Sobre a decisão do TRE/SP a respeito das doações eleitorais: respeito à segurança jurídica e à finalidade das sanções
Francisco Octavio de Almeida Prado Filho*
Após as eleições em que se deram as doações impugnadas pelo Ministério Público, novas eleições foram realizadas, as eleições municipais de 2008, sem que o MP tivesse tomado qualquer providência com relação às doações que considerou ilegais.
Cabe, ainda, mencionar que apesar de a lei que prevê o limite de 2% para doações de pessoa jurídica ter entrado em vigor no ano de 1997, não se tem notícia de que alguma fiscalização tenha sido realizada, ou representação proposta, entre o início de vigência da lei e as eleições de 2006.
Também não se tem notícia de qualquer esforço empreendido pelo MP ou por qualquer representante do Estado em dar publicidade à norma, alertar as pessoas físicas e jurídicas para as graves sanções previstas para aqueles que realizam doações eleitorais em valores que ultrapassam os limites legais.
É evidente que para aplicação da lei não se exige seja feita campanha informativa a respeito de seus termos, também não se está aqui a defender que a não-aplicação da norma por um longo período de tempo tem o condão de torná-la inaplicável, ineficaz com relação a eventos posteriores.
O que não se pode deixar de considerar é que a finalidade da norma não é a simples punição, mas, principalmente, influir no comportamento das pessoas físicas e jurídicas, estabelecendo um limite máximo a ser por elas observado quando decidirem contribuir financeiramente com campanhas eleitorais.
Como bem esclarece Heraldo Garcia Vitta "a previsão de sanções existe para atemorizar os eventuais infratores (caráter repressivo), fazendo com que os indivíduos ajustem seus comportamentos aos padrões admitidos em Direito. Tem por fim específico desestimular a prática de condutas proibidas pela ordem normativa por meio de 'desagradáveis efeitos'1". Em outras palavras, a norma sancionadora não tem por fim a punição, mas sim o desestímulo às condutas nela tipificadas.
Nesse sentido, é inadmissível que o Estado desvirtue a finalidade normativa de forma a transformá-la em simples instrumento de punição, sem qualquer preocupação preventiva, de desestimular a prática das condutas proibidas.
O que se exige, no caso, é um mínimo de lealdade no exercício do jus puniendi estatal.
Passados quase três anos da realização das doações e realizadas eleições municipais nesse período, não há como aceitar a pretensão do MP em ver sancionadas as doadoras, mormente quando se considera o rígido regime de preclusões aplicado em matéria eleitoral.
Trata-se, acima de tudo, de uma questão de segurança jurídica, tanto em seu aspecto material como subjetivo, como bem entendeu o E. TRE/SP.
Vale esclarecer que após a diplomação apenas duas medidas judiciais podem ser ajuizadas, quais sejam, o recurso contra a diplomação e a ação de impugnação de mandato eletivo, esta por expressa disposição constitucional.
Embora no caso dos autos não se discuta candidatura ou mandato, é preciso levar em consideração que a doação, seja ela de pessoa física ou jurídica, é parte do processo eleitoral, além de um direito político de quem a faz.
O próprio rito previsto – e adotado – para as representações é adequado apenas às discussões eleitorais, que necessitam ser decididas com a maior brevidade possível. Nesse sentido, seriam no mínimo incoerentes a adoção do rito previsto no art. 96 da lei 9.504/97 (clique aqui) e a aceitação de que representações por excesso de doação pudessem ser ajuizadas a qualquer tempo, ou, como no caso, quase três anos após o término das eleições.
Apenas para ilustrar o que se está a defender, ressalte-se que o prazo para apresentação de defesa, de acordo com o rito adotado, é de apenas 48 horas, não havendo, ainda, possibilidade de instrução probatória no curso do procedimento.
As sanções aplicáveis, por outro lado, são extremamente graves, incluindo multa de cinco a dez vezes o valor doado em excesso (sanção claramente desarrazoada e desproporcional) e a proibição de contratar com o Poder Público e participar de licitações pelo prazo de cinco anos.
Em outras palavras, o próprio rito previsto é incompatível com o período pós eleitoral, sujeitando os doadores a alto grau de insegurança jurídica, especialmente considerando o exíguo prazo para apresentação de defesa e a ausência de instrução probatória.
Fato é, como bem decidido pelo TRE/SP, que passados quase três anos da eleição, carece o MP de interesse legítimo para a propositura das demandas, que passam a ter finalidade meramente punitiva, a exemplo de radares de velocidade colocados às escondidas, sem qualquer aviso ou placa de velocidade permitida.
Louvável, portanto, a decisão do E. TRE/SP.
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1 VITTA, Heraldo Garcia. Op. Cit. p. 65.
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*Advogado do escritório Malheiros, Penteado, Toledo e Almeida Prado - Advogados
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