Da aplicação de multa cominatória em ações cautelares de exibição de documentos
Ricardo Victor Gazzi Salum*
Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória.
Não obstante a súmula tenha consolidado posicionamento que já vinha sendo firmado pelo STJ, faz-se necessário entender seus fundamentos e, principalmente, suas repercussões processuais.
A discussão jurídica teve início na aplicabilidade ou não dos artigos 461, §4º e 359, ambos do CPC (clique aqui), nas ações de exibição de documentos.
Veja-se o que dispõe o art. 461 do CPC:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(...)
§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5° Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6° O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Em linhas gerais, pode-se dizer que o que se busca com ação de obrigação de fazer (ou não fazer) é a tutela específica apresentada na petição inicial, assegurando o resultado prático da procedência da pretensão. A fim de certificar a efetividade da condenação, foi viabilizada, na sistemática processual civil, a imposição de multa diária, preconizada pelo parágrafo quarto do dispositivo legal.
O art. 359 do CPC, de outro lado, dispõe:
Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar:
I - se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 357;
II - se a recusa for havida por ilegítima.
Este dispositivo está situado na Seção IV (Da exibição de documento ou coisa), inserida no capítulo VI (Das provas), do Título VIII (Do Procedimento Ordinário), do CPC.
A situação prevista pelo art. 359 do CPC ocorre no curso de uma demanda ordinária, na qual a parte visa à discussão de seu direito. Em outras palavras, a exibição de documentos, nesta hipótese, constitui simples instrução probatória do processo.
Se não apresentado o documento ou coisa, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que a parte pretendia com eles provar, o que pode conduzir inclusive à procedência dos pedidos formulados na demanda.
Nas ações cautelares de exibição de documentos, disciplinadas nos artigos 844 e 845, do CPC, a pretensão do demandante consubstancia-se no acesso a documentos ou coisas que se encontram em poder de terceiro. O objeto da lide se limita a esta questão.
A aplicação do citado art. 461, § 4º, do CPC, nas ações de exibição de documentos foi afastada ao argumento de que a multa cominatória serve para tornar efetiva a sentença nas ações de obrigação de fazer ou não fazer. Nas palavras do i. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito1, "a multa cominatória é própria para garantir o processo por meio da qual a parte pretende a execução de uma obrigação de fazer ou não fazer (Resp 148.229/RS, da minha relatoria, DJ de 13/10/98 - clique aqui)".
Tendo como precedente o julgado cujo trecho foi transcrito acima, bem como nos acórdãos dos Autos 204807, (Resp/SP), 633053 - (Resp/MG), 828342 (AgRg/ GO) e 981706 (Resp/SP), foi editada e aprovada a mencionada súmula 372/STJ, consolidando a impossibilidade da aplicação de multa cominatória nas ações de exibição de documentos.
Diante da impossibilidade de aplicação do art. 461, do CPC, cogitou-se a aplicação do disposto pelo art. 359 do mesmo diploma.
Contudo, como já salientado acima, a pretensão do demandante nas ações cautelares de exibição não se traduz necessariamente como pleito de constituição de direito, mas sim de ver exibidos documentos ou coisas que se encontram em poder de terceiros.
Nesta esteira, considerando que nas ações cautelares de exibição de documentos não há postulação de um direito em si, mas a simples pretensão de vê-los exibidos, não há que se falar em presunção de veracidade dos fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar. O objeto destas ações não é a prova, mas o conhecimento do documento ou coisa!
Diante de tais considerações, pondera o STJ que a melhor solução para tais casos, e entenda-se solução como forma de efetividade da decisão, é a determinação de busca e apreensão do documento ou coisa.
Isso porque, se não há:
(i) como aplicar a multa cominatória (súmula 372/STJ) e
(ii) como fazer presunção de fatos que se pretende provar, a determinação de busca e apreensão afigura-se como medida apta a dar efetividade à prestação jurisdicional na ação cautelar de exibição de documento ou coisa.
Questão interessante surge no caso de inexistência ou extravio do documento ou coisa. Nesta hipótese, a determinação de busca e apreensão seria inócua.
Nesse caso, de um lado se vê a:
(i) impossibilidade de aplicação da regra dos arts. 359 e 461 do CPC e, de outro, a
(ii) inviabilidade ou ineficácia de expedição de um mandado de busca e apreensão de um documento ou coisa extraviado ou perdido, por exemplo.
Em hipóteses como essa, os tribunais vêm entendendo que a parte requerente da ação de exibição de documentos deve propor a ação própria para discussão de seu eventual direito. No curso deste processo, o Juízo poderá avaliar a aplicação da regra do art. 359 do CPC, admitindo como verdadeiros os fatos alegados e que seriam comprovados pelo documento ou coisa não exibidos pela parte demandada.
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1 Recurso Especial 433.711 – MS (2002/0052304-8)
2 PROCESSUAL CIVIL. CAUTELAR. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. EXTRAVIO DE DOCUMENTO. NÃO FIXAÇÃO DE MULTA. HONORÁRIOS. 1. Não obstante a expressa remissão legal do art. 845 do CPC, a doutrina e a jurisprudência divergem no que tange à incidência da presunção de veracidade (art. 359, CPC) ao procedimento cautelar. 2. Com efeito, a natureza do pedido cautelar, onde se postula a exibição do documento ou da coisa, não implica a veracidade do fato, desvinculado de uma pretensão própria. Nesse sentido. "No processo cautelar, o desatendimento da determinação de que se exiba documento ou coisa não acarreta a conseqüência prevista no artigo 359 do Código de Processo Civil" (STJ, RESP nº 204807/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro. DJ de 06/06/2000). 3. Ocorre que, em certas hipóteses, esta solução não é suficiente. A busca e apreensão pelo não atendimento da ordem pode restar frustrada em caso de perda ou extravio do documento. Na hipótese, a situação criada permanecerá desamparada da tutela judicial. Ou seja. existirá a ordem para exibição de documento, mas tendo em vista a impossibilidade material, inviável será a busca e apreensão, bem como a cominação de multa. 4. Tal particularidade impede a adoção de qualquer medida tendente ao cumprimento da obrigação de fazer (busca e apreensão ou multa). Neste passo, a única solução plausível para atender os interesses da requerente é admitir a presunção de veracidade dos fatos. 5. Todavia, esse reconhecimento não é passível na via cautelar, por extravasar seus limites. Nesse contexto, cabe à requerente, mediante ação própria, buscar a comprovação dos fatos decorrentes da não apresentação do documento, restando a cargo daquele Juízo o reconhecimento ou não da presunção de veracidade. 6. Em relação aos honorários advocatícios, na esteira da jurisprudência desta Corte, devem eles ser fixados em torno de um salário-mínimo, atualmente R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais). (TRF 4ª R.; AC 2002.70.00.076417-5; PR; Turma Suplementar; Relª Juíza Fed. Maria Isabel Pezzi Klein; Julg. 20/2/08; DEJF 30/5/08; Pág. 430)
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*Advogado do escritório Homero Costa Advogados
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