O Código Civil engessa as sociedades do tipo limitada
J. V. Rabelo de Andrade*
O exemplo mais gritante da burrice da unanimidade é notado em várias convenções de condomínio que, como se sabe, apenas meia dúzia de "gatos pingados" comparecem às assembleias e não podem decidir porque os principais temas dependem da unanimidade. Se você não sentiu isso na pele, provavelmente é porque não mora em um, ou, então, não participa das reuniões de seu condomínio.
E o nosso Código Civil (clique aqui), para não ficar só, parece querer pôr à prova isso. Vejamos.
Diz o Código (artigo 999) que as modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no artigo 997, dependem do consentimento de todos os sócios, ou seja, a unanimidade. E que matérias são essas? São as alterações referentes a:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
Praticamente para mudar uma vírgula no contrato social é preciso a unanimidade. Já dá para imaginar uma sociedade na qual pelo menos um dos sócios venha a ter algum atrito com os demais.
Não satisfeito com isso, exige o Código quorum de, no mínimo, 3/4 (75%) para:
a) qualquer outra alteração, além das 8 citadas, no contrato social (salvo se o próprio contrato excepcionar);
b) incorporação, fusão (não fala em cisão) ou cessação do estado de liquidação;
c) instalação de assemblia em primeira convocação.
O quorum é de, no mínimo, 2/3 (67%) para designação de administrador não sócio, previsto em contrato, após a integralização do capital social; destituição de administrador que seja sócio e tenha sido nomeado no contrato, salvo disposição contratual diversa.
Por tudo isso, começo a pensar que, pelo menos do ponto de vista decisório, talvez seja muito mais prático o tipo anônimo de sociedade no qual, pela lei, o quorum restringe-se, na grande maioria dos casos, à metade mais uma, das ações com direito de voto, por vezes, com 26% do capital alguém pode comandar a empresa. É bem verdade que esse tipo societário tem o inconveniente, além do custo financeiro, de ser um "livro aberto", por ter que publicar suas demonstrações contábeis podendo, entretanto, em alguns casos, deixar de convocar assembleias.
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*Advogado, Contador e membro do escritório Martorelli e Gouveia Advogados
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