Descumprimento de ordem judicial e o fenômeno impunidade
Ricardo Garcia Martinez*
Grandes grupos empresariais através de seus representantes legais simplesmente ignoram determinadas ordens judiciais, como por exemplo, não apresentam documentos necessários ao deslinde de terminado caso, o não fornecimento de dados, a não exclusão de dados, etc.
Ainda que o CPC (clique aqui) autorize o juiz a fixar multa severa em caráter coercitivo para que haja o efetivo cumprimento da ordem judicial, tal instituto não tem se mostrado suficiente a ponto de intimidar a parte contrária a cumprir.
O legislador de 1940 visando criminalizar a conduta do agente que descumpre uma ordem legal, criou o dispositivo legal tipificado no art. 330 do CP (clique aqui), nos seguintes termos:
"Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa."
Não é preciso mencionar que em 1940 o País vivia outra realidade cultural e jurídica, contudo, o art. 330 do CP, foi perfeitamente recepcionado pela CF/88 (clique aqui), por respeitar tais princípios como, por exemplo, o da Lesividade e da Razoabilidade, entre outros.
Com a promulgação da CF/88, foi instituído um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos de seu povo, sendo assegurado a qualquer cidadão Direitos e Garantias Fundamentais, como por exemplo, direito à vida, à liberdade, etc.
Partindo deste princípio, deve o Estado punir de forma exemplar aquele que descumpre ordem legal que dele partiu, pois, se vivemos em um Estado que impera a Soberania Popular, no qual, a sociedade se utiliza do Estado como meio através de seus agentes para atingir seu direito, não pode Estado permitir que outrem venha a descumprir ordem judicial e nada sofrer por isso, sob pena do descrédito do Poder Judiciário fortalecendo a sensação de impunidade daqueles que não cumprem com a lei.
Outro fato que merece destaque, é o crime previsto no art. 330 do CP, qual seja, Crime de Desobediência, ser considerado "infração penal de menor potencial ofensivo".
A lei 11.313/06 (clique aqui) alterou o artigo 61 da lei 9.099/95 (clique aqui), na qual dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, nos seguintes termos:
"Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa."
Realizando uma interpretação histórica e sistêmica da atual CF/88, é inaceitável que o crime de desobediência seja considerado uma infração de menor potencial ofensivo, pois, crime este que quando praticado, ao contrário do que diz a lei, é absolutamente lesivo e capaz de gerar danos incalculáveis, não só ao particular, mas também ao Estado.
Atualmente o juiz de competência cível que se depara com noticia de que a parte contrária descumpre uma ordem judicial nos termos do art. 330 do CP, pode aplicar multa diária como instrumento coercitivo para se fazer valer a ordem, caso a parte contrária permaneça descumprindo determinada ordem, deve determinar o envio das cópias dos autos ao representante do parquet, ou determinar a instauração de Inquérito Policial.
Contudo, mesmo com o promotor fazendo a denúncia e esta sendo recebida, o autor do crime de desobediência sequer poderá ser submetido a pena privativa de liberdade, e ainda, em razão da pena ridículo de detenção de 15 dias a seis meses e multa cominada ao art. 330 do CP, nos termos do art. 89 da lei 9.099/95, autoriza o promotor de justiça a propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos se o agente ostentar as condições exigidas pela lei.
É por este e outros descuidos que comete o legislador Brasileiro, que vivemos hoje em dia a triste e real sensação de impunidade, que por muitas vezes, deixa o próprio operador do direito sem saber a quem recorrer, tendo muitas vezes, que aguardar a boa vontade da parte contrária em dar cumprimento à ordem judicial.
Nesse sentido, ressalta o professor e Juiz Federal Agapito Machado1:
"A criminalidade resulta, sem dúvida, da garantia da impunidade, portanto, na descrença das Instituições. E convenhamos, o Poder Judiciário não pode punir apenas por querer, por vontade subjetiva do magistrado, mas com base em lei em sentido formal e material já que em matéria penal incriminadora, lamentavelmente, o Direito se resume à lei. Não será demais repetir: É a CF/88 e o CP que prescrevem: não há crime sem lei."
Desta forma, há que se admitir que apenas o instituto previsto no CPC e a atual aplicabilidade do art. 330 do CP, não são instrumentos capazes de se fazer cumprir determinadas ordens judiciais.
É preciso uma reforma no instituto penal, capaz de considerar o crime de desobediência de grande poder ofensivo, excluindo o benefício da lei 9.099/95, transformando – o em instrumento coercitivo capaz de intimar a parte contrária a dar total cumprimento a ordem judicial.
__________________
1 Agapíto Machado, Aspecto Penal do Descumprimento às Decisões Judiciais de Natureza Mandamental - clique aqui.
__________________
*Integrante do escritório Rayes Advogados Associados
_______________