A jornada de trabalho em regime parcial e o surgimento de novos postos de trabalho
Marcelo Scomparim*
Introdução
O Brasil adotou uma política de parcialidade na jornada de trabalho, ou seja, fixou a jornada parcial de trabalho com o objetivo de impulsionar o surgimento de novos postos de trabalho, porém, a idéia não surtiu os efeitos esperados.
Através dessa questão, iremos desenvolver o trabalho, pois se verificará que somente a adoção da parcialidade da jornada de trabalho não bastará para o surgimento de novos postos de trabalho.
Da jornada de trabalho e o regime em tempo parcial
Segundo Maurício Godinho Delgado1 a jornada de trabalho é composta por dois troncos, o primeiro é o básico e o outro é o suplementar. O tronco básico é elemento natural do contrato, ao passo que os componentes suplementares são elementos acidentais do mesmo, que existem apenas em decorrência da prestação de serviços e concretizam-se sob determinadas circunstâncias ou normas especiais.
Assim, constituem componentes suplementares da jornada as horas extraordinárias que estão nos artigos 59 e 61 da CLT (clique aqui) os quais integram a jornada. Também são componentes suplementares as diversas situações de horas a disposição, artigo 4º da CLT, como também são as horas de sobreaviso e prontidão, artigo 244, §§ 2º e 3º, da CLT, sendo um salário-condição.
Há ainda a conceituação da jornada de trabalho pelo doutrinador Russomano2, o qual a divide em positiva e negativa, argumentando que alguns especialistas são de opiniões de que se deve analisar a jornada de trabalho em conjunto, somando-se aspecto positivo, isso é a duração de trabalho, e o aspecto negativo, ou seja, os períodos de repouso obrigatório.
A prestação do trabalho gera a percepção do salário, que segundo Délio Maranhão3 seria o preço atribuído à força de trabalho alienada, ao passo que a jornada despontaria como a medida dessa força que se aliena.
Superada a questão conceitual de jornada de trabalho e a sua contrapartida (salário), é necessário antes de adentrar ao tema enfatizar a busca pela segurança laboral que surge com as limitações da jornada. Segundo Arnaldo Süssekind4 a limitação do tempo de trabalho foi consagrada pela legislação comparada através de um tríplice aspecto: a duração de trabalho, o repouso semanal e as férias anuais.
Assim, entende-se que a limitação do tempo de trabalho tem importância em três aspectos: o biológico, o social e o econômico. Entretanto, somente o aspecto econômico será analisado neste trabalho.
Referido aspecto tem o intuito de combater o desemprego, assegurando a proteção do trabalho prevista na CF/88 (clique aqui). Nas palavras de Irany Ferrari5 o direito a qualquer tipo de trabalho é assegurado pela Constituição e, se não o fosse por ela, sê-lo-ia pela necessidade de viver, com imperiosidade do direito à vida.
Várias foram às formas adotadas pelo governo em tentar impulsionar a economia através do ingresso de novos trabalhadores no mercado de trabalho, sendo uma delas a MP 2.164-41, de 28/8/01 (clique aqui), que incluiu o artigo do 58-A da CLT.
Este regime surgiu com a finalidade de possibilitar maior número de empregos, segundo a Convenção 175, complementada pela Recomendação 182, sobre o trabalho a tempo parcial.
O doutrinador Amauri Mascaro Nascimento6 trouxe em sua obra a justificativa desse regime de trabalho, que foi a possibilidade de abrir novos empregos e a necessidade de assegurar a proteção dos trabalhadores a tempo parcial nos campos do acesso ao emprego, das condições de trabalho e da seguridade social.
Sob a égide desse regime o trabalhador receberá salário proporcional; quando houver contratação para trabalhar mais de 25 horas semanais, a modificação do contrato de trabalho para o regime parcial só ocorrerá em conformidade com acordo ou convenção coletiva, além de ser vedada a prestação de horas extraordinárias, mas essa restrição não se aplica em casos de necessidade imperiosa.
Quanto à alteração mencionada, tem-se como regra geral a modificação por um ato unilateral ou bilateral das partes, estas poderão reduzir o tempo de duração do trabalho, no entanto, para que tal redução seja lícita não deve haver prejuízo para o empregado, artigo 468 da CLT c/c o artigo 7º, VI da CF/88, tais artigos aplicam o princípio da inalterabilidade contratual lesiva, sendo que necessariamente haverá prejuízo a parte que passar a laborar no tempo parcial, mesmo sendo feito por intermédio do sindicato, já que a contraprestação (salário) será diminuído.
Ocorre que, a simples adoção do regime parcial não impulsionará o surgimento de novos postos de trabalho, mesmo não havendo horas extras nesse regime, pois como sabido o maior entrave ao surgimento de empregos é a prestação de horas extras em exagero.
O Ministério do Trabalho e Emprego - MTE acredita que o não pagamento das horas extras decorre do pouco aparelhamento do órgão responsável pela fiscalização que é Delegacia Regional do Trabalho - DRT, além da morosidade da justiça do trabalho e a não-criminalização pelo não-pagamento de direitos trabalhistas são fatores que corroboram para que alguns empresários não as paguem aos seus empregados.
Segundo levantamento realizado pelo Sistema de Fiscalização e Inspeção do Trabalho - SFIT, órgão do Ministério de Trabalho e Emprego, foram apuradas 10.123 autuações de não-pagamento de horas extras em 2005, o que lhe fez ocupar o quinto atributo mais autuado pelos fiscais do trabalho, ficando atrás apenas do não-depósito do FGTS, atraso ou não-pagamento dos salários, não-registro em carteira e não-pagamento de descanso remunerado.
Sabe-se que são altos os encargos trabalhistas para os empregadores, desta forma fica a cargo deles cumprir ou não as regulamentações trabalhistas. As condicionantes para esse cumprimento ou não são as sanções por eles suportadas. Assim, a regra é o não cumprimento da legislação, salvo se a sanção for maior que o encargo trabalhista.
Os empregadores chamam de "efeito interação" entre o custo de não cumprir a legislação e serem pegos e punidos por fiscais, pois acreditam que a chance desse fato ocorrer são ínfimas, o que corrobora com a tese do não cumprimento da vedação de horas extras no regime em tempo parcial.
Não só no Brasil, mas como em todo mundo, o desemprego é provocado pela associação de dois fatores: o primeiro seria o enorme aumento da produtividade que ocorreu nas últimas décadas com a forte industrialização e o segundo seria o baixo crescimento econômico que não faz gerar novos postos de trabalho.
A "forte" industrialização no pós-guerra ocorrida até meados dos anos 70 teve conseqüências, visto que aquela prosperidade e crescimento derivados do final da 2ª Guerra Mundial chegaram ao fim, ou seja, nesta fase cessa o que os economistas chamam de capitalismo regulado.
Vislumbra que a taxa de crescimento da produtividade do trabalho tem sido mais expressiva que a taxa de crescimento da produção nos últimos anos, ou seja, há o que os economistas chamam de capitalismo desregulado. Assim, quando o PIB aumenta, aumenta-se o emprego, ocorrendo o inverso no caso da diminuição do PIB.
Segundo artigo publicado no dia 28 de fevereiro de 2007 pelo "O GLOBO ON LINE", a economia do Brasil cresceu 2,9% em relação a 2006. Esse resultado colocou o Brasil como penúltimo em matéria de crescimento dentre os países latinos, o que reforça a necessidade de uma política de crescimento econômico em nosso país.
Assim, não será somente a medida de adoção do regime parcial que impulsionará o surgimento de novos postos de emprego, antes se deve eliminar as horas extras, além de haver incentivos fiscais para os empregadores contratarem novos funcionários, pois caso contrário haveria ônus somente para o empregador, visto que teoricamente o salário não pode ser reduzido (art. 7, inciso VI da CF/88) e, por conseguinte, os preços dos produtos aumentariam o que gera uma redução no poder de compra do brasileiro, acarretando estagnação na economia.
Desta forma, somente a adoção do regime em tempo parcial não gerará postos de emprego, pois primeiro deve haver uma mudança na econômica brasileira, visto que o nosso país cresce muito pouco, sendo que a afirmação é decorrente da exposição trazida até este momento pelo presente trabalho, pois nas maiores economias do mundo o crescimento do emprego vem acompanhado com o aumento do PIB e o nosso é baixo.
Além do problema do desenvolvimento econômico, há outro que é a falta de estrutura para viabilizar as eventuais medidas de redução da jornada e eliminação das horas extras, visto que o Brasil tem um número muito pequeno de fiscais do trabalho para um gama enorme de empresas, o que torna quase impossível uma fiscalização adequada e profunda daquelas.
Conclusão
Assim, para reduzir o número de desempregados no Brasil há a necessidade de duas medidas antecessoras a redução específica da jornada, para que esta não seja momentânea. A primeira medida seria crescer economicamente, esse crescimento é obtido com o entrelaçamento de três fatores, o primeiro seria o aumento no consumo; o segundo maiores investimentos e o terceiro os gastos do governo.
A outra medida a ser implantada antes da redução propriamente dita, seria a reestruturação dos órgãos que fiscalizam o trabalho cominado com uma elevação das penalidades por descumprimentos de medidas definidas por lei.
Por fim, conclui-se de tudo que foi analisado pelo presente trabalho que a redução da jornada de trabalho é importante para gerar novos empregos, mas devemos ter em mente que se a redução não vier acompanhada com o aumento do PIB e, por conseguinte da economia, o Brasil sempre ficará nessa luta eterna contra o desemprego.
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Bibliografia
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Instrução normativa intersecretarial n.º 8, de 15 de maio de 1995. Disponível em: <_https3a_ www.mte.gov.br="" legislacao="" instrucoes_normativas="" 1995="" in_199550515_08.pdf="">. Acesso em: 15 jul. 2007.
______. Convenção 81. Dispõe sobre a Fiscalização do Trabalho. Diponível em: <_https3a_ www.mte.gov.br="" legislacao="" convencoes="" cv_81.asp="">. Acesso em: 15 jul. 2007.
DELGADO, Maurício Godinho. Jornada de Trabalho e Descansos Trabalhistas, 3ªEd., São Paulo: Ltr, 2003.
FERRARI, Irany; NASCIMENTO; Amauri Mascaro; FILHO, Ives Gandra da Silva Martins. História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, 2ª Ed., São Paulo: Ltr, 2002.
GLOBO ON LINE. Economia brasileira cresceu 2,9% em 2006. Disponível em:<_https3a_ oglobo.globo.com="" economia="" mat="" 2007="" 02="" 28="" 294739011.asp="">. Acesso em: 02 mar. 2007.
MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho. 14ª Ed., Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Instituição ao Direito do Trabalho, 26ª Ed, São Paulo, Ltr, 2000.
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 4ª Ed., Paraná: Juruá, 1991.
SUSSEKIND, Arnaldo. Instituição de Direito do Trabalho, 22ª Ed., São Paulo: Ltr, 2005.
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1 DELGADO, Maurício Godinho. Jornada de Trabalho e Descansos Trabalhistas, 3ªEd., São Paulo: Ltr, 2003, pag. 38.
2 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 4ª Ed., Paraná: Juruá, 1991, pag. 276.
3 MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho. 14ª Ed., Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, pag. 83
4 SUSSEKIND, Arnaldo. Instituição de Direito do Trabalho, 22ª Ed., São Paulo: Ltr, 2005, pag. 802
5 FERRARI, Irany; NASCIMENTO; Amauri Mascaro; FILHO, Ives Gandra da Silva Martins. História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, 2ª Ed., São Paulo: Ltr, 2002, pag. 63
6 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Instituição ao Direito do Trabalho, 26ª Ed., São Paulo, Ltr, 2000, pag. 261
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*Advogado do escritório Tostes & Coimbra Advogados
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