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Responsabilidade civil

Há poucos meses atrás o Supremo Tribunal Federal decidiu que as empresas exploradoras de transporte coletivo não são responsáveis por roubos cometidos contra seus usuários.

10/1/2005

Responsabilidade civil


Sérgio Roxo da Fonseca*

Há poucos meses atrás o Supremo Tribunal Federal decidiu que as empresas exploradoras de transporte coletivo não são responsáveis por roubos cometidos contra seus usuários. Afirmou-se então que a cobertura do risco decorrente desses crimes não é da natureza do contrato de transporte. Invocou-se naquela oportunidade a regra do parágrafo único do art. 927 do atual Código Civil que tem a seguinte redação: “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Tal foi a síntese da decisão:

"Ao prosseguir o julgamento, a Turma reafirmou que consubstancia causa excludente de responsabilidade da empresa de transporte concessionária de serviço público o roubo a mão armada perpetrado no interior do coletivo. Trata-se, pois, de fato estranho ao serviço (força maior)". Precedentes citados: REsp 435.865-RJ, DJ 12.5.2003; REsp 13.351-RJ, DJ 24.2.1992, e REsp 118.123-SP, DJ 21.9.1998. Resp 3331.801-RJ. Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 5.10.2004.

Decidiu-se que a “atividade normalmente desenvolvida” pelas empresas transportadoras, não implica “por sua natureza”, risco de roubo ao direito dos usuários.

Trata-se de uma interpretação mais restritiva do que as manifestações jurisprudenciais anteriores que atribuíam às concessionárias ampla responsabilidade com base no parágrafo sexto do art. 37 da Constituição Federal, que tem, por sua vez, a seguinte redação: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão por danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Mais recentemente ainda o Supremo Tribunal Federal examinou matéria análoga, voltando a adotar uma posição mais restritiva. Trata-se do julgamento do Recurso Extraordinário 262651-SP, de 16.11.2004, cujo acórdão foi relatado pelo Ministro Carlos Velloso, com votos vencidos dos Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello. Decidiu-se que a pretensão dos usuários está protegida pela responsabilidade objetiva quanto aos danos que possam ser imputados à prestadora de serviços públicos ou a seus representantes, não se estendendo tal direito aos “não-usuários” que assim teriam seus interesses submetidos à apuração da culpa levíssima do agente.

Esta é a síntese da decisão: “Deu-se provimento ao recurso por se entender violado o art. 37, parágrafo sexto, da CF, uma vez que a responsabilidade objetiva das prestadoras de serviço público não se estende a terceiros não-usuários, já que somente o usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal, não cabendo ao mesmo, por essa razão, o ônus de provar a culpa do prestador do serviço na causação do dano”. Em síntese foi afirmado que a responsabilidade da concessionária com relação ao usuário rege-se pela teoria do risco. Reversamente, quando se tratar de não usuário, aplica-se o princípio civilista da culpa levíssima ou aquiliana.

Vale a pena lembrar que o contrato de concessão é suscetível de gerar efeitos jurídicos não só entre concedente e concessionária, mas também entre estes e o usuário, face à carga de imperatividade nele refletido. Tal é a lição de A. Gordillo, “Contratos Administrativos”, AADA, 1977, página 29.

O contrato assim identifica como partes o órgão concedente e a concessionária. Mas o terceiro não participante, ou seja, o usuário, sofre suas conseqüências.

Olhando para o acórdão em exame pergunta-se como identificar o usuário do não-usuário? Usuário é quem paga o pedágio e o bilhete de passagem? Não usuário, ao contrário, é o caminhante que nada paga? Ou o motociclista que usa mas não paga? Se assim é, pagamento do pedágio ou da passagem tornam-se o elemento identificador do usuário? Usuário é quem está no interior do ônibus? Não usuário é o caminhante atropelado pelo coletivo? E o proprietário das terras colocadas ao longo das rodovias?

É escusado dizer que, adotando-se a orientação do acórdão comentado, o sistema oferece ao direito dos usuários ferramentas de proteção muito mais eficazes do que aqueles postos à disposição dos não-usuários. Mas parece-me haver uma dificuldade muito grande na identificação sistemática de usuários e não usuários.

Com efeito, na prática as respostas encontradas são meramente estipulativas. A transportadora e exploradora de estradas pedagiadas não impõem riscos, pela natureza dos serviços que prestam, às pessoas que não pagam o preço da passagem ou do pedágio? No momento em que essas pessoas ou seus patrimônios são atingidos não sofrem as conseqüências da execução de um serviço público mencionado pelo parágrafo sexto do art. 37 da CF?

Examinando esses dois últimos acórdãos, percebo que o magistério jurisprudencial do STF aparentemente tende a ser mais restritivo ao apreciar pedidos de indenização por atos e fatos resultantes da execução de serviços públicos concedidos.
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*Advogado, professor da UNESP e Procurador de Justiça de São Paulo, aposentado





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