Mudanças práticas na garantia das ações judiciais
Camila David de Souza Chang*
A regulamentação desse tipo de garantia veio em boa hora, pois a lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais - clique aqui) por não prever expressamente essa modalidade de garantia dentre o elenco das alternativas para suspensão da exigibilidade dos débitos inscritos em dívida ativa conferia ampla margem de argumentos para que tanto o Juízo quanto a Fazenda Nacional recusassem tal garantia.
Na prática forense, o que se observou até a regulamentação trazida por essa Portaria foi a resistência reiterada e imotivada da Fazenda Nacional em aceitar a garantia securitária, do débito inscrito em dívida ativa, quando ofertada espontaneamente pelo contribuinte. Soma-se a essa situação a posição majoritária dos juízes em acatar essa recusa e aceitar, resignadamente, o pedido da Fazenda Nacional para penhora do faturamento do contribuinte, sem medir as consequências gravosas para toda a sociedade e para o próprio Poder Judiciário, tendo em vista que tal ordem extrema resulta, inevitavelmente, numa enxurrada de recursos para os Tribunais.
Porém, as condições impostas nessa Portaria, que, originariamente, deveria facilitar a garantia das ações de execução fiscal e desonerar o contribuinte de ter que oferecer caução em espécie, a fim de afastar a penhora de seu faturamento, terminaram por criar entraves procedimentais ainda maiores para aceitação do segurogarantia.
A Portaria 1.153/2009 PGFN deveria representar, num primeiro momento, um benefício para a Fazenda Nacional, em razão da liquidez dessa modalidade securitária e da certeza no pagamento do débito inscrito em dívida ativa. Contudo, sobrepondo-se às próprias normas da Superintendência de Seguros Privados - SUPEP, que disciplinam os contratos de garantia securitária, a PGFN extrapolou nas exigências para aceitação do seguro garantia em juízo, criando os seguintes entraves:
(i) garantia em valor superior a 30% do débito inscrito em dívida ativa;
(ii) proibição de substituição de depósito em dinheiro pelo seguro garantia, restringindo sua aceitação nessa hipótese;
(iii) prazo indeterminado do contrato de seguro garantia;
(iv) manutenção da responsabilidade da empresa seguradora sobre a totalidade do valor segurado, mesmo tendo o contribuinte aderido a parcelamento do débito objeto do seguro;
(v) responsabilidade da empresa seguradora em efetuar o depósito em Juízo do valor integral do seguro, caso o segurado não o faça, na situação em que não for concedido efeito suspensivo aos embargos à execução ou ao recurso de apelação por ele interposto;
(vi) continuidade da obrigação da empresa seguradora pelo pagamento do seguro, caso o segurado não pague o prêmio.
Desse modo, a regulamentação do seguro garantia, que deveria representar uma facilidade maior ao contribuinte executado em garantir a discussão judicial dos débitos inscritos em dívida ativa, em observância ao princípio da menor onerosidade para o devedor, acabou por dificultar a contratação desse tipo securitário no mercado, tendo em vista que as instituições financeiras não aceitam se submeter a cláusulas contratuais que a coloquem em situação de instabilidade e incertezas, decorrentes de decisões judiciais tendentes à arbitrariedade.
Nesse aspecto, é amplamente discutível a legalidade da exigência de renúncia, por parte da instituição seguradora, ao art. 763 do Código Civil (clique aqui), obrigando-a a assumir a obrigação perante o Juízo mesmo com o não pagamento do prêmio pelo segurado. Tal dispositivo da Portaria contraria norma contida em Circular da SUSEP. Essa disposição permite, contudo, sua discussão em Juízo, a fim de que seja afastada, tendo em vista que a PGFN extrapolou sua competência por invadir matéria exclusiva sob regulamentação da SUSEP.
Outro aspecto controvertido da Portaria é sob o ponto de vista financeiro. A exigência de que o segurogarantia tenha prazo de validade até a extinção das obrigações do tomador, em termos práticos, implica que o seguro-garantia tenha prazo indeterminado, o que expõe a instituição seguradora a uma situação de altíssima incerteza na quantificação do risco de crédito, obrigando-a a fazer um resseguro dessa operação, o que acaba por encarecer demais esse produto no mercado.
Nessa mesma linha de discussão, a exigência contida no art. 2º, VI, da Portaria 1.153/2009, que determina que a instituição seguradora deposite em Juízo o valor do débito inscrito em dívida ativa, caso não seja concedido efeito suspensivo aos embargos do executado antes do trânsito em julgado, é abusiva e, acima de tudo, inconstitucional, pois não existe hipótese legal que condicione a troca de garantia prévia em caso de falta de suspensão dos embargos, ferindo com isso o direito constitucional ao devido processo legal do executado.
Deve-se lembrar que, pela própria natureza jurídica e finalidade a que se presta o seguro-garantia, este tipo contratual pode ser aceito pelo Juízo, independentemente dessa norma infra-legal da PGFN, a qual, segundo os aspectos comentados, é muitos discutível, sob a ótica da legalidade.
Por conta disso, não se deve esquecer que as condições impostas para aceitação do seguro-garantia não representam um ponto final à utilização em Juízo dessa modalidade contratual para garantia dos débitos inscritos em dívida ativa, tendo-se sempre em mente que todas as violações legais às normas securitárias – emanadas da SUSEP – ou aos Códigos Civil e Processual Civil (clique aqui) podem ser discutidas judicialmente para serem afastadas.
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*Sócia do escritório Piazzeta e Boeira Advocacia Empresarial
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