Internacional e constitucional: piores desempenhos no exame nacional da OAB
Luiz Flávio Gomes*
Direito internacional e Direito constitucional são as duas disciplinas com menor aproveitamento (em todo país). Na média nacional, 24% é o percentual de acertos dos alunos em Direito internacional. A segunda disciplina (com pior desempenho) é Direito constitucional: apenas 28% de acertos. Depois vem o grupo do processo (penal, civil e do trabalho): média de 32% de acertos. Direito empresarial: 35% de acertos. Direito ambiental: 39% de acertos. Direito do trabalho: 41%. O melhor índice ficou com o Direito do consumidor: 71% de acertos (vale observar, de qualquer modo, que nessa área cobraram apenas duas questões na prova).
Esse verdadeiro "ranking" nacional de acertos (e erros) dos alunos (na prova nacional da OAB) veio comprovar que, no Brasil, estamos mesmo enfrentando sérias dificuldades com a grade curricular das faculdades. Temos muito que fazer nesse campo. Muitas delas continuam com uma grade curricular eminentemente legalista. Ainda ensina somente as leis e os códigos, tal como se fazia no século XIX, logo após a Revolução francesa. O aluno aprende as leis e os códigos, mas na hora da prova perguntam muita coisa de constitucional e de internacional. Problemas! A metáfora é a seguinte: ele aprende a jogar basquete, mas na hora da partida o juiz diz que é futebol. Quem sabe usar (só) as mãos, não vai se sair bem quando necessita habilidade nos pés!
Confundia-se, no século XIX (e ainda hoje muitos confundem), a lei com o Direito. Todo Direito estava na lei (e nos códigos). Saber o Direito, nessa época, significava saber (apenas) as leis e os códigos (napoleônicos). Tudo era mais fácil, tudo era mais simples. Quase todas as leis estavam codificadas (o que facilitava mais ainda). O juiz julgava com grande facilidade: premissa maior (lei), premissa menor (fatos) e conclusão (consequências jurídicas previstas na lei). Montesquieu dizia que esse tipo de juiz era um ser inanimado. Inanimado porque não tem alma. Não tem alma porque não pode (sequer) interpretar o texto legal.
A lei era (formalmente) a garantia de todos. Mas logo se descobriu que isso era uma meia verdade. Com o regime nazista a lei foi destronada (porque todas as mortes do holocausto foram praticadas dentro da lei). Como reação a esse primeiro modelo de Direito (modelo legalista), nasceram, em 1945, três outros modelos: o constitucionalista, o internacionalista e o universalista. As quatro ondas evolutivas do Direito e da Justiça, portanto, são: legalismo, (neo)constitucionalismo, internacionalismo e universalismo.
O neoconstitucionalismo passou a cobrar do estudante e do profissional do Direito conhecimentos específicos sobre constituição (direito constitucional) e jurisprudência interna (que diz o que vale e o que não vale nas leis vigentes). Muitas leis continuam vigentes, mas já não valem. Vigência não se confunde com validade (Ferrajoli). O STF julgou mais de 900 leis inconstitucionais de 1988 para cá. Quem não conhece essa jurisprudência não sabe o que vale e o que não vale. Para se conhecer o Direito, a partir desse segundo modelo, é preciso saber: leis, códigos, constituição e jurisprudência interna. No tempo do legalismo bastava saber duas coisas: leis e códigos. Agora passamos para quatro.
Com o internacionalismo (nascido também em 1945) os tratados internacionais passaram a contar com grande valor. O STF, no dia 3/12/08, no RE 466.343/SP (clique aqui), decidiu que os tratados de direitos humanos valem mais do que a lei e menos que a constituição (posição vencedora de Gilmar Mendes). Os tratados acham-se inseridos dentro dos vários sistemas de direitos humanos. O nosso, claro, é o interamericano, formado por tratados e por dois órgãos consultivos e jurisdicionais: Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos. O aluno e o profissional do Direito, agora, passaram a ter necessidade de saber seis coisas: leis, códigos, constituição, jurisprudência interna, tratados internacionais (especialmente os de direitos humanos) e jurisprudência interamericana.
O universalismo (a quarta onda evolutiva do Direito e da Justiça), também reafirmado em 1945, esgota todo o conjunto normativo que está acima dos países, acima das constituições. São normais supraconstitucionais, supranacionais (que devem ser cumpridas pelos países). Exemplo típico de tribunal universal é o TPI - Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma (e que passou a ter existência a partir de julho de 2002). Todos, a partir do universalismo, passamos a ter necessidade de saber: leis, códigos, constituição, jurisprudência interna, tratados internacionais (especialmente os de direitos humanos), jurisprudência interamericana, normas universais e jurisprudência das cortes universais. O aluno que só aprende leis e códigos (o legalismo) encontra mesmo muita dificuldade na prova Cespe-Unb/OAB.
A melhora nos índices de aprovação na OAB passa por uma (profunda) reformulação das grades curriculares das faculdades. O estudante de direito, na atualidade, precisa ter bastante contato com as novas ondas evolutivas do Direito e da Justiça que vimos e que sucederam o legalismo do século XIX (que foi reafirmado no século XX por Kelsen). É preciso reconhecer que o positivismo legalista está morto. Só não foi ainda sepultado! Mas já morreu. Esse primeiro modelo de Direito foi um avanço no seu tempo. Mas hoje é incompleto (está totalmente desatualizado). Se você ensina (só) basquete, não pode esperar muito (do aluno) quando o jogo é futebol!
São incontáveis as possibilidades de parcerias nessa área. A humildade socrática está nos conduzindo a essas parcerias vitoriosas. Esse é o caminho que permite que todos ganhem e superem as barreiras da empregabilidade (ou da profissionalização). Você não pode ficar fora. Avante!
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*Diretor Presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
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