÇÃO DE DÉBITO DE CHEQUES ESPECIAL E CRÉDITO ROTATIVO - CLÁUSULA CONTRATUAL AUTORIZATIVA - ILICITUDE NÃO CONFIGURADA. A amortização de saldo devedor decorrente de cheque especial e crédito rotativo, previamente contratada, mediante débito em conta corrente de livre movimentação, onde, além de outros depósitos, são efetuados créditos de verba salarial, não se equipara à penhora de bens, que é ato judicial. (...) (TJ/MG – AI 1.0194.08.084069-8/002 – Rel. Des. Antônio de Pádua – Publ. em 3/3/2009)

RETENÇÃO DE VERBA SALARIAL EM CONTA DE LIVRE MOVIMENTAÇÃO - AMORTIZAÇÃO DE DÉBITO DECORRENTE DE CHEQUE ESPECIAL E CRÉDITO ROTATIVO - CLÁUSULA CONTRATUAL AUTORIZATIVA - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE ILICITUDE. A amortização de saldo devedor decorrente de cheque especial e crédito rotativo, previamente contratada, mediante débito em conta corrente de livre movimentação, onde, além de outros depósitos, são efetuados créditos de verba salarial, desde que autorizada expressamente pelo contratante, não constitui ato ilegal, sendo perfeitamente lícita. Não é lícito ao contratante que usufruiu habitualmente do limite de crédito rotativo colocado à sua disposição pelo Banco do qual é correntista, e que anuiu expressamente no contrato de abertura de crédito rotativo com a amortização dos valores devidos através de débito em conta tentar se esquivar do pagamento do seu débito ao argumento de que os valores constantes da sua conta constituem verba salarial e portanto não podem ser retidos para o pagamento da dívida, devendo ser mantida in totum a sentença recorrida. (TJ/MG – AP. Civ. 1.0479.05.092298-4/005 – Rel. Des. Viçoso Rodrigues – Publ. em 21/9/2006)

BANCO - CRÉDITO E CONTA CORRENTE – MOVIMENTAÇÃO – SALÁRIOS - AMORTIZAÇÃO DE DÉBITO – ILICITUDE. Os salários uma vez depositados em conta corrente passam a constituir crédito em favor do correntista perdendo o caráter de alimentos e, portanto, nada impede que na movimentação sejam usados para compensar débitos, notadamente quando assim pactuado de forma expressa. (TJ/PR – Ap. Civ. 93913-1 - Acórdão COAD 99032 – Rel. Des. Cordeiro Cleve – Julg. em 18/4/2001)

Sem delongas, respeitando as opiniões divergentes, temos que comete ato ilícito a instituição financeira que, sem autorização, bloqueia a totalidade dos rendimentos mensais do correntista para pagamento de dívida. Nestes termos, o ato ilícito em questão poderá ser apto a gerar indenização por danos morais, tendo em vista que o correntista/consumidor poderá ser injustamente privado do seu único meio de subsistência, sendo impossibilitado de suprir as suas necessidades básicas e as de sua família, como moradia, alimentação e saúde.

Sendo o salário indispensável para a manutenção da família, temos ainda que é abusiva cláusula em contrato de abertura de crédito em conta corrente que permite sua retenção para amortização da dívida decorrente do uso do saldo devedor. Assim, mesmo com cláusula contratual permissiva, a apropriação do salário do correntista pelo banco-credor para pagamento de cheque especial e de empréstimos é ilícita, pois viola os artigos 1º, inciso III, e 7º, inciso X, da CF, o artigo 51, inciso IV, do CDC (clique aqui), bem como o artigo 649, inciso IV, do CPC.

Quanto a ilegalidade, o STJ já firmou entendimento. Em decisão proferida no REsp 831.774 (clique aqui), o ministro Humberto Gomes de Barros ponderou a ilicitude da ação do banco que, ao valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito pelo empregador, retém o pagamento para cobrir saldo devedor de conta-corrente. Tal medida, como bem destaca o julgado, mostra o exercício arbitrário das próprias razões, eis que os bancos devem se valer das medidas legais cabíveis para recebimento dos créditos.

Se nem mesmo ao Judiciário é lícito o bloqueio de salários, seria a instituição financeira autorizada a fazê-lo? Pelo que observamos da maioria dos julgados analisados, temos que a resposta é negativa.

Vejamos o que dispõe o STJ sobre o tema:

BANCO - RETENÇÃO DE SALÁRIO PARA COBRIR SALDO DEVEDOR – IMPOSSIBILIDADE. Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo. (STJ - REsp. 831.774/RS – Acórdão COAD 123590 - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – Publ. em 29/10/2007)

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - RETENÇÃO DE SALÁRIO PARA PAGAMENTO DE CHEQUE ESPECIAL VENCIDO – ILICITUDE. Mesmo com cláusula contratual permissiva, a apropriação do salário do correntista pelo banco credor para pagamento de cheque especial é ilícita e dá margem a reparação por dano moral. (STJ - REsp. 507.044/AC - clique aqui – Acórdão COAD 110353 - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - Publ. em 3/5/2004)

Do TJ/MG, temos os seguintes julgados:

CONTA SALÁRIO - CANCELAMENTO DE CONTRATO DE CHEQUE ESPECIAL - UTILIZAÇÃO DO SALÁRIO DO CORRENTISTA PELO BANCO PARA QUITAÇÃO DE DÉBITO EM BENEFÍCIO PRÓPRIO - IMPOSSIBILIDADE - AFRONTA À PROTEÇÃO SALARIAL PREVISTA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO - RESTITUIÇÃO DE VALORES QUE SE IMPÕE. O salário se constitui em verba intocável. À entidade bancária não é dado o direito de realizar qualquer débito na conta-salário do correntista, ainda que por decorrência do cancelamento do contrato de cheque especial, por se constituir em ato praticado pelo credor e em seu próprio benefício, como forma de saldar seus créditos sem o devido processo legal. Tendo se apossado de toda a verba salarial do correntista, impõe-se a condenação da entidade bancária em danos morais e restituição dos valores anteriormente apropriados. (TJ/MG – Ap. Civ. 1.0024.08.195640-1/001 – Rel. Des. Luiz Carlos Gomes da Mata – Publ. em 16/6/2009)

CONTRATO BANCÁRIO - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL - SALÁRIO - DÉBITO EM CONTA CORRENTE PARA PAGAMENTO DE EMPRÉSTIMO. (...) A cláusula contratual que autoriza o banco a se apropriar de dinheiro de salário, mediante débito em conta corrente, em pagamento de empréstimo contraído pelo correntista, viola o princípio da impenhorabilidade absoluta dos recursos oriundos do trabalho, aplicável a qualquer espécie de expropriação. (TJ/MG – Ap. Civ. 1.0024.07.459604-0/005 – Rel. Des. Fábio Maia Viani – Publ. em 17/3/2009)

DÉBITO EM CONTA CORRENTE PROVENIENTE DE SALÁRIO - IMPOSSIBILIDADE - ART. 7º, X, CF/88 C/C ART 649, IV, CPC - SOMENTE POSSÍVEL MEDIANTE AUTORIZAÇÃO DO CLIENTE - MULTA PELO DESCUMPRIMENTO. Autoriza o art. 7º, inciso X da CF, a proteção ao salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa. Determina o art. 649, inciso IV do CPC, a impenhorabilidade do salário, salvo para pagamento de prestação alimentícia. Sendo o salário impenhorável, só se considera lícito o débito em conta salário, se o banco for autorizado pelo cliente. (TJ/MG – AI 1.0377.07.009713-6/001 – Rel. Des. Nicolau Masselli – Publ. em 15/11/2007)

REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS - CHEQUE ESPECIAL - MUTUÁRIO EM MORA - BLOQUEIO DE SALÁRIO. Consoante a proibição contida no art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, é absolutamente impenhorável toda verba decorrente da relação de emprego, seja aquela paga regularmente pelo empregador ou decorrente de prestação de serviços autônomos por profissional liberal, ressalvada a hipótese de pagamento de pensão alimentícia, mormente quando o apontado devedor de cheque especial não tenha autorizado, previamente, o desconto em sua folha de pagamento. (TJ/MG – AI 2.0000.00.474578-8/000 – Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes – Publ. em 26/7/2006)

CONTA CORRENTE - DÉBITO ORIUNDO DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO - RETENÇÃO DE VERBA SALARIAL - ILEGALIDADE. A retenção, por parte do banco, de valores da conta corrente do autor referentes à verba salarial para pagamento de operações de crédito realizadas entre ambos é ilegal, e esbarra no comando do art. 7º, X, da CF/88, bem como do art. 649, IV, do CPC. (TJ/MG – AI 2.0000.00.459450-9/000 – Rel. Des. Pedro Bernardes – Publ. em 23/10/2004)

O TJ/RJ também protege o consumidor:

BANCO - DESCONTO INDEVIDO EM CONTA SALÁRIO - CONDUTA IMPRÓPRIA - DANO MORAL. A jurisprudência pátria é uníssona ao reconhecer a ilegalidade do desconto de valores provenientes de remuneração existentes nas contas-salário dos consumidores, pois tal ato é considerado abusivo e as cláusulas contratuais que o autorizam são consideradas nulas de pleno direito, conforme preceituado no artigo 51, IV, do CDC. Dano moral in re ipsa. A privação do valor correspondente ao salário importa em violação ao direito à disponibilidade do vencimento por parte da autora. (TJ/RJ - Ap. Cív. 2009.001.01354 – Acórdão COAD 128241 - Relª Desª Renata Machado Cotta - Publ. em 2/2/2009)

BLOQUEIO DE CONTA POUPANÇA DA AUTORA PELO RÉU, NA QUAL A PARTE RECEBE PENSÃO ALIMENTÍCIA DE SEU FILHO - DESRESPEITO AO CONSUMIDOR - EXERCÍCIO DE AUTO-EXECUTORIEDADE QUE O BANCO NÃO DETÉM - ATO ILEGAL PRATICADO PELO BANCO. (...) Consagra a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça o princípio de que o banco não pode apropriar-se da integralidade dos depósitos feitos a título de proventos na conta do seu cliente, para cobrar-se de débito decorrente de contrato bancário, ainda que para isso haja cláusula permissiva no contrato de adesão: Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta-corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. (TJ/RJ – Ap. Civ. 2009.001.01971 – Relª. Desª. Inês da Trindade – Julg. em 30/1/2009)

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - EXISTÊNCIA DE DÍVIDA - BLOQUEIO DO USO DO TALÃO DE CHEQUE E DO CARTÃO MAGNÉTICO. O bloqueio da movimentação da conta-corrente pelo banco para buscar seu crédito, em virtude de débito existente, é desprovido de qualquer amparo legal. O nosso ordenamento jurídico veda expressamente a retenção de salários e verbas alimentícias, ainda que exista cláusula permissiva expressa em pacto firmado entre as partes. É o que se extrai dos arts. 5º, LIV e 7º, X da Constituição Federal, os quais impedem a privação de bens do devedor sem anterior provimento jurisdicional e a retenção salarial. (TJ/RJ – Ap. Civ. 2008.001.06569 – Rel. Des. Ferdinando do Nascimento – Julg. em 25/3/2008)

BANCO - EMPRÉSTIMO - DESCONTO EM CONTA-SALÁRIO – INADMISSIBILIDADE. Vestibular da lide principal revelando que o banco réu vem descontando mensalmente da agravada valores de sua conta-salário. Fato incontroverso, vez que reconhecido pelo agravante, limitando-se a enfatizar que se trata de débito automático autorizado contratualmente, em decorrência de financiamento concedido à recorrida. Estreme de dúvida, descontos ultimados em conta corrente em razão de empréstimos bancários não são admissíveis, diante do que estabelecem os artigos 7º, inciso X, e 649, inciso IV, da Carta Magna e do Estatuto Processual Civil. Jurisprudência deste Colendo Sodalício a respeito do tema. Desconto perpetrado pelo agravante que comprometerá a subsistência da recorrida. Vale dizer, que na hipótese do correntista se encontrar inadimplente com avença alusiva a empréstimo bancário, deve a Instituição Financeira disponibilizar o procedimento adequado para sua quitação ou utilizar os meios legais para cobrar o seu crédito, mas jamais confiscar valores integrantes do salário do consumidor e ultimar por negativar o seu nome. (TJ/RJ – AI 2008.002.05970 - Acórdão COAD 124919 - Rel. Des. Reinaldo Pinto Alberto Filho - Publ. em 13/3/2008)

Não muito diferente, também destacamos decisões dos TJ/RS e TJ/SE:

AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA - SUSPENSÃO DE DESCONTO DE PARCELAS EM CONTA CORRENTE - VALORES ORIGINÁRIOS DE SALÁRIO - INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL – DESCABIMENTO - PRESENÇA DE FUMUS BONI IURIS E DE PERICULUM IN MORA. O dinheiro existente em conta-corrente e/ ou caderneta de poupança não é de propriedade da instituição bancária, mas sim do correntista (consumidor). Assim sendo, o banco, em princípio, não poderá efetuar nenhum débito, desconto, bloqueio ou caução do numerário ou de parte dele, sob pena de violar, dentre outros dispositivos legais, o artigo 5º, XXXII, da CF, e o artigo 51, IV e XV, do CDC. Ainda, tratando-se de verba salarial, a conclusão de impossibilidade de desconto dos valores devidos em conta-corrente decorre das garantias constitucionais de que se reveste o salário (artigo 7º, VII e X, da CF), bem como da garantia de impenhorabilidade do mesmo (artigo 649, IV, do CPC). (TJ/RS – AI 70010545184 – Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel – Julg. em 15/12/2004)

BLOQUEIO DE CONTA-CORRENTE - CONTA-SALÁRIO. O Banco não pode impedir que o cliente saque o dinheiro depositado em sua conta-corrente, mormente quando esta se presta para o depósito do salário, que se reveste de caráter alimentar. Agindo desta forma, a instituição financeira fere diversos dispositivos legais, a começar por artigos da própria Constituição Federal. A Carta Magna, em seu art. 5º, XXXII, garante o direito a propriedade e, em seu art. art. 5º, LIV, reza que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", assim entendido aquele que possibilita o contraditório e a mais ampla defesa, de acordo com o art. 5º, LV, da CF. Situação que não se confunde com a negativa de crédito. (TJ/RS - Ap. Civ. 70003771938 - Relª. Desª. Marilene Bonzanini Bernardi - Julg. em 11/3/2003)

CHEQUE ESPECIAL - SITUAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA - ROMPIMENTO CONTRATUAL - RETENÇÃO DE SALÁRIO. É que há que se distinguir a licitude inicial da cláusula do contrato bancário, que estipula o débito em conta, quando da normal execução contratual, da situação de inadimplência, que importa em rescisão da avença, por bloqueio das prerrogativas contratuais do correntista, como ocorreu no caso "sub judice". Em tal situação, a toda evidência, o que era permitido, ou seja, o débito do salário, passa a configurar retenção indevida de verba impenhorável, protegida tanto pela Constituição, como pela Lei vigente. Além disso, estabelecido o conflito de interesses, não se permite a um dos contratantes o exercício das próprias razões, praticando ato executório só permitido ao Poder Judiciário. Dessa forma, em tendo o apelado assim procedido, criou uma óbvia situação de constrangimento para a apelante, configuradora de danos morais, que, no caso, independem de comprovação, por defluírem naturalmente do fato, além de incidir, na espécie, dispositivos do CDC, pois aqui a relação é de prestação de serviços. (TJ/RS - Ap. Cív. 70001527506 - Rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima - Julg. em 22/8/2002)

BLOQUEIO DE SALÁRIO EM CONTA-CORRENTE - IMPENHORABILIDADE - CONTRATO DE ADESÃO - CLÁUSULA ABUSIVA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO BANCO (ART. 14 DO CDC). A conduta de instituição financeira que desconta o SALÁRIO de servidor para fins de quitação de débito, contraria o art. 7º, X, da Constituição Federal e o art. 649, IV, do CPC, pois estes dispositivos visam a proteção do SALÁRIO do trabalhador, seja ele servidor público ou não, contra qualquer atitude de penhora, retenção, ou qualquer outra conduta de restrição praticada pelos credores, salvo no caso de prestações alimentícias. Ademais, impõe-se considerar que a cláusula autorizativa de retenção do saldo em conta corrente, para liquidação ou amortização de dívida, é considerada nula, consoante a regência do art. 51 do CDC. (TJ/SE – Ap. Cív. 3907/2007 – Relª. Desª. Josefa Paixão de Santana - Julg. em 12/11/2007)

Diante do entendimento jurisprudencial acima disposto, um outro questionamento se faz necessário: a garantia da impenhorabilidade pode servir de impedimento para cumprir responsabilidades assumidas e não pagas?

Para alguns julgadores, preservando o direito do correntista em preservar as verbas oriundas de salário, bem como o direito das instituições financeiras em ver liquidados os débitos contratuais, com mais frequência observamos que as decisões vêm legitimando a retenção dos valores creditados em conta, desde que limitados a 30% (trinta por cento) do salário líquido do correntista.

Nestes casos não valem as insurgências dos devedores em afirmar que a verba de natureza alimentar não poderia ser penhorada. Para alguns desembargadores, a garantia da impenhorabilidade não pode servir de impedimento para cumprir responsabilidades assumidas e não pagas.

De acordo com este entendimento, a retenção e/ou penhora de apenas uma porcentagem da verba de natureza alimentar não fere o espírito do artigo 649 do CPC. O objetivo da proteção legislativa, no entendimento dos julgadores, é evitar que o pagamento de determinada dívida torne inviável a subsistência do devedor.

Outra consideração importante para alguns desembargadores está no fato de que até mesmo as verbas de natureza alimentar são livremente negociáveis, ou seja, disponíveis, como, por exemplo, a consignação em folha de pagamento, prática cada vez mais comum entre servidores públicos, em que se destina previamente parte do salário para o pagamento de determinadas dívidas.

Neste sentido, pinçamos:

DESCONTOS - CONTA CORRENTE – LEGALIDADE - CARÁTER ALIMENTAR - LIMITE DE 30% - POSSIBILIDADE. Nossos Tribunais vêm se posicionando no sentido de que é possível o desconto de parcela de dívidas em conta-corrente, devendo, porém, o decote ser limitado ao percentual máximo de 30% (trinta por cento) dos vencimentos do devedor. (TJ/MG – AI 1.0145.08.497859-5/001 – Rel. Des. Marcos Lincoln – Publ. em 5/6/2009)

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - EMPRÉSTIMO PELO CORRENTISTA - SALÁRIO EM CONTA - AMORTIZAÇÃO DO DÉBITO - LIMITAÇÃO EM 30%. O bloqueio de valores em conta corrente para quitar débitos decorrentes do contrato bancário não pode absorver todo o crédito lançado a título de remuneração percebida pelo devedor. (TJ/MG – Ap. Civ. 1.0433.06.197648-9/003 – Rel. Des. Osmando Almeida – Publ. em 15/9/2008)

(...) BLOQUEIO DE VALORES EM CONTA CORRENTE - LIMITAÇÃO A 30% - POSSIBILIDADE. (...) Consoante posição firmada pela jurisprudência deste Tribunal, deve-se permitir descontos diretamente na conta em que o devedor recebe seu salário, desde que autorizados, haja vista constituir meio mais ágil e menos oneroso para recebimento do crédito. Entretanto, tais descontos devem ser limitados a 30% da remuneração líquida do devedor, conforme § 1º do art. 3º do Decreto 42.103/01, o qual dispõe que ""o valor disponível para consignação facultativa será de até trinta por cento (30%) da remuneração mensal menos os descontos obrigatórios"". (TJ/MG – Ap. Civ. 1.0024.03.053367-3/001 – Rel. Des. Elpídio Donizetti – Publ. em 8/8/08)

LIMITE DE CHEQUE ESPECIAL - UTILIZAÇÃO PELO CORRENTISTA - DEPÓSITO DE SALÁRIO EM CONTA - AMORTIZAÇÃO - LIMITAÇÃO EM 30%. O bloqueio de valores em conta corrente para quitar débitos decorrentes do contrato bancário não pode absorver todo o crédito lançado a título de proventos percebidos pelo devedor. (...) (TJ/MG – Ap. Civ. 1.0702.06.276663-0/002 – Rel. Des. Osmando Almeida – Publ. em 8/12/2007)

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*Advogada. Membro Honorário da ABDPC/Associação Brasileira de Direito Processual Civil. Coordenadora editorial do site ADV Online. Redatora e membro da equipe técnica ADV – Advocacia Dinâmica, da COAD - Centro de Orientação, Atualização e Desenvolvimento Profissional

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