Lygia X Maitê
Eliane Y. Abrão*
Lygia, curiosamente, ungida às páginas dos periódicos na mesma semana em que estes registravam o passamento de seu ilustre primeiro marido, o mestre Goffredo da Silva Telles, irritou-se profundamente (o sangue subiu-lhe à cabeça, em suas palavras) contra Maitê por prestes esta a estrear peça de sua (dela, Maitê) autoria, sob o título "As Meninas", coincidentemente, título de texto literário anterior de autoria de Lygia. Sentiu-se esta lesada também pelo fato de ter um projeto, já em fase adiantada, de levar aos palcos a adaptação do seu (dela, Lygia) texto. A ameaça era de levar a questão à barra dos Tribunais.
Juridicamente, quem tem razão? Melhor dizendo, a quem o direito ampara nesse episódio?
O art. 11 da lei 9.610/98, repetindo texto idêntico da revogada lei 5.988/73 (clique aqui), afirma que título é protegido por direitos autorais desde que original e inconfundível com obra de mesmo gênero, anteriormente publicada por outro autor. É a obra, portanto, o foco principal da proteção, no caso o texto literário e o texto teatral, configurando-se o título como um seu acessório. Título isolado não goza de proteção autoral, embora possa ser registrado como marca, autorizado o respectivo depósito pelo autor e/ou titular dos direitos autorais.
Além de só existir em função da obra, o título de obra intelectualmente protegida há que ser original e inconfundível com outra de mesmo gênero, disputando espaço no mesmo segmento: livro, no mercado editorial; quadro, no mercado das artes plásticas; música, no mercado fonográfico, peça teatral/obra dramatúrgica, nas artes cênicas. Logo, se Lygia e Maitê disputassem ambas o mesmo título no mercado de livros, ou no das artes cênicas, a disputa poderia pender para um dos dois lados, aquele que comprovasse anterioridade.
Mas, indaga-se sobre o requisito da originalidade: haveria algum título realmente original e inconfundível em se tratando de livros ou de peças teatrais a merecer a proteção legal? Se obras do tipo refletem histórias da vida, registrando o cotidiano em outro plano, é nesse mesmo cotidiano que o autor vai buscar o respectivo título. É o que os fatos reais demonstram. Um título original, por exemplo, seria "Kuarup", romance de Antonio Callado. Mas, neste caso, original é a combinação de letras em português, não a expressão que é de significado corrente (a festa dos mortos) na língua indígena.
Como "As Meninas" é título que não goza de originalidade, o direito autoral não ampararia nem Lygia nem Maitê com a chancela da exclusividade, ainda que o título de Lygia tenha sido anterior. Por outro lado, como inexiste possibilidade, em tese, de confusão por parte do público leitor/espectador desviando o comprador do livro, ou o espectador do texto representado em palco, não se falaria, tampouco, em confundibilidade. É verdade que um segmento do público, mais letrado, pode, também em tese, associar o título da peça com o do livro. Mas isso só pesquisa de mercado poderia, ou não, constatar.
Na certa, quem levou a melhor foi Maitê. Lygia fez-lhe um favor dando à peça (ao texto teatral) publicidade gratuita, que dificilmente teria com críticas comportadas, ou com a publicação dos "tijolinhos" (jargão da classe para anúncios pagos de peças teatrais em jornais).
_____________
*Advogada do escritório Eliane Y. Abrão, Advogados Associados
____________