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Parecer da CVM prestigia direito de voto e fragiliza as "poison pills"

As cláusulas denominadas poison pills (regras de dispersão acionária), conhecidas no mercado corporativo, podem ser aqui entendidas como negociações de ações de companhias abertas no mercado mobiliário, com intuito de desencorajar tomadas hostis de controle por outras companhias, investidores ou aventureiros.

25/8/2009


Parecer da CVM prestigia direito de voto e fragiliza as "poison pills"

Eduardo Monteiro M. César*

As cláusulas denominadas poison pills (regras de dispersão acionária), conhecidas no mercado corporativo, podem ser aqui entendidas como negociações de ações de companhias abertas no mercado mobiliário, com intuito de desencorajar tomadas hostis de controle por outras companhias, investidores ou aventureiros.

A modalidade mais usual de utilização das poison pills pode ser constatada nas previsões estatutárias que acarretam ao investidor adquirente de determinado percentual das ações em circulação da companhia a obrigação de promover uma oferta pública de compra da totalidade das ações remanescentes em circulação no mercado, observadas as regras específicas para as operações de oferta pública.

As poison pills tiveram sua origem na década de oitenta nos Estados Unidos, desenvolvidas por renomado advogado americano militante na área de fusões e aquisições, razão pela qual os Estados Unidos podem ser referidos como berço do mercado mobiliário moderno nos moldes que se conhece hoje.

No Brasil, a adoção do modelo norte-americano de negociação de ações no mercado mobiliário, originou, ainda que timidamente, as companhias abertas com capital pulverizado, resultou também na importação do referido sistema de cláusulas poison.

Importante denotar que no Brasil prevalece, ainda, o conceito de companhia sob o modelo em que esta tem um "dono", ou seja, a sociedade pertence a um acionista controlador ou a um grupo de controle (normalmente constituído por pessoas relacionadas ou da mesma família).

Mesmo assim, as poison pills passaram a integrar os estatutos sociais de diversas companhias nos últimos anos, em especial naquelas sem acionista controlador, obrigando os investidores a realizar ofertas públicas com determinadas condições, as quais muitas vezes onerosas, com o intuito de preservar a dispersão acionária.

Importante destacar que não raras as vezes em que essas cláusulas (poison pills) aparecem acompanhadas de outros comandos nos Estatutos em que estão previstas, denominados pela CVM de disposições acessórias ou obrigações acessórias, cujo conteúdo traduz na obrigação negativa dos acionistas em alterar o escopo das referidas cláusulas, tornando quase que perpétuas as regras de dispersão ali previstas.

No linguajar jurídico, essas "obrigações acessórias" tal qual utilizadas, criam para as cláusulas de dispersão um caráter de cláusulas pétreas, uma vez que, em síntese, são protegidas de qualquer transformação ou supressão.

A exemplo do disposto há casos em que é imposta a exigência de que o acionista que votar para extinção (supressão) de referida cláusula de dispersão realize por sua conta uma oferta pública para aquisição de todas as ações da companhia, numa flagrante limitação ao exercício de voto dos acionistas em assembléias.

Nesse passo, poder-se-ia afirmar que as poison pills, a bem da verdade, tiveram seu caráter inicial protecionista contra tomadas hostis de controle acionário por investidores aventureiros transmudado numa perpetuação de poder do controlador ou do grupo de controle em exercício desse poder, o que nem sempre resulta no melhor interesse para a companhia e seus acionistas minoritários.

A Comissão de Valores Mobiliários – CVM, atenta à prática relatada acima, bem como à aplicação concreta dessas obrigações acessórias em face do disposto na lei que rege as sociedades anônimas (lei 6.404/76 - clique aqui), entendeu pela incompatibilidade entre a prática e o legislado.

O entendimento da CVM conforme referido supra foi recentemente formalizado em ato administrativo consubstanciado pelo Parecer de Orientação 36/09, publicado aos 26 de junho de 2009, sobre as disposições estatutárias que impõem ônus aos acionistas que votarem favoravelmente à supressão de cláusula de proteção à dispersão acionária, facilitando a retirada de clásulas poison pills dos estatutos sociais das empresas que tenham como objetivo limitar o direito de voto e a manifesta intenção de proteger a dispersão acionária, isentando referidos acionistas de penalidade em processos administrativos sancionadores promovidos sob a tutela da CVM.

Em síntese, a autarquia não aplicará penalidade aos acionistas que votarem pela modificação ou supressão de cláusulas de dispersão acionária e que não realizem a conseqüente oferta pública de aquisição de ações, na condição de obrigação acessória.

O embasamento jurídico adotado pela CVM está contido no direito essencial de voto dos acionistas, conforme se infere da análise dos artigos 1151; 1212; 1223, inciso I e 1294, caput e §1º, da lei 6.404/76, em que são exaradas as seguintes considerações:

(i) o caput do artigo 115 determina que o acionista deve exercer seu direito de voto no interesse da companhia, o que seria violado pela disposição acessória, quando impõe ônus econômico ao acionista, impedindo-o de exercer seu direito ao voto nas deliberações em que se decidem a alteração ou supressão das cláusulas de dispersão acionária no interesse da própria companhia;

(ii) o artigo 121 determina que a assembléia geral de acionistas é soberana para deliberar sobre todos os negócios relativos ao objeto social da companhia, soberania essa que estaria sendo limitada pela disposição acessória que impõe um ônus significativo aos acionistas que votarem aprovando a supressão ou alteração das poison pills;

(iii) o artigo 122, inciso I outorga poderes à assembléia geral de acionistas para alterar o estatuto social, sempre que o interesse social assim o exigir, conflitando com as referidas disposições acessórias, que tem por objetivo tornar praticamente imutável a poison pills;

(iv) o artigo 129, § 1º veda à companhia aberta aumentar o quorum previsto em lei para deliberações da assembléia geral de acionistas (o que somente é permitido para as companhias fechadas), contrariando aquela disposição acessória que indiretamente eleva esse quorum, ao exigir unanimidade, ou quase unanimidade, para que a cláusula de poison pil" possa ser suprimida;

Assim, fica externalizado o entendimento da CVM sobre a supremacia da vontade dos acionistas no exercício de seu direito acionário de voto em assembléia, em detrimento do caráter perpetualista impingido às poison pills pelo controlador, ou, grupo de controle no exercício do poder sobre a companhia.

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1 Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.

2 Art. 121. A assembléia-geral, convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento.

3 Art. 122. Compete privativamente à assembléia-geral:

I - reformar o estatuto social;

4 Art. 129. As deliberações da assembléia-geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco.

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*Advogado do escritório Tostes & Coimbra Advogados


 

 

 

 

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