Segurança jurídica e a instituição das Parcerias Público-Privadas
Renato Poltronieri*
O panorama e as condições para a contratação de entes privados pela Administração pública no Brasil sempre proporcionaram farto material de estudo e desenvolvimento de teses para as áreas sociais, políticas, financeiras e principalmente jurídicas. Em síntese, a relação entre a Administração pública e a iniciativa privada formou um contexto, muito bem percebido na segunda metade do século passado, formado em três bases problemáticas para o investidor privado em geral: inflação, desordem fiscal e gastos públicos excessivos.
Esse contexto econômico influenciou sobremaneira a ordenação da forma de prestação do serviço público no Brasil. A rigor, essas bases foram equacionadas nos últimos dez anos com a estabilização da economia e a instituição de legislações que pontuaram e direcionaram legalmente a atuação da Administração pública, tais como a Lei de Licitação e Contratos Administrativos (Lei 8666/93), Lei de Concessão de Serviços Públicos (Lei 8987/95) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00).
Em geral, esses marcos normativos para a prestação dos serviços de interesse público da população e formuladores de estruturas financeiras e de organização administrativa para o Estado, foram implementados e experimentados ao longo desses últimos anos, com relativos sucessos e avanços em suas respectivas áreas. Contudo, sem especificar os tipos de riscos que naturalmente envolvem o negócio para a empresa privada e as exceções concernentes à prestação do serviço adequado e eficaz, resta ainda para o investidor e ao contratado privado incertezas quanto ao cumprimento do contrato administrativo e, em alguns casos, a falta total ou frágil existência de garantia do recebimento pelo serviço prestado.
A par dos mais variados posicionamentos sobre a melhor forma de atuação da Administração pública em vista dos interesses e das necessidades dos administrados, e dos contratos administrativos que celebra com esta finalidade, o debate que congrega e norteia a nova legislação sobre contratação administrativa está justamente centrado no tema das garantias para o investidor privado em face e proporção aos limites de gastos públicos com as parcerias, previstos na nova norma. Entende-se aqui como investidor privado, todos os entes que possam fazer parte da parceria com a Administração pública.
O texto da lei fórmula a regulação normativa para que a Administração contrate obras de infra-estrutura de grande vulto. O novo marco regulador tem por finalidade complementar a atual legislação sobre a matéria e encontrar uma forma eficaz de atrair o capital privado, essencialmente no tocante à concessão de serviços públicos (precedidos ou não de obras públicas) e à diminuição dos custos envolvidos nos projetos de infra-estrutura estratégica.
A necessidade de um complemento normativo se explica pelo contexto que se apresenta: carência de recursos públicos para implementação de infra-estrutura essencial e de grande porte, de investimentos elevados e tempo de ressarcimento, variando entre cinco e 35 anos. O texto aprovado pelo legislativo federal cuida exatamente das regras para viabilizar esses investimentos e as garantias públicas que podem ser oferecidas.
Está sedimentado no ideário normativo e político que as parcerias entre os setores público e privado deverão sempre respeitar e estar afinadas com a Lei de Licitação e Contratos Administrativos e, especialmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sob pena de inconstitucionalidade objetiva, o atual texto normativo aprovado pelo Senado e Câmara Federal é fiel a esse ideário. Resta ao administrador seguí-lo e o ao Judiciário, se for o caso, fazer cumprir a norma com rigor.
Este é o cenário para o qual se quer atrair o investidor privado. Este, por seu turno e sobrevida, não firmará a parceria sem ter a “segurança jurídica” de que o contrato administrativo será cumprido pela Administração pública, notadamente em relação ao retorno mínimo do capital investido no empreendimento. Para o investidor está subentendido que tal prerrogativa está vinculada à manutenção das características, (circunstâncias, influências, obrigações e ressarcimentos) sob as quais foram pactuados o projeto e o contrato de parceria.
Em resumo, constituindo e confirmando-se essa “segurança jurídica”, tem-se maior prazo para exploração dos serviços, maior flexibilidade dos contratos de parceria, o compartilhamento de riscos com o setor público e a estabilidade do contrato e dos recebimentos garantidos, por exemplo, pela vinculação de receitas, instituição de fundos especiais ou seguro garantia. O texto normativo aprovado fala em prioridade no orçamento para os pagamentos de obras e serviços contratados por meio das parcerias. Esta cláusula de precedência representa um dos itens que formam a “segurança jurídica” oferecida aos parceiros privados.
É essa “segurança” que se destaca como o ponto principal da norma que trata das Parcerias Público-Privadas. A atual roupagem normativa do texto aprovado pelo legislativo federal está, sem críticas pormenorizadas, consistente e coerente com o que se pretende através das parcerias. Sem dúvida, as garantias previstas para os entes privados servem como “segurança jurídica” de que um contrato de 35 anos, por exemplo, mantenha as condições econômico-financeiras em que foi celebrado, com mecanismos de rápida e eficaz solução de pendências. A prática mostrará se esse modelo de contratação pública é eficaz ou não. A Administração pública brasileira tem que passar por essa experiência.
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Clique aqui e confira a Redação final do Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara nº 10, de 2004 (nº 2.546, de 2003, na Casa de origem).
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*Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados