Expurgando a questão dos expurgos
Luís Carlos Moro*
"PRESCRIÇÃO. MARCO INICIAL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. MULTA DE 40% DO FGTS. 1. É da violação do direito material que nasce a pretensão de repará-lo mediante a ação. O prazo para o exercício da ação conta-se justamente do dia em que o titular toma ciência da lesão, o que evidentemente supõe direito material preexistente, à luz do artigo 189 do Código Civil de 2002. 2. Assim, o marco inicial para contagem do prazo prescricional relativamente ao direito de ação quanto ao pedido de diferenças da multa de 40% do FGTS em face de expurgos inflacionários reconhecidos pela Justiça Federal é a data da ciência do direito às diferenças. 3. O termo inicial não é a entrada em vigor da Lei Complementar nº 110/01, a decisão do E. STF ou tampouco o trânsito em julgado da decisão proferida na Justiça Federal. Tanto a lei como as decisões do E. STF e da Justiça Federal meramente reconheceram o direito material às diferenças do saldo do FGTS. A lesão ao direito à multa do FGTS, todavia, deu-se posteriormente, com os depósitos das diferenças dos índices expurgados. Neste momento, não paga pelo empregador a conseqüente diferença da multa, consumou-se a lesão. 4. Não decorrendo mais de dois anos entre a ciência do direito às referidas diferenças decorrentes da atualização do FGTS e a propositura da ação trabalhista visando a corrigir a multa de 40%, em razão da dispensa sem justa causa, inexiste prescrição a ser declarada. 5. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST; DECISÃO: 18/06/2003; PROC: AIRR - 3253-2002-911-11-00; AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA; ÓRGÃO JULGADOR - PRIMEIRA TURMA; FONTE: DJ 15-08-2003; RELATOR DESIGNADO MINISTRO JOÃO ORESTE DALAZEN)
Note que nem mesmo invocarei os indispensáveis princípios de Direito do Trabalho. Vou tentar argumentar com o processo comum. E é só.
Convenhamos que, para propor ação, qualquer pessoa, nos termos do artigo 3º do CPC, deve demonstrar interesse e legitimidade processuais. E que, para se iniciar uma cobrança, é indispensável à constituição de um título, judicial ou extrajudicial, dotado de certeza, liquidez e exigibilidade.
É nesses três qualificativos que se encontra a raiz do problema jurídico das diferenças do Fundo de Garantia.
Antes da edição da Lei Complementar 110, o direito às diferenças, não obstante fosse geral e abstrato, foi reconhecido tão somente para poucos trabalhadores, em decorrência de um histórico julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Considerando o risco de uma pletora de ações individuais que produzissem efeito paralisante da Justiça Federal, o governo editou uma lei complementar que reconheceu o direito às diferenças aludidas.
Entretanto, o direito ali estabelecido não foi exercível de imediato. Ficou postergado, até em atenção a critérios financeiros, segundo disponibilidade e interesse governamentais, para datas futuras e variáveis, segundo a condição pessoal de cada credor.
Assim foi que idosos tiveram preferência, créditos menores estavam sujeitos a parcelamentos menores, havendo a possibilidade de postergar o pagamento de valores até o ano de 2007, ainda longínquo. O direito, não obstante declarado, não foi exercível de imediato. Ficou latente, à espera de liquidação.
É um direito incertus an, incertus quantum et incertus quandum.
Logo, durante o período de latência, nada mais natural que os trabalhadores aguardarem pelo cumprimento da obrigação de pagar as diferenças, obrigação esta do governo federal, cumprida através da Caixa Econômica Federal. Não há, nesse compasso de espera, nenhuma inércia do trabalhador.
O fenômeno que deflagra a possibilidade de que o trabalhador cobre do empregador as diferenças reflexas na indenização de 40% (quarenta por cento) é o pagamento feito pela Caixa Econômica Federal, que dota a conta vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço de certeza e liquidez, fazendo nascer o interesse em ajuizar ação contra o empregador, pela repercussão daquele pagamento na indenização de 40% (quarenta por cento) do saldo pela dispensa sem justa causa.
Equivoca-se, portanto, a Orientação Jurisprudencial, ao exigir do trabalhador iniciativa anterior à certeza e liquidez do seu direito. Cobra-se da vítima da lesão patrimonial uma providência (ação) que está, a rigor, impedido de tomar, haja vista a ausência de possibilidade de demonstração do an devido, do quantum devido e de constituição de um direito exercível, de algo dotado de liquidez, certeza e exigibilidade que conforme um interesse legítimo a levar à jurisdição.
Portanto, ao editar (após o vencimento do biênio, já que a OJ foi publicada no Diário da Justiça da União em 10 de novembro de 2004), um entendimento que declara prescritas as ações ajuizadas após dois anos da promulgação da Lei Complementar 110, o Tribunal Superior do Trabalho acabou por, além de reconhecer um inegável direito aos trabalhadores, dar com uma mão, retirando com outra. Estabeleceu um limite, já pretérito, ao direito, procurando evitar a disseminação de ações trabalhistas com esse objeto.
De notar que a Lei Complementar, de 29 de junho de 2001 ainda recebeu modificações e regulamentações pelos Decretos 3.913, 3.914 (de 10 de setembro de 2001); pela Medida Provisória 185, (de 13 de maio de 2004); e pela Lei 10.555 (de 13 de novembro de 2002).
A situação é tão esdrúxula que o direito principal dos idosos (as diferenças do FGTS), consagrado pela MP 185, por exemplo, foi regulamentado após supostamente prescrito o direito reflexo (a indenização de 40% - quarenta por cento), num especioso caso de prescrição do reflexo ainda antes que o principal...
Fica o convite para pensar.
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*Advogado do escritório Moro e Scalamandré Advocacia
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