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D&O e comfort letters

Como alternativa ao D&O (Directors and Officers), que é o seguro de responsabilidade civil de administradores e cobre custos de defesa e indenizações relativos a reclamações dirigidas aos segurados (ações judiciais, processos administrativos etc.), fala-se nas "cartas de conforto" (comfort letters).

10/8/2009


D&O e comfort letters

Kleber Luiz Zanchim*

Como alternativa ao D&O (Directors and Officers), que é o seguro de responsabilidade civil de administradores e cobre custos de defesa e indenizações relativos a reclamações dirigidas aos segurados (ações judiciais, processos administrativos etc.), fala-se nas "cartas de conforto" (comfort letters). Trata-se de compromisso da empresa ou de seus sócios de substituir o seguro, indenizando o administrador em caso de demandas de terceiros. Na prática, porém, as comfort letters são pouco efetivas por duas razões principais.

A primeira é o conflito de interesses entre os envolvidos. Imagine-se uma dívida tributária que os sócios acreditam ter sido contraída por negligência ou imprudência do administrador. Os sócios certamente recusarão qualquer tipo de pagamento previsto em comfort letters. Talvez queiram até mesmo processar o administrador pelo prejuízo supostamente causado à empresa. As cartas não garantem nenhum conforto nesse caso.

A segunda razão que enfraquece as comfort letters é o risco de incapacidade financeira da empresa e dos sócios para indenizar o administrador. Muitas das reclamações que atingem os gestores afetam também a sociedade e os seus proprietários, como as demandas trabalhistas e ambientais. Assim, é difícil acreditar que, já estando comprometidos por si mesmos, a empresa e os sócios disponham-se ainda a cobrir despesas dos administradores com advogados, perícias, depósitos recursais, etc. Portanto, a confiabilidade das comfort letters é questionável.

O D&O, por sua vez, não apresenta os problemas acima. O conflito de interesses fica mitigado porque, atendidos os termos do contrato, o administrador será beneficiário da indenização mesmo que a sociedade ou os sócios lhe atribuam conduta culposa. Exemplo real é o caso em que acionistas pediram para uma seguradora não adimplir a apólice de um gestor desligado da empresa em razão de sua imprudência na condução de negócios no mercado de câmbio. Contudo, como não havia suspeita de dolo, ou seja, intenção de causar prejuízo à companhia, e o evento estava coberto pelo seguro, a seguradora efetuou os pagamentos previstos no contrato.

Quanto à disponibilidade financeira para as coberturas, o D&O também leva vantagem. A apólice é oferecida por grandes seguradoras e normalmente é ressegurada. Assim, é possível cobrir prejuízos maiores que os incluídos nas comfort letters e o risco de não pagamento por falta de dinheiro é pequeno. Soma-se a isso o fato de os contratos serem fiscalizados pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, o que reforça a solidez do seguro.

Não parece adequado, pois, indicar cartas de conforto como alternativa a D&O. As cartas são quase como acordos de cavalheiros e têm mais fundo moral que jurídico. É difícil imaginar sua execução em juízo, inclusive porque, por questões de mercado, o administrador pode não querer processar a empresa ou os sócios para efetivá-las. Além disso, as comfort letters não são padronizadas, tendo de ser negociadas em todos os detalhes, o que agrega custos à sua implantação. Por fim, se levadas efetivamente a sério, as cartas exigiriam que as sociedades fizessem provisões em seus balanços para os possíveis sinistros, o que impactaria na administração, nos investimentos e na distribuição de dividendos.

Já o D&O integra um sistema de gestão profissional de contingências, separado das operações do administrador e da sociedade em que ele atua. A identificação e a precificação dos riscos ficam a cargo das seguradoras, cujos padrões agilizam a contratação das coberturas mesmo quando é necessário fazer adaptações para a realidade específica do segurado. No mais, se o administrador tiver de processar alguém será a companhia de seguros, e não a empresa com a qual ele talvez tenha um relacionamento de muitos anos.

O D&O serve ainda como fomentador de práticas de governança corporativa, especialmente no tocante à transparência. Isso porque introduz um terceiro na avaliação do comportamento dos gestores. Muitas apólices estabelecem que o administrador deve notificar a seguradora sobre qualquer evento capaz de ensejar um sinistro, como planejamentos tributários cuja interpretação não esteja consolidada pelas autoridades fiscais. Assim, a administração da sociedade passa a ser monitorada, o que tende a inibir iniciativas de alto risco. Portanto, os acionistas, a empresa e até o mercado podem extrair benefícios do D&O.

Claro que o seguro não é uma ferramenta perfeita. Porém, em comparação com as comfort letters fornece mais segurança ao administrador. Ademais, é o produto que está se disseminando no Brasil, fato que auxilia no aprimoramento das apólices. As cartas têm uso isolado e não formam massa crítica que seja objeto de estudo contínuo para aperfeiçoamento.

É verdade que o custo das comfort letters pode ser mais baixo que os prêmios do D&O. Contudo, o barato pode sair caro quando o administrador se vir desprotegido diante de ações que lhe exijam milhares de reais. Quanto vale a tranqüilidade?

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*Sócio do escritório Marcelo Neves Advogados e Consultores Jurídicos. Professor da Fundação Instituto de Administração – FIA, do IBMEC Direito e do GVLaw

 

 

 

 

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