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As novas tecnologias nos Tribunais e o direito como ponte para o exercício pleno da cidadania

A virada emblemática do século XXI representou para todas as matérias e naturezas sociais uma grande revolução, impulsionada em sua grande totalidade pelas inovações tecnológicas adquiridas e pela democratização de conhecimentos técnicos - - científicos que se aplicaram na sua maioria nas áreas práticas do exercício do funcionamento de um Estado comum.

29/9/2009


As novas tecnologias nos Tribunais e o direito como ponte para o exercício pleno da cidadania

Filipe Augusto Küster de Lara*

A virada emblemática do século XXI representou para todas as matérias e naturezas sociais uma grande revolução, impulsionada em sua grande totalidade pelas inovações tecnológicas adquiridas e pela democratização de conhecimentos técnicos - científicos que se aplicaram na sua maioria nas áreas práticas do exercício do funcionamento de um Estado comum.

O Poder Judiciário Brasileiro ensaiou essa revolução muito antes do que de fato outros órgãos privados o fizeram, porém, a percepção jurídica de fato começou a ser debatida com o início do século XXI e mais intensamente implementada com o advento da Internet 2.0 ( de inteiração entre usuário e sistema) a partir de 2005.

No aspecto histórico, a função existencial dos Tribunais não se modificou com a virada da pós modernidade no transcorrer do século passado, todavia, a forma como o Judiciário dialoga com o resto da sociedade foi de sobremaneira rescindida com a sistematização da Justiça, inaugurando um novo paradigma de comunicação entre ela e os demais cidadãos.

A temática dos Tribunais sofre diretamente com a evolução ontológica causada por um elemento ricamente valorizado nos dias contemporâneos: a informação.

A multiplicação das fontes informativas é oriunda de um fenômeno de aproximação da sociedade aos Tribunais e, de forma prática, diz-se que é a concretização de uma democracia mais participativa nos atos do Poder Judiciário.

O Brasil acompanha essa tendência, e de maneira assincrônica apenas alguns Tribunais já conseguiram criar um sistema eficaz de comunicação entre o cidadão e o Judiciário.

Entretanto, é intuitivo que se almeje em tempos contemporâneos um sistema que facilite o acesso de uma parte a uma determinada pretensão; que se desburocratize a temática de emolumentos e protocolos que tornam os Tribunais apenas revisores de recursos e que, por fim, reste agilizada a decisão final, sempre prezando pelo princípio da Justiça e do garantismo social.

Em uma sociedade em que grande parte dos serviços são realizados pela rede, o Judiciário se viu compelido a acompanhar a tendência deste pensamento em Tribunais que são assumidamente segregados a fim de embargar a ampliação da ponte burocrática com o seu maior interessado informal: o cidadão comum.

Um exemplo notório vem da ampliação da lei 9.800/99 (clique aqui) operada pela lei 11.419/06 (clique aqui) que, em sua essência, formaliza a utilização de tecnologia para a transmissão de dados ao Poder Judiciário, aproveitando a oportunidade para implementar secretarias de Tecnologia de Informação dentro dos próprio Tribunais de Justiça com o objetivo de transparecer o procedimento judicial.

Pioneirismo à parte, os Juizados Especiais Federais já haviam adaptado seus sistemas à automação jurídica de informações processuais, desencadeando um fenômeno de transplante de tecnologia para as demais Jurisdições, inclusive para as Cortes Formais.

O Conselho Nacional de Justiça no âmbito de suas atribuições auxilia diretamente essa compassada evolução, contribuindo sobremaneira para a instauração dos PROJUDI’s, presentes atualmente em mais de 18 estados brasileiros, na tentativa de resgatar à luz dos direitos fundamentais o princípio da tão almejada celeridade processual.

Noutra esteira normativa, a lei 11.419/06 inaugurou a era virtual, dando legitimidade através do diploma legal ao chamado "peticionamento eletrônico", trazendo uma ferramenta relevante para os mandatários agilizarem o procedimento processual, tornando públicos os atos e democratizando o acesso às informações pelos mandantes, problema verificado amiúde principalmente nas causas de menor complexidade e que se preconizam pelo desconhecimento dos autores na inacessível linguagem jurídica aos cidadãos.

O início da vigência desta lei em 2007 deu início também a um amplo exercício de automatização de verificadores de autenticidade dos documentos, desenvolvendo um sistema que esteja apto a suportar fraudes e que assegure a plena comunicação com os órgãos reguladores do Governo e OAB, assessorados também pelo IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática, fato nunca ocorrido anteriormente no Brasil.

De certa forma, a relação entre o Judiciário e o cidadão está se restringindo à comunicação bilateral entre eles, deixando para trás a velha impressão do monólogo judicial.

Na realidade, trata-se da tendência efervescente acompanhada da cautela no momento de tornar o procedimento ágil sem que se perca a legitimidade dos atos.

Porém, inequívoco ainda sustentar o argumento de que a evolução tecnológica de comunicação entre as partes irá escoar o volume de processos nos Tribunais, quiçá dizer que o fenômeno poderá ocorrer de maneira contrária.

Em um Estado onde cada vez mais as demandas irrelevantes são pleiteadas sob a esperança de breve enriquecimento, a automação eletrônica desempenhará outra função inovadora já presente nos Tribunais Brasileiros a fim de impedir o avolumamento de processos.

Exemplifique-se com a questão pertinente à admissibilidade dos recursos cujos acórdãos sejam anteriormente sumulados e, irreversíveis, portanto (salvo os resguardados pela própria previsão legal do CPC - clique aqui), onde haverá condenação ao pagamento de multa (como por exemplo, a litigância de má-fé) àqueles recorrentes que abarrotarem as câmaras por desaviso a fim de protelar a condenação, ensejando a punição pecuniária como forma de prevenção e de eventual garantia ao duplo grau de jurisdição, mesmo que esta seja onerosa ao réu.

Considerando que os diálogos da legitimidade de atos como esses são debatidos pelo STF na sua maioria, em outra quadra, grande discussão ainda da informatização dos Tribunais é de cunho teleológico e de abrangência social acerca da eminente possibilidade da informatização dos Tribunais causar um efeito contrário, impedindo o acesso ao Judiciário pelo cidadão, alternativa essa perfeitamente plausível em se tratando de um país onde apenas um quarto da população tem acesso à Internet.

Um dos argumentos que pode causar divergência de opinião é sobre o acesso ao Judiciário, no sentido estrito e material: no presente momento, independente da automação, qualquer cidadão tem acesso aos autos (salvo os resguardados pelo diploma legal), situação que poderá ser modificada caso a informatização atinja patamares satisfatórios de automação.

Outro entrave é o movimento natural da corrente tecnológica: a informação não requer autorização para ingressar nos nichos sociais, e não ocorrerá de maneira diferente no Judiciário.

É irrevogável a premissa de que a velocidade da tecnologia é muito maior do que a velocidade das discussões sobre as necessidades sociais desempenhado pelo poder Legislativo – e é inevitável concluir que o Direito sempre estará defasado em comparação à sociedade, entretanto, tem-se a oportunidade única de aproximar o eixo paradigmático desta distância.

O foco da tendência é compreender basicamente a evolução das ferramentas de informação como uma maneira de aproximar o cidadão do Judiciário e não de aumentar o abismo entre eles, o que por si só já autoexplica a prerrogativa de que é necessário investir paralelamente em capital humano e não somente em tecnologia, afastando expressamente a hipótese da extinção de cargos já tão tradicionais, como a figura do advogado.

A grande vantagem dessa nova era se funda no argumento de que a inteiração deverá ser semi- recíproca para que haja evolução; tanto Judiciário deverá estar atento ao procedimento de recepção destas novas informações sem que haja cerceamento do acesso à Justiça, função esta encarregada nas relações com o Executivo, como os advogados deverão também procurar a devida adequação ao sistema de automação de maneira gradativa para que os investimentos de controle e de tecnologia sejam impulsionados.

Todavia, antes de qualquer movimento deverá o medo ser desprendido, e avaliá-lo como oportunidade de crescimento, o que nas palavras do Professor Borruso mesura a real importância da reflexão sobre o tema: "se o jurista se recusar a aceitar o computador, que formula um novo modelo de pensar, o mundo, que certamente não dispensará o computador, dispensará o jurista. Será o fim do Estado de Direito e a democracia se tornará facilmente em tecnocracia". (Borruso, 2008)

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*Estagiário do escritório Küster Machado - Advogados Associados

 

 

 

 

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